terça-feira, julho 31, 2007

RSI ou o preço da indiferença

Nos últimos dias têm sido divulgados números sobre o Rendimento Social de Inserção (RSI) que representam sinais de alarme sobre a sociedade que estamos a construir(1). De facto, para além das muitas deficiências detectadas no apoio aos cidadãos mais carenciados, corre-se o risco de uma medida pensada como apoio transitório, ser transformada em modo de vida. A nossa região, não é excepção à regra.

Num total nacional de 106570 famílias abrangidas pelo RSI, o distrito de Viseu contribui com 6157 famílias, depois de, em 2002, terem sido apoiadas 8598. Na lista de candidaturas apresentadas no primeiro semestre de 2007, Viseu aparece em oitavo lugar com 1004 pedidos, apenas sendo ultrapassado pelos distritos do Porto (top nacional), Setúbal, Lisboa, Aveiro, Coimbra, Braga e Faro.

Mesmo o facto do nosso distrito incluir o grupo restrito dos que revelaram evolução positiva entre 2002 e 2007, só por demagogia pode ser entendido com optimismo. Na verdade, a desertificação progressiva e o envelhecimento da população que se têm feito sentir, mais do que quaisquer medidas de integração que tenham sido tomadas, devem explicar a diferença. De qualquer modo, os números mantêm-se muito altos.

Não é difícil perceber que estamos a assistir às consequências do desprezo pelas actividades tradicionais (agricultura, pecuária, etc.), que não só não foram reorganizadas, como ainda não viram surgir alternativas. Mesmo que queiramos olhar o problema com “espírito positivo”, dizendo que o RSI é capaz de ser superior ao rendimento conseguido, antigamente, no trabalho da terra, a desculpa não pega. Se já é difícil compreender que nenhum esforço tenha sido feito na reconversão da agricultura tradicional, tendo em conta o seu valor social e ambiental, mais difícil é aceitar que se pague para que pessoas esperem pela morte, desprezando os seus conhecimentos e recusando-lhes o direito de se sentirem socialmente úteis. Talvez daqui a uns anos venhamos a lamentar a adaptação portuguesa de uma piada dos tempos do “Muro de Berlim”, quando se dizia que a maior aspiração dos jovens da Alemanha de Leste, era serem desempregados na República Federal Alemã. O RSI corre o risco de se tornar modo de vida, para descanso de algumas consciências.

Quando vemos o Presidente da Câmara Municipal de Vouzela, (na apresentação do “Diagnóstico da Necessidades de Qualificação de Recursos Humanos na Região de Lafões”) colocar o acento tónico na inventariação das “necessidades de qualificação ao nível da educação e formação e conduzir a um ajustamento entre a oferta de formação e as necessidades do sector empresarial”, percebemos que poucas lições se têm tirado do estado a que chegamos. Diga o senhor Presidente que empregos tem para oferecer, que as habilitações são o mais fácil de conseguir. O problema, é que não tem. Nem vai ter, enquanto os responsáveis locais acreditarem que as “empresas de ponta” desse mundo inteiro, vão acorrer a montar unidades na região, bastando para tal que se lhes mostre as elevadas competências do indígena (2), a Matemática e a mais não sei o quê. Enquanto assim for, restam os estudos para fingir que se faz alguma coisa e o RSI, para pagar a indiferença.
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(1)- Fonte: "Público" de 30 e 31 de Julho de 2007.
(2)- Indígena: natural da região que habita.

domingo, julho 29, 2007

Alerta laranja

Van Gogh, Campo de Trigo sob céu ameaçador

Passei o fim-de-semana dominado pelo síndroma do “alerta laranja”. Calor que faz favor, naquele patamar do convite à imobilidade, pensei conseguir resistir protegido pelas grossas paredes de granito e munido de tudo quanto é jornal. Pura ilusão. O tom alaranjado espalhava-se pelas páginas dos periódicos através da pena dos pensadores de “reconhecido mérito”- os “inteligentes” da nação querem fazer-nos acreditar que nada de mais importante existe de momento, do que a suposta crise do PSD. Não há pachorra. Da janela via o rio a correr lá em baixo. Uma tentação. Fiz-me ao caminho, mas... acabei de molho na piscina de uns amigos. Valeram-me os “Caladinhos” e as “Raivas” da Vougazela.

Alerta- 1

Não há folha impressa que não concentre atenções na situação interna do PSD e até já por aí se anuncia o fim da ilustre agremiação. Exagero. A este respeito, contaram-me uma história exemplar. Num concelho do nosso país, dominado durante anos por determinada força política das chamadas maioritárias, a campanha eleitoral para as autárquicas fazia prever mudanças. Já não me lembro se do PS para o PSD, ou se o contrário, mas para o caso tanto dá. Em determinada altura, a força que costumava estar na oposição e que se apresentava com possibilidade de vitória, anunciou a inauguração de uma nova sede. Qual não foi a surpresa, quando se percebeu que o novo espaço tinha sido cedido por uma influente personalidade local, habitualmente conotada com o partido político que, até então, tinha dominado o concelho, mas que se preparava para perder essas eleições.

O chamado “rotativismo” é isto mesmo: muitos interesses e poucos princípios. Quando se começa a perceber que não é possível manter uma das forças no poder, avança a outra e tudo (os interesses e os poucos princípios) continua na mesma. Talvez a abstenção aumente. E depois?

Alerta- 2

A propósito de um texto publicado há cerca de um mês no “Pastel de Vouzela”, chamaram-nos a atenção para o facto das águas do Vouga continuarem a apresentar um cheiro e um aspecto altamente suspeitos. Empurrado pelo calor que se faz sentir, desci à Foz. Não confirmei cheiro nem aspecto, mas sim o desinteresse em informar o público sobre a qualidade das águas: nenhuma informação no local. Acabei a mergulhar na piscina de uns amigos. A temperatura da água era de 27 graus.

Alerta-3
No seu 60º aniversário, a Vougazela lançou uns deliciosos biscoitos, respeitando a receita tradicional. São os “Caladinhos” e as “Raivas”, famosas iguarias da nossa doçaria tradicional, que a pressão da procura estava a adulterar. Estendidos à sombra, à beira da piscina, os biscoitos foram o bálsamo para a raiva de continuarmos a assistir (cada vez menos calados!) à indiferença perante os recursos da nossa região.

quarta-feira, julho 25, 2007

Águas turvas

Há um generalizado consenso sobre a necessidade de aumentar o preço da água, como forma de promover a sua poupança. Salvo melhor opinião, trata-se de pura demagogia, no melhor estilo do fingir que se muda alguma coisa para que tudo fique na mesma. De facto, grande parte do desperdício da água, está no abandono puro e simples dos recursos hídricos, transformados em esgotos a céu aberto ou cobertos de entulho por obras mal planeadas. Ora, a poupança conseguida com o aumento dos valores da factura, limita-se aos recursos usados, não tendo qualquer impacto na recuperação dos restantes. Por outro lado, penaliza duplamente o consumidor individual, obrigado não só a suportar o acréscimo de custos do seu consumo, como o aumento de preços que a medida irá provocar nos diversos bens, em nada contribuindo para alterar métodos de produção.

Paralelamente, percebemos estar em marcha a privatização das águas. Não para já mas, de acordo com o “Público” de 24 de Julho de 2007 (citando o Ministro do Ambiente), depois do Estado “concretizar o investimento de quatro milhões de euros na construção de infra-estruturas de abastecimento”. Se isto não é apropriação privada de mais-valias conseguidas com investimento público, não sei como lhe chamar. Depois, ainda não consegui perceber o que vamos beneficiar com tal privatização, até porque não conheço nenhuma “fatalidade genética” que obrigue uma empresa pública a funcionar pior do que uma privada. O que conheço, são empresas mal geridas. Públicas e privadas. E conheço medidas suspeitas, como as que se anunciam com louváveis objectivos ambientais e que, na realidade, visam tornar mais aliciante um negócio. O das águas. Turvas.

terça-feira, julho 24, 2007

60 anos

Em tempos de desertificação do interior, o simples facto de uma empresa comemorar 60 anos de actividade, já é uma boa notícia. Quando encontramos duas, é uma festa. Pois é precisamente de festa que se trata, a propósito do 60º aniversário da Vougazela (confeitaria) e da Adega Cooperativa de Lafões, duas entidades que muito contribuíram para nos adoçar e alegrar a existência. Aos seus responsáveis, o abraço doce de “Pastel de Vouzela”.

domingo, julho 22, 2007

A invasão dos urbanóides- 1

René Magritte, Golconde, 1953

Cresceram no tédio do final do Estado Novo, ou nos primeiros anos do pós-PREC, quando as orientações do FMI eram a coisa mais parecida com um sistema de valores alternativo à “desordem da escumalha”. Conheceram a “província”, na companhia forçada de familiares nas deslocações de férias, sentindo-se perdidos perante a imensidão do espaço e do tempo e ameaçados pela constante solicitação do meio: a irregularidade do solo, o andar a pé, a poeira dos caminhos, o calor tórrido ou o frio, nada para comprar- uma maçada. Sonharam com a agitação de Paris ou de Londres, onde era suposto, a cada minuto, uma novidade se lhes vir sentar à mesa, numa efervescência semelhante ao do gás das garrafas de Coca-Cola. Chamavam-lhe “estímulo intelectual”. Nos cafés das “Avenidas Novas”, formularam hipóteses, arriscaram teorias e cimentaram o princípio de que a afirmação suprema do indivíduo está no seu catálogo de compras. Filiaram-se em partidos, muitos foram ministros, concretizaram ideias... não gostaram dos resultados. Entretêm-se a engendrar desculpas, a justificar a asneira para não terem que assumir a derrota. Continuam a fazer opinião e escrevem coisas como estas: “(...)quem vive no horror do Grande Porto ou da Lisboa não vive, pelo menos, no horror de uma aldeia isolada e morta”- Vasco Pulido Valente, Público, 22/07/2007

quinta-feira, julho 19, 2007

Edital

Publicado pelo "Notícias de Vouzela", em 1 de Janeiro de 1957- "clique" na imagem para ampliar.

Aproximava-se 1958 e a campanha eleitoral que fez tremer Salazar. Os jornais de todo o país publicavam editais divulgando as normas para o recenseamento eleitoral- isso mesmo fez o “Notícias de Vouzela”, logo no primeiro dia de Janeiro de 1957. Privilegiavam-se os “chefes de família”, “cabeças de casal” do sexo masculino que soubessem ler e escrever ou, não sabendo, pagassem ao Estado, “contribuição predial, contribuição industrial, imposto profissional e imposto sobre aplicação de capitais” em valor não inferior a 100$00. Seguia-se à letra o ditado “enquanto há calças não se confessam saias”, assumindo que essa coisa de meter o bedelho nos destinos da Nação, dependia, sobretudo, do tamanho da bolsa de cada um.

No entanto, quando se tratava de dar voz à vontade feminina, a malha apertava-se. Subiam as exigências de habilitações literárias, muito longe da condição masculina de saber rascunhar o nome. Senhora que quisesse depositar o seu voto na urna, tinha que provar possuir, pelo menos, “curso geral dos liceus”, “curso do magistério primário”, “curso das Escolas de Belas Artes”, “curso do Conservatório Nacional ou Conservatório de Música do Porto”, “cursos dos institutos industriais e comerciais”. Mas, se porventura quisesse fazer valer o seu capital, o valor mínimo do imposto subia para 200$00 e, ao contrário do senhor seu marido, não era dispensada de apresentar prova quanto às competências básicas do ler e do escrever.

Igualmente significativo quanto aos conceito de sociedade e de cidadania então dominantes, é o modo como se definiam as proibições de participação no acto eleitoral. Para além dos que tivessem “ideias contrárias à existência de Portugal como Estado independente e à disciplina social”, ficavam de fora “os falidos ou insolventes enquanto não forem reabilitados”, os “indigentes e especialmente, os que estejam internados em asilos de beneficência”, os “notòriamente reconhecidos como dementes” e os também “notòriamente” carecidos de “idoneidade moral”. Terríveis estes “notoriamente” que, pela subjectividade dos conceitos em análise e pela dispensa (no caso da demência) de avaliador habilitado, atirava para um qualquer cacique local o poder da rotulagem.

Quanto ao resto, a História regista o evoluir dos acontecimentos. Em 1958, Salazar, suspeitando que Craveiro Lopes pensava substitui-lo, manobrou de modo a impedir a sua recandidatura, tendo escolhido Américo Tomás para candidato do regime. A oposição, pela primeira vez unida, apoiou Humberto Delgado. As eleições decorreram em clima de grande intimidação, não tendo sido permitido qualquer controlo do escrutínio por parte das forças contrárias à ditadura. Os resultados oficiais, deram a vitória a Américo Tomás por 75%, contra 25%. O Povo nunca acreditou. E Salazar, pelos vistos, também não, já que foram as últimas eleições presidenciais do Estado Novo por sufrágio directo (a partir dali, o Presidente passou a ser escolhido por um Colégio Eleitoral, composto por homens de confiança do regime).

segunda-feira, julho 16, 2007

Abstenções

(Foto: Alfredo Cunha)
Imaginar o que pode vir a ser a nossa relação com o espaço em que vivemos, caso vinguem as actuais teorias sobre aumento da mobilidade laboral, é assustador. Perspectivando uma situação em que alguém, ao longo da sua vida activa, pode ter que mudar várias vezes de local de trabalho e de residência, suportando horários de trabalho cada vez mais flexíveis, facilmente concluímos que a relação/ identificação com o espaço onde se vive diminui, assim como diminui a disponibilidade e o interesse para nele reflectir e intervir. Se admitirmos que esta mobilidade tenderá a ser maior nos estratos sociais “médios” e “médios-baixos”, podemos prever um desenho urbano ainda mais estratificado, com o eventual regresso dos bairros de empresa, para ocupações de curta/ média duração- a massiva privatização do território, permite-o. A confirmar-se o cenário, seria o assumir da gestão do espaço pelo poder económico, sem necessidade de fingir. Seria também, o “paraíso na terra” para políticos profissionais, libertados do fardo da opinião pública e da gestão de interesses- na verdade, eles desejam a nossa indiferença e gostam da abstenção...

E ela aí está...

(Foto: Orlando Baptista)

Os resultados da eleição para a Câmara Municipal de Lisboa, registaram uma abstenção de mais de 60% e esse foi o dado mais importante. As explicações possíveis são várias e nem todas necessariamente más. No entanto, regista-se a indiferença pelo facto, quer da parte da maioria dos candidatos, quer dos comentadores, ao ponto de António Costa a ter ignorado no discurso de vitória. A verdade é que o actual presidente da autarquia apenas conseguiu cinquenta e tal mil votos, qualquer coisa como 9% da totalidade dos cidadãos eleitores da Capital. Pouco lhe importa: cumpriu-se a democracia, ou seja, a possibilidade de impor estilo e vontade aos restantes 91%, para não falar nos cerca de dois milhões que por lá circulam diariamente. Eles gostam da abstenção.

Não toquem na bola-de-berlim!

Já houve quem dissesse que os burocratas da União Europeia são pessoas com falta de ideias e excesso de tempo. Mas, muito pior, são os adeptos do mito do “bom aluno”, uma espécie de putos “graxistas” a exibirem-se para o “professor”, aceitando acriticamente todas as suas orientações, por mais patéticas que sejam. A tendência actual, é complicar as coisas simples, em prol de um mundo supostamente higiénico e puro. Não é que as nossas maleitas lhes tirem o sono, mas parece que um cidadão saudável sai mais barato. Depois de nos lixarem os “jaquinzinhos” em nome de uma preservação da espécie de que não conseguem convencer os arrastões espanhóis, preparam-se para marrar com a venda ambulante de bolas-de-berlim na praia. Aí, parou e não se admite abstenção! Em nome dos valores do colesterol, são os nossos (valores) que estão em causa. Não tarda, retomam o “manual” da “Santa Inquisição” com as normas de boas práticas de cama. Ou impõem a versão "light" do Pastel de Vouzela... Afnal de contas, tanta treta com o “Let’s Come Together”, quando não passam de uma cambada de “empatas”.

quinta-feira, julho 12, 2007

Eles têm medo... 2

George Grosz

Bem se pode dizer que é “morto por ter cão, morto por não ter”. Se a população toma conta da rua para manifestar o seu descontentamento, é apelidada de arruaceira e antidemocrática. Se aguarda por uma oportunidade “institucional” para intervir, fica limitada aos períodos eleitorais (e ao aparelho dos partidos), ou arrisca-se a ser impedida de apresentar os seus argumentos. Veja-se o que se passou, recentemente, na Moita, onde se impediu a intervenção dos cidadãos numa sessão pública da Câmara, contrariamente ao que prevê a lei. Exemplos destes encontram-se um pouco por todo o país. E se pensamos, sinceramente, que “eles NÃO são todos iguais” e que ainda há quem se reja por princípios, não temos qualquer ilusão sobre a capacidade de uma corrente política, por si só, repelir o manobrismo dos interesses, se representar o degrau certo no acesso às benesses do poder.

Na verdade, as limitações da democracia representativa, encontram o seu expoente máximo na organização do nosso poder local. Concentrando excessivos poderes no executivo camarário, não permite controlo por parte de outros órgãos, como as assembleias municipais que, mesmo com uma composição política diferente, não têm o tempo nem os meios para o fazer. Muito menos permite a participação activa dos cidadãos. Não deixa de ser significativo que as propostas de alteração defendidas pelos grandes partidos, apontem para o agravamento da perversão- a proximidade aos eleitores, não passa de uma imagem bonita de propaganda.

Não é, então, de estranhar, que um número cada vez maior de pessoas vejam as autarquias como “agências de favores” mais ou menos ilegais, indiferentes às necessidades dos munícipes. Desordenamento (e privatização) do território, ocupação excessiva do solo, degradação dos recursos hídricos e do património natural e edificado, são o retrato do poder local que temos. Conivência com os interesses da especulação imobiliária, financiamento ilegal dos partidos políticos, corrupção, despesismo, impunidade, são a sua caricatura. E escândalos. Muitos escândalos.

A este respeito, tem sido interessante ver a ginástica de alguns dos candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Confrontados com uma situação financeira calamitosa que vai limitar a próxima vereação a um escritório de contabilidade, foram obrigados a reconhecer o mau serviço prestado por algumas empresas municipais (esse monumento da “engenharia” financeira). Verifica-se, até, um estranho consenso quanto à necessidade de acabar com várias. Só que ainda ninguém foi obrigado a explicar o que justificou a sua criação, já que foram da responsabilidade dos partidos que sempre governaram a autarquia e que, agora, tentam aparecer com a luminosa auréola dos anjos...

No entanto, pela voz de Helena Roseta, começa a agitar-se a alternativa: porque não, transferir a gestão das habitações sociais para os moradores? Que tal, promover um “urbanismo participado”, apelando à população para influenciar as principais orientações? Pois é. Bem vistas as coisas, a participação directa dos cidadãos pode estender-se a vários domínios da gestão local, com indiscutíveis vantagens: estimula uma maior responsabilização, melhora a relação dos projectos com aqueles que lhe vão dar vida, é barato. Também permite um maior controlo das intervenções no espaço e aumenta a capacidade de denúncia. E é isso que lhes mete medo, mete muito medo.

segunda-feira, julho 09, 2007

Rua de alguma amargura

Primeiro, no sentido ascendente (Nascente), antes da arborização do Monte Castelo, da construção da Ponte do Caminho de Ferro (1ª República) e de todos os edifícios do lado direito da rua (foto publicada pelo Notícias de Vouzela). Depois, no sentido oposto, foto dos anos 30 (Edição da Comissão de Iniciativa), mostrando a Cadeia e Posto da GNR (actualmente, Museu Municipal)

A rua tal como se encontra hoje, vendo-se o edifício da Pensão Marques do lado direito. Ao fundo, o edifício amarelo marca o local onde estava a Pensão Jardim (última imagem, vista do cruzamento com a Avenida João de Melo). O anúncio, foi publicado pelo Notícias de Vouzela, em 1936.

Rua Ayres de Gouveia- é o que diz a placa. António Ayres de Gouveia, filho de Frutuoso José da Silva Ayres (natural de Ventosa), foi professor universitário, parlamentar e Ministro da Justiça entre 5 de Março e 17 de Abril de 1865 e, mais tarde, entre 17 de Janeiro e 27 de Maio de 1892. Bispo de Bethsaída e Arcebispo da Calcedónia, a ele foi dirigida reclamação contra a saída de São Pedro do Sul da comarca de Vouzela (que inicialmente integrava os concelhos de Oliveira de Frades, de Vouzela e de São Pedro do Sul). Sem grandes resultados, diga-se. Mas, para muitos, a rua continuou a ser conhecida por uma das suas características naturais: Rua do Rego. Todos de acordo, só quando se dizia que era onde ficava a Pensão Marques, última unidade hoteleira a resistir aos equívocos das prioridades locais. Alguns metros antes, no cruzamento com a Avenida João de Melo, esteve a Pensão e Café Jardim, edifício bem “esgalhado” pelo Mestre local Guilherme Cosme que, talvez por não ter sido Bispo, nem figurar nos “anais” de uma qualquer academia, não lhe preservaram a obra nem a memória.

Durante anos, a “época alta” passou por esta rua. Com o final da vida do Hotel Mira Vouga, da Pensão Serrano e, antes disso, do Hotel Vouzelense, era aí que se concentravam os turistas, recebidos pela figura imponente, sorriso aberto, da Dona Alice, filha de José Rodrigues Marques (o fundador) que em 1936 anunciava diárias desde 10$00 (5 cêntimos) “no melhor local desta vila”. Piada pronta, conhecimento profundo dos segredos que, em terra de santo, sempre abençoaram os pecados da boca, a Dona Alice criava uma relação familiar com a clientela e fazia da Pensão Marques uma referência. Recebeu prémios nacionais e internacionais e... fechou- para terra com pretensões turísticas, é demasiado grande o cemitério da hotelaria. Resta o edifício à espera que alguém lhe pegue. Com ele, permanecem as últimas esperanças, as nossas, de que alguém por lá encontre um pouco da inspiração de outros tempos e devolva à vila um espaço digno, adaptado ao turista que procura Vouzela e que ela hoje não tem.

quinta-feira, julho 05, 2007

Cá vamos, cantando e rindo...

Ora aí está mais uma daquelas iniciativas que alivia a bílis e faz bem à pele. Os 7 maiores horrores arquitectónicos de Portugal! Iniciativa do “Público” que pediu a sete especialistas (Ana Vaz Milheiro, Jorge Figueira, Ricardo Carvalho, Manuel Graça Dias, Alexandre Alves Costa, José Sarmento Matos e Walter Rossa) para seleccionarem o que há de mais horroroso cá pelo canto. Como as escolhas eram muitas, acabaram por juntar 58 das milhares possíveis. Complicado.

Pena foi terem “urbanizado” a selecção, limitando a escolha à intervenção do arquitecto, já que isso deixou de fora aquele que deve ser apresentado como o “ex libris” do Portugal contemporâneo: o IC2, antiga Estrada Nacional nº1, exemplo maior da selvajaria, do desleixo, da ignorância. Depois, porque os antentados que mais doem estão na delapidação de espaços, cada vez mais ocupados por uma urbanização anárquica em “mancha de óleo”, e não nesta ou naquela obra individualmente entendida. Ora, os senhores arquitectos que me perdoem, mas pouco se têm feito sentir na construção de cidade. O que têm feito são edifícios, que é uma coisa completamente diferente. Independentemente da nossa opinião a seu respeito, os últimos espaços pensados da cidade de Lisboa foram as chamadas Avenidas Novas. “Então e o Parque das Nações?”- perguntam-me normalmente, sempre que me sai este desabafo. Serei, porventura, o único português que não morre de amores pela zona da moda lisboeta, mas no meu modestíssimo parecer, o Parque das Nações é um somatório de intervenções individuais, sem fio condutor, sem diálogo, em que o espaço é tanto mais agradável quanto menos construção/ intervenção tem. Parece que fez as delícias do especulador e acabará destruído por ele.

Economices

É mais do que evidente que não será por falta de soluções técnicas e científicas que a batalha contra as alterações climáticas será perdida. A esse nível já existem as respostas todas, desde alternativas aos combustíveis fósseis, até ao “sequestro geológico do CO2” (uau! Esta ouvi hoje e é fantástica). O problema vai estar na esfera da economia e da política. “Modelos de desenvolvimento”, “globalização”, “ameaça asiática”, vão ser argumentos esgrimidos nos próximos tempos, fazendo passar a ideia de que a via do futuro tem sentido único. É nesta área do “economês” que é preciso bater forte, impondo uma dimensão humanista num debate que querem limitado a números. Devia ser obrigatória formação em Ciências Sociais e Humanas, para todos os governantes, ao contrário da reforma do Ensino Superior que se adivinha.

Há muitas formas de ocupar o solo

Para os que pensam que o uso abusivo dos solos, fica resolvido com alterações ao nível da apropriação privada das mais-valias, deixamos aqui um exemplo das “prioridades” do nosso Primeiro- ministro que até já dirigiu a pasta do Ambiente. A confirmarem-se as previsões divulgadas pela BBC, mais de metade da população vai viver em cidades. Com as prioridades do nosso PM, chega lá mais depressa.

Dificuldade de expressão

A arrogância é uma característica que tem sido identificada em vários governantes, incapazes de explicarem à população as medidas tomadas. Saúde e Educação têm sido as pastas mais afectadas pelo “tique”, a que o próprio Sócrates não escapa. No entanto, o modo como o Ministro da Agricultura respondeu a um pescador de Peniche, que o confrontava com as consequências das directivas europeias, é má educação pura e simples. Talvez venhamos a ter o primeiro governo caído em desgraça por...dificuldade de expressão.

terça-feira, julho 03, 2007

Eles têm medo, têm muito medo

A mobilização dos cidadãos da Moita com o objectivo de reabrirem o processo de revisão do seu PDM, começa a dar frutos. Definindo uma estratégia que não se limitou aos problemas locais, conseguiram centrar o debate na necessidade de alterar a chamada “Lei dos Solos” e, a partir daí, capitalizar o apoio de diversas correntes de opinião. Houve investigações feitas à Câmara pela Polícia Judiciária, revogações de decisões anteriormente tomadas sobre desanexação de terrenos da REN e até o Ministério do Ambiente já se comprometeu com o processo de revisão da lei, que aponta para o final deste ano (ver aqui).

Numa altura em que se cozinham alterações à lei eleitoral para as autarquias, o exemplo da Moita mostra ser possível, barato e eficaz, transferir poderes de gestão local para os cidadãos. Não seria inédito, já que exemplos internacionais como os seguidos em Porto Alegre na definição das orientações orçamentais (a população é chamada a definir as prioridades, como pode ver aqui), há muito usam o método. Mas... “eles” têm medo, têm muito medo.

segunda-feira, julho 02, 2007

Europa, esse continente distante

“Penso que a lei se deveria empenhar em defender apenas e com mais vigor os terrenos que devam ser protegidos por razões ecológicas e não tentar manter viva uma actividade moribunda (agricultura)”.
- Saldanha Sanches, in Expresso de 30/06/2007

Consta que os partidos maioritários (PS e PSD), procuram consensos para alterar a lei eleitoral para as autarquias. Embora com diferenças de pormenor, estão de acordo quanto ao reforço do poder dos executivos, diminuindo a representatividade das oposições, dando como exemplo o que se passa na constituição dos governos nacionais. Ora, apesar do aparente sentido da proposta, “esquece-se” ou esconde-se que as assembleias municipais não são a Assembleia da República e os mecanismos de controlo daquelas, nada têm de comparável com os desta. Reforçar o poder dos executivos camarários é aumentar a margem de manobra de todas as perversidades que limitam a nossa democracia e fizeram do nosso território “coutada” de duvidosos interesses privados.

Simultaneamente, começa a chegar ao domínio público o debate sobre a “Lei dos Solos”. Desta vez foi o “Expresso”, pela mão da jornalista Luísa Schmidt, a chamar a atenção para a falta de sentido da situação actual e para as muitas perversidades já aqui debatidas a propósito da “Conferência da Moita”. É consensual que não pode continuar a haver apropriação privada de mais-valias conseguidas à custa de investimento público e até se denuncia o contraste da nossa situação com a dos restantes países da Europa. É bom sinal. No entanto, limitar o debate a esse ponto (apropriação privada das mais-valias), arrisca-se a esvaziar o objectivo preventivo de uma eventual alteração da lei. De facto, convém não esquecer que as próprias autarquias são parte interessada na alteração do estatuto dos terrenos, na medida em que isso lhes permite beneficiar de mais graúdas tributações. Quer isto dizer que não é preciso haver um “primo” do presidente ou do vereador a querer fazer uma “negociata”. Os próprios autarcas podem estar interessados nela. Depois, importa perceber que a defesa do território, tem que estar associado à melhoria das condições de vida dos “agentes da preservação”: as pessoas que nele residem e que, com a sua actividade, contribuem para a sua manutenção. O proprietário de um terreno da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola, presta um serviço público que deve ser reconhecido e recompensado. Ignorar esta parte do problema, é permitir que a perversidade continue, reforçada pelas alterações à lei eleitoral que PS e PSD preparam nos bastidores.

E chegamos à declaração de Saldanha Sanches, autor de várias corajosas denúncias de abusos do poder local, mas claramente limitado por uma experiência urbana. Levando à letra o que disse, o território seria um somatório de cidades e de “reservas ecológicas”- nas primeiras, viviam as pessoas; nas segundas, renovava-se o oxigénio e levavam-se as criancinhas a conhecer melros e pardais. Quanto à agricultura, assim numa espécie de compensação dos complexos provocados pelo Tratado de Methuen, ficava limitada aos “países pobres”, mais aptos para, a preços baixos, garantirem o prato cheio dos “países ricos”. O problema deste raciocínio tão “urbano”, é ignorar a função social e ambiental que a agricultura tem que desempenhar, contribuindo para estancar o êxodo rural selvagem (e os problemas sociais a ele associados) e para a manutenção da “parte ecológica” do território, aquilo a que os “urbanos” costumam chamar “a paisagem”. Já nem se fala na qualidade do que se come...

Quando se passeia pelas zonas rurais de alguns dos nossos “parceiros europeus”, países com custos do trabalho bastante mais altos do que os nossos, apercebemo-nos da falsidade destes argumentos. Não são campos de golfe que lá encontramos (também os há), mas terras e florestas trabalhadas e preservadas. É isso que nelas atrai e estimula uma intensa actividade turística, baseada nas especificidades locais. De qualidade. No entanto, importa estar consciente de que, tal como Saldanha Sanches, muitos outros, dos mais variados quadrantes políticos, pensam assim. Contrabalançar estas ideias, fazer entender que a Europa que interessa é a dos povos, exige a criação de mecanismos que permitam uma maior participação das populações na gestão do território, contra os tais que andam para aí, escondidos, a alterar a lei em sentido inverso. Se o não conseguirmos, arriscamo-nos a ser cada vez mais estrangeiros em nossa própria casa e a ver a Europa como um continente cada vez mais distante.