sábado, março 23, 2013

É para levar a sério?


"O Vice-presidente da Câmara de S. Pedro do Sul desafiou, ontem, os municípios da região a aproveitarem ao máximo as oportunidades que vão estar ao dispor do sector agro-florestal do novo QREN, Quadro Comunitário de Apoio, que vai vigorar entre 2014 e 2020. As declarações de Adriano Azevedo foram feitas na abertura das comemorações do Dia Mundial da Floresta em Lafões, que decorreu (...) em Oliveira de Frades"- VFM

Aqui está um exemplo de um património comum a toda a região, que como tal devia ser gerido e que raramente o foi. Aqui está um exemplo da necessidade de uma melhor articulação das diversas autarquias locais, na gestão de dois importantes recursos: a floresta e a paisagem. Reconhece-se o empobrecimento do património regional, deitam-se lágrimas de crocodilo, sobretudo na "época dos fogos" e tudo volta ao mesmo com as primeiras chuvas. Se é sincero o desejo expresso pelo vice-presidente da Câmara de São Pedro do Sul, só pode ter o nosso apoio. Sobretudo quando se sabe existirem ameaças devido a uma legislação que estimula a proliferação do eucalipto e que não cuida da proteção de outras espécies. Desejamos, sinceramente, que estas preocupações não se limitem a ornamentos de discursos em ano de eleições. Desejamo-lo, sinceramente.

quinta-feira, março 21, 2013

Porque precisamos de poesia. Pelo menos de alguma...

Saber viver é vender a alma ao diabo

Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
((Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?»)
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.

Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.

Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em «grande parva, que ele há tanto homem!»

(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)

Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...

Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?

Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!

Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.

Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!

E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...

Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra
                                     [morrer?

Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés, 
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!

Les portugueux...
   não pensam noutra coisa
   senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
   nos pintores, nas aflitas,
   no tojé, na grana, no tempero,
   nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...

Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do
                                        [trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!

                          *

Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...



Alexandre O´Neill
Poesias Completas

quinta-feira, março 14, 2013

Sobre a região de Lafões ou um modesto contributo para avivar a memória


 O Dr. Fernando Ruas, presidente da Câmara  de Viseu e da Associação Nacional de Municípios, decidiu propor a mudança do nome da Comunidade Intermunicipal Dão-Lafões, para Comunidade Intermunicipal da Região de Viseu. Enfim. Já há muito nos habituamos a ouvir do Dr. Ruas, declarações ditadas por necessidades de conjuntura ou, até, sem qualquer sentido, pelo que não estranhamos. No entanto, numa das últimas emissões do programa "Trilogia das Ideias" (4 de Março) da VFM, os intervenientes pronunciaram-se contra o modo como a proposta foi feita (sem consulta aos diversos municípios), mas desvalorizaram a perda de Lafões como identidade que, segundo disseram, quase se limita à vitela e ao vinho. Isso sim, merece reflexão.

Não nos cansamos de citar Amorim Girão (1) quando definiu Lafões como "um todo homogéneo e correspondendo (...) a uma verdadeira região natural". Já nessa altura se insurgia, o Professor, contra uma divisão administrativa "apostada em retalhar e descaracterizar o que de mais profundamente nacional existe no nosso país", contribuindo para o esquecimento de "antigas designações regionais, correspondentes a outros tantos organismos bem individualizados, cujos aspectos dominantes assumem (...) um cunho próprio, que por vezes se revela tanto na constituição geológica dos terrenos e nas formas do relêvo e do clima, como nas diversas manifestações da actividade humana e da vida económica". Hoje, retirem-lhe a especificidade das "diversas manifestações da actividade humana e da vida económica" e o resto está lá todo. Até a necessidade de lutar contra o esvaziamento da memória.

Lafões tem características geográficas bem definidas e uma história razoavelmente conhecida. Quem procura saber algo a respeito de vinho para além da quantidade que lhe enche o copo, sabe não ser por acaso que, num espaço relativamente pequeno, existem qualidades tão diferentes como o Dão e o Lafões. São os ditames da "Mãe Natureza" que criaram condições próprias de solo e clima, orientadoras da vida dos homens ao longo dos séculos e ainda hoje presentes nos aspetos mais pitorescos da paisagem e... na "febre" dos mirtilos.

Só que, há muito que o poder local (com as exceções do costume, claro) deixou de entender o território como um conjunto complementar de recursos que, como tal, deve ser protegido e gerido. O território passou a ser encarado como um meio de dinamizar negócios mais ou menos claros (ou escuros) e um pretexto para justificar a captação de fundos. Tudo foi subordinado a esses objetivos. Ignoraram-se características dos solos e de clima, qualidade das águas, produtos, a possível reconversão de atividades, em favor de parques industriais sem indústrias, urbanizações intensas sem população, produções financiadas para não serem colhidas. Nada se restaura e tudo se constroi, porque é para isso que há "linhas de financiamento". De acordo com esta maneira de pensar, pouco importa a identidade das regiões, porque elas devem sossobrar à impiedosa uniformização. É este o princípio em que se baseia a proposta do Dr. Ruas, mas é, também, tudo o que devemos recusar.

Claro que nos podem dizer que a designação "Lafões" de pouco serviu, até agora. As direções camarárias pouco ou nada dialogam (apesar de serem do mesmo partido), o património comum é ignorado, o território é entendido como área fechada em fronteiras rígidas, em vez de recurso partilhado. Perderam-se produtos característicos, desapareceram atividades, descaracterizaram-se muitos espaços e, por tudo isto, perdeu-se gente. Mas as especificidades naturais lá se mantêm, como um diamante em bruto à espera de quem o saiba trabalhar.

Aqueles que olham para a região limitados ao que há em vez do que queremos que haja e menospresam a sua afirmação,  devem ser coerentes e alargar os horizontes de análise ao todo nacional. Também ele pouco produz, perde serviços e mostra-se incapaz de manter a sua juventude mais qualificada. Apliquem-lhe, então, os mesmos critérios que levam a desvalorizar Lafões e tentem responder: que sentido faz?
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(1)- Antiguidades Pré- Históricas de Lafões, in Memórias e Notícias, Coimbra, Publicações do Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra, 1921 (respeita-se a ortografia original).

quinta-feira, março 07, 2013

São Pedro do Sul: Quando a rainha D. Amélia ia "fazer uso dos banhos thermais"


"De Vizeu a Vouzella- uma distancia de 18 kilometros (sic)- a paysagem é larga e lavada: montanhas aqui, mais além desenrolando-se já em vastissimas planicies, verdadeiros jardins, a esmo espalhados e que só uma concepção divina poderia crear!... Um encanto! Uma manhã d'abril ou maio (...) tomem o carro da carreira, subam para a imperial, e percorram esse pedaço, esse recanto da Beira Alta que vae de Vizeu a Oliveira de Frades".

Trata-se duma reportagem publicada na revista Branco e Negro de 21 de Junho de 1896, que encontramos no Facebook pela mão de José Daniel Soares Ferreira. Na altura, a rainha D. Amélia passava temporadas na região, o que devia aguçar a curiosidade dos jornalistas da capital e os brios locais. Recorde-se que, de acordo com a investigação de Lopes da Costa, foi a uma dessas visitas que se ficaram a dever algumas das primeiras imagens promocionais de Vouzela. Como eram vistas estas terras e as nossas gentes? Como era entendida a ação social da rainha? Onde ficava hospedada? Aí fica um testemunho documental que vale a pena conhecer.

segunda-feira, março 04, 2013

Tirem as mãos da nossa água!

Para ver as legendas em português, passe com o rato sobre a parte inferior do filme e, quando aparecer a barra com as diversas opções, clique em "cc".

É um bem essencial e escasso, logo, um potencial negócio de lucro certo e nulos riscos. Num momento de crise como o que vivemos, a pressão para se arranjarem uns "cobres" com a sua privatização é grande, a que a péssima gestão pública, como a que tem sido feita em Vouzela, cria condições favoráveis. Os problemas vêm depois: aumento do preço, dúvidas sobre a qualidade e, sobretudo, um bem essencial e escasso que sai do controlo público. Numa região de muitos recursos mal aproveitados e mal tratados, convém estar alerta e conhecer as teias dum negócio que devemos recusar. Também interessa saber o que sobre o assunto têm a dizer os candidatos à direção do município. Porque, se o governo pode ser despedido ao som da "Grândola", convém começar a pensar no "E Depois do Adeus".