sábado, dezembro 06, 2014

Vouzela 2006, Vouzela 2014: um caminho percorrido e um até sempre


Dezembro de 2006. Ventos ameaçadores sopravam já, marcando o fim de um equívoco de crescimento que nos "animou" durante décadas, baseado na construção civil e na exploração do mercado interno. Portugal envelhecia, agarrado à televisão e ao telemóvel (no primeiro caso, com um número de horas médio de assistência superior ao do conjunto de países da União Europeia) e com uma adesão crescente à internet (1). As redes sociais davam os primeiros passos, mas só 4% participava em fóruns de discussão de assuntos de interesse público.

Vouzela mantinha-se orgulhosa do que a "Mãe Natureza" lhe deu, mas cheia de incertezas sobre o que os homens lhe preparavam. Previam-se encerramentos de serviços, alterações administrativas, anunciavam-se obras absurdas. Sobretudo, receava-se o futuro. A população diminuía, o setor primário esvaziava, Por mais "parques industriais" que criassem, a oferta de emprego não aumentava. Como sempre, os medos alimentavam explicações fáceis e mitos: os "outros" eram muito melhores. Não eram. Mas os lamentos em surdina, dificultavam a percepção da realidade.

Foi neste contexto que, em 6 de dezembro de 2006, apareceu o "Pastel de Vouzela". Já por aí contamos como foi. Hoje, o que interessa é o que temos sido. Bem ou mal, defendemos ideias, fizemos propostas, divulgamos o que de melhor tem a região, recordamos pessoas e acontecimentos, animamos debates. Fiéis à delicadeza do nosso símbolo- o pastel de Vouzela- esforçamo-nos por manter o "folhado fino": nada de ataques ou querelas pessoais. Vivemos momentos de alegria e de profunda tristeza. Outros de raiva. Mas tentamos nunca esquecer o que aqui nos trouxe: Vouzela e a região de Lafões, com uma história e um património invejáveis e recursos naturais e humanos riquíssimos que terão que ser, obrigatoriamente, os pilares de qualquer projeto com futuro.

Dezembro de 2014. A ventania continua e esta encosta do Caramulo não nos protege das ameaças. Mas, muita coisa mudou. As águas do Vouga reclamam mil cuidados, mas, finalmente, há a manifestação pública de vontade de lhes acudir. A "Casa das Ameias" continua em ruína,  mas há quem se mexa para impedir o desastre. O eucalipto continua a conquistar espaço, mas organizam-se projetos para lhe impor regras. Escasseia gente no setor primário, mas promovem-se iniciativas para lhe melhorar a imagem. Não menos importante: muitos recusaram o silêncio preguiçoso e triste e animam tertúlias, formam associações, organizam projetos, levantam a voz. Se nos for reconhecida alguma influência nesta mudança, ainda que modesta, a nossa aposta foi ganha.

Após oito anos em que, na maior parte das vezes, estivemos na margem oposta à dos poderes, é de elementar justiça reconhecer que, também aí, alguma coisa mudou. Há, hoje, o sentimento generalizado (que também é o nosso), de que Vouzela é dirigida por quem dela gosta e que tem como elemento norteador da sua ação a defesa e divulgação do que tem de mais característico, em diálogo franco e aberto com os munícipes. Que assim se mantenha e que não lhes faltem forças porque, como já por diversas vezes dissemos, as regiões do interior não têm mais espaço para falhar.

E é tudo. Este "Pastel de Vouzela" interrompe, hoje, a sua atividade. Não se trata de uma despedida, porque as causas que nos animaram desde o início, mantêm-se. Por outro lado, as ameaças são muitas e muito há, ainda, para fazer. A recuperação do Vouga, as garantias sobre a qualidade das nossas águas, a recuperação e preservação dos elementos mais característicos da nossa paisagem, a valorização das atividades rurais, a conquista de lugar cativo no mapa turístico, são algumas das coisas que falta fazer, sem as quais Vouzela (Lafões) será outra coisa qualquer, mas não a que nos interessa. Continuaremos disponíveis para todas essas causas. Se nos parecer útil regressar, regressaremos (vamos manter ativo o nosso espaço no Facebook). Podemos, até, criar novos espaços, porque doçaria inspiradora não falta. Só que um pastel de Vouzela que se preze é produto delicado, com elevadas exigências de qualidade. Não se compadece com rotinas, massa mal trabalhada e recheio aldrabado. "Só os eleitos o sabem fazer, poucos o sabem comer". E só em Vouzela.

António Gil Campos, o sempre vosso "Zé Bonito"