segunda-feira, abril 07, 2014

My name is John e vivo em Real das Donas

Vouzela, Quinta de Cima, Caritel.

Foi durante a tertúlia sobre turismo, organizada pela Associação D. Duarte de Almeida e pelo Agrupamento de Escolas de Vouzela. Cenário: a Casa Museu, ali na Praça Morais Carvalho, passava das nove da noite. António Liz Dias tinha acabado de iniciar a sessão com um conjunto de ideias, daquelas que mostram como é fácil abrir portas que pensamos irremediavelmente fechadas . Passou a palavra. No meio da sala levantou-se uma figura imponente, cabelo branco, que se apresentou com sotaque acentuado: "My name is John e vivo em Real das Donas". E em tudo o que disse, tudo ficou dito. Um verdadeiro programa.

Mr. John, cidadão britânico, escolheu o concelho de Vouzela para viver. Porquê? Foi isso mesmo que ali foi explicar, alargando o âmbito: que é que pode levar alguém, depois de uma vida de trabalho,  a sair de Inglaterra para vir residir neste concelho? Gente com algum dinheiro, a querer saborear até à última gota uma energia que ainda tem e que a rotina do trabalho limitou, mas com a segurança necessária para quem sabe aproximarem-se aqueles anos em que a jovialidade do espírito pode não encontrar resposta à altura nas limitações do corpo.

E Mr. John explicou. Falou do poder de compra, da facilidade de acesso, da existência de serviços de saúde, da simpatia das gentes e, apesar de tudo, do clima. Também elogiou a gastronomia, embora inglês prefira peixe, o que remete para segundo plano este trunfo que gostamos de usar na conquista dos corações dos visitantes. Mas, logo de seguida, avançou com a palavra-chave: "pitoresco". Isso mesmo. O que o turista britânico aqui vem procurar, é precisamente o mesmo que sempre foi elogiado por quem nos visita, descrito desde Ramalho Ortigão a Ferreira de Castro e que, por vezes, parece que só os locais desvalorizam: a paisagem rural, a ligação perfeita entre homem e natureza, com toda a riqueza de cores, de sons, de silêncios. Procuram a variedade que ainda existe na nossa floresta (cuidado com o eucalipto e a monocultura!), o verde vivo das videiras, os socalcos, os muros de pedra, as habitações tradicionais, "o marulho doce das águas", a imponência dos horizontes marcados pelas serras. Procuram, sobretudo, o usufruto de tudo isto. Querem mexer na terra, refrescar-se nas águas, passear pela calma dos bosques, sentir a lentidão do tempo, ouvir histórias antigas, conviver com as gentes. Numa palavra, querem sentir-se em casa.

Quando, em 1978, foi lançada a experiência do Turismo em Espaço Rural (TER), Vouzela foi um dos polos escolhidos, conjuntamente com Ponte de Lima, Castelo de Vide e Vila Viçosa. Não foi por acaso. Considerou-se existir, aqui, o "cenário" desejável à experiência. Ainda existe. Mas... precisa de cuidados. Vouzela tem um número muito baixo de pessoas empregadas no setor primário, tem excessivas "feridas de desleixo" na sua paisagem, tem preocupantes sinais de que, alguns, gostariam que ela fosse outra coisa qualquer. Mas não é "outra coisa qualquer" que procuram os que nos visitam. É tão somente o que somos e temos, aquilo com que a "Mãe Natureza" nos brindou e de que os nossos antepassados cuidaram. Nada de novo. Recordem-se os projetos turísticos que foram idealizados nos idos de 70, de 60, de 50... Recuem até aos finais dos anos 20, quando Vouzela pediu a certificação com "estância de turismo" e vejam o que era privilegiado na divulgação feita pela Comissão de Iniciativa. Sim, sempre por aqui houve quem soubesse que trunfos temos para jogar. Com todas as deficiências e hesitações, hoje temos mais: temos a população mais escolarizada que alguma vez tivemos, grande ajuda para que o "estrangeiro" se sinta em casa. Assim lhe saibam dar uso.

Naquela noite de 28 de março muito mais houve para contar e registar: o saber de experiência feito da  anfitriã, Celeste Carvalho; a confiança no futuro de vários investidores; a tenacidade e o excelente trabalho do único produtor de vinho de Lafões, António Costa; a vontade da nova equipa de vereadores em dialogar e mostrar serviço. De tudo isso deu conta o "Notícias de Vouzela". Pela nossa parte, quisemos dar todo o protagonismo a Mr. John. O homem que nos veio mostrar, com clareza, aquilo que sempre esteve à frente dos nossos olhos e que, talvez por isso, nem sempre temos facilidade em ver. Thank you, Mr. John.

terça-feira, abril 01, 2014

Lafões: unir sem fundir


Sabemos que Lafões já foi apenas um concelho, fará sentido voltar a sê-lo? A meu ver, talvez não. Mas de algo não haverá dúvidas: é que, definitivamente, Lafões deverá tornar-se numa região unida através de objetivos comuns e complementares. Lafões, como região, precisa de renascer, condição necessária para revitalizar marcas comuns, como a vitela e o vinho, que estão a definhar. Há um declínio de uma região formada por três concelhos que estão (e desde que me lembro, sempre estiveram) de costas voltadas uns para os outros. 

As pequenas "guerrinhas" têm de ser, de uma vez por todas, postas de parte. A região de Lafões precisa de se posicionar e ganhar importância no país, na europa, no mundo! As exigências atuais assim o ditam. Para tal é premente adotarem-se políticas comuns, de intermunicipalidade, de distribuição estratégica de infra-estruturas e serviços pelos três municípios,  até- porque não?- um programa de ordenamento e planeamento do território comum. Os três concelhos são muito semelhantes em variados aspetos. A paisagem é o que os une. Vamos de Oliveira para São Pedro, passando por Vouzela, e há uma continuidade harmoniosa da paisagem: os núcleos urbanos, redes de comunicação, usos do solo e até ao carácter biofísico e orográfico de todo o território partilham do mesmo espaço sem chocar uns com os outros. Há uma união na paisagem que precisa de ser reforçada com uma união mais pragmática e programática.
Já Alexandre Cancela d’Abreu e outros autores, numa obra em que definem as Unidades de Paisagem de Portugal Continental, definiu a região de Lafões como um território muito marcado e definido, de características muitos semelhantes entre os três concelhos que o compoem, e com grande valor paisagístico - devido à, ainda, pouca destruição da paisagem.

No entanto, penso que os municípios devem manter, cada um,  a sua independência. É certo que Lafões já foi concelho. Mas não fará sentido recuarmos no tempo. Mesmo que exista uma estratégia comum é necessário cada concelho, individualmente, fixar as suas metas, garantido uma posição marcada face aos vizinhos.

Já diz a canção, "Lafões é um Jardim....".  E não pode estar cada um, solitariamente, a cuidar do seu próprio canteiro. Há que construir um jardim comum!