quarta-feira, janeiro 30, 2008

É pouco, senhor Primeiro-Ministro

Cartier-Bresson, Diep, 1926

O Primeiro-Ministro anunciou o apoio às mães que nunca tiveram “carreira contributiva”. São trezentos e poucos euros durante quatro meses. Muito pouco para o que é necessário fazer. E nem estamos a falar de dinheiro.

Já o Presidente da República se tinha interrogado sobre os motivos que fazem nascer tão poucas crianças em Portugal. Como normalmente acontece, há a tentação para responder com dinheiro a problemas que exigem respostas bem mais alargadas e que inevitavelmente põem a nu o desordenamento do nosso território.

Quando se diz que a maior parte da população portuguesa se concentra nas cidades do litoral, simplifica-se uma realidade bem mais complexa. Na verdade, ela limita-se a uma existência suburbana, quer na localização, quer no modo de vida. Não é nos centros de Lisboa, Porto, Setúbal... mas sim nas áreas de expansão desses núcleos que se concentra a grande maioria dos portugueses. As causas são conhecidas e têm que ver quer com a desestruturação de certas actividades que agravaram o êxodo rural e o desemprego, quer com a especulação imobiliária que retirou vida dos centros. Como alternativa, “urbanizaram-se” as periferias, criando uma oferta residencial mais acessível, mas sem estruturas de apoio com capacidade de resposta para o fluxo da procura.

Daqui resultaram alguns dos maiores dramas da nossa triste realidade. Por um lado, um número imenso de famílias obrigado a grandes, caras e penosas deslocações casa-trabalho-casa, vivendo sobre a constante ameaça do desemprego, sem espaço para esses “luxos” da vida familiar. Por outro, um número significativo que sobrevive à custa dos apoios sociais, transformados, na falta de actividades económicas que integrem as pessoas, em objectivos últimos da existência. Em qualquer dos casos, poucas ou nenhumas condições existem para trazer crianças ao mundo. E, tal como está mais do que demonstrado, se a situação não é pior, isso deve-se à ignorância que vai mantendo diversas situações de gravidez não planeada, nem desejada.

Apresentando números relacionados com 2006 (ainda não foram tornados públicos os números para 2007), a Comissão Nacional de Crianças e Jovens em Risco divulgou ter havido, em todo o país, a abertura de mais 10 mil processos do que no ano anterior. O principal motivo que levou à abertura desses processos, foi a “negligência”. Seria interessante saber a dimensão dos casos que, sob esse rótulo, mostram realidades de abandono forçado, como a das “crianças com chave”(1) que começa a assustar grande parte dos países desenvolvidos.

Perante isto, acreditar que trezentos e não sei quantos euros podem melhorar a situação, ou é ingenuidade ou hipocrisia. Nenhuma família trabalhadora (e estamos para ver quais os limites do apoio) vai sentir, por isso, maior segurança para criar os filhos. Do que elas precisavam era de maior estabilidade, de mais tempo para si, coisas que não basta dinheiro para conseguir.

Pelo contrário, a medida arrisca-se a ser canalizada para famílias desestruturadas, sem condições para integrarem e educarem crianças. Famílias para quem os serviços sociais têm sido impotentes para mudar a existência. A partir de agora vão proporcionar-lhes mais uns quantos euros, durante quatro meses. E crianças em perigo por muitos anos.

Não é por falta de um qualquer abade de Trancoso que têm nascido menos crianças em Portugal. Nem por egoísmo. É pelo facto de muitos portugueses terem falta de qualidade de vida. Para resolver o problema, não basta dinheiro. Por isso é pouco, senhor Primeiro-Ministro. Muito pouco.

_______________________
(1)- Problema que consiste na existência de um grande número de crianças forçadas a passar a maior parte do tempo sem a supervisão de um adulto, o que as leva a ter chave de casa.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Por dificuldades de expressão

Ao ler Vital Moreira, interrogo-me por que motivo os “media” podem servir para promover políticos e não para os derrubar. Como se previa, Correia de Campos caiu. Não tanto pelas reformas que pretendia concretizar, mas pela forma ligeira como as organizou e pela insensibilidade perante as preocupações da população. Até pode vir a ser condecorado, mas fica como o ministro que tombou por... dificuldades de expressão.

sábado, janeiro 26, 2008

Crash!

Doisneau

É o som de algo a partir e que baptiza a quebra de funcionamento de sistemas (informáticos, económicos). E da confiança....

Crash-1

Numa altura em que Correia de Campos decidiu, finalmente, estudar um pouco de Geografia e criar um Serviço de Urgência Básica em São Pedro do Sul, eis que os presidentes das câmaras de Oliveira de Frades e de Vouzela decidem levantar o conflito da localização (ver aqui). Até se reconhece alguma razão no que dizem sobre a facilidade dos acessos. O que não se pode aceitar é o tom de “querela bairrista” com que o fizeram, dificultando que a região de Lafões se assuma como realidade una. Ou será que acreditam que, cada um por si, os concelhos de Oliveira, Vouzela e São Pedro têm força para o que quer que seja?

Crash-2

Os tristes acontecimentos de Alijó confirmaram os receios de todos quantos conhecem o Interior. Para além das limitações de meios, eram de prever dificuldades de comunicação entre a população e o INEM e entre este e os bombeiros. Mas, pelos vistos, tais evidências não estavam previstas nos cenários traçados pelo ministro Correia de Campos. Ou estavam e o encerramento de serviços, sem alternativas, apenas visa criar mercado para respostas privadas? Como aconteceu em Chaves após o encerramento da maternidade...

Crash-3

Já que falamos em cenários, aproveitamos para registar uma dúvida que nos tem atormentado. Perante a existência de uma só daquelas fantásticas ambulâncias que quase parecem um hospital, se acontecerem, em simultâneo, um acidente grave, um AVC e um enfarte, que dizem os regulamentos sobre a escolha... dos dois que vão morrer?
(A propósito: já assinou a petição pela defesa do Serviço Nacional de Saúde? Está aí na coluna do lado direito, bem em cima).

Crash-4

Lemos no “Abrupto” as últimas da ASAE: é proibido vender milho para dar às galinhas, a não ser em sacos de cinco quilos. Parece que alguém que presenciou o momento em que o inspector da ASAE multava, por isso, um pequeno supermercado de província, reagiu: “Como é que as velhas que vêm aqui todos os dias comprar um bocado de milho para as galinhas podem agora com um saco de cinco quilos? Só se acabarem com as velhas.” Ora aí está a solução para o problema. Acabar com as velhas, e mais: adoptando o estilo que parece ter sido usado pela ministra da Educação, acabar com os “professorzecos”, com os “doentezecos”, com os “portuguezecos”. Ou então, respeitar as estatísticas e acabar com os “politicozecos” (ver aqui).

Esperança

Há vinte e seis dias que resistimos a comentar a lei do cigarro. Se continuarmos assim, vamos conseguir deixar de escrever.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Tempos de pesca

Pescadores de Domingo, Guilherme Figueiredo

Quando vemos o líder do maior partido da oposição reivindicar, a sério, a partilha dos comentadores da televisão entre o PS e o PSD; quando, tempos antes, o vimos fazer a mesma exigência para as direcções das instituições financeiras, temos de concluir que se passa algo mais do que a total perda do sentido do ridículo. Os dois maiores partidos lançam as redes que lhes garantam a perpetuação no poder, e a nova Lei Eleitoral para as autárquicas é apenas o princípio de um ataque aos mais elementares princípios democráticos. Tempos de crise económica ajudam a acalmar as águas da contestação social, facilitando... a pesca.
________________
Confirma-se que São Pedro do Sul vai ter um Serviço de Urgência Básico. Valeu a pena termos agitado as águas.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Petição pela defesa do Serviço Nacional de Saúde

Pode ser assinada aqui, endereço a que chegámos via "Arrastão".

A apologia da mediocridade

A história é velha e o argumento mais do que batido, mas ganha algum peso quando a comunicação social lhe permite o eco: as preocupações ambientais são contrárias aos interesses económicos. Remetendo para a aritmética mais elementar, defende-se que o cumprimento das exigências ambientais dificultam os investimentos, provocando a debandada dos homens de negócios. A crise e o desespero do desemprego são terreno fértil para a propagação da ideia.

O governo há muito cavalga a onda. Consciente de que a única forma de criar uma ideia de crescimento é recorrer a nova vaga de “betão”, lançou a já muito debatida ideia dos PIN e “agilizou” a aprovação dos PDM. Sucederam-se os casos: “Pescanova”, “Portucale”, Plataforma Logística de Castanheira do Ribatejo... O futuro dirá o que vai sair da cartola para “compensar” os municípios do Oeste perante a fuga do aeroporto.

A cada alerta dos ambientalistas, Basílio Horta, responsável máximo da Agência Portuguesa para o Investimento, lançou mão ao argumento. Seguiu-se uma significativa corte de jornais que não hesitaram em divulgar notícias pouco fundamentadas, embora já não tenham sido tão expeditos a publicar os esclarecimentos.

O que mais espanta em tudo isto, é os defensores da teoria não se aperceberem de que estão a fazer a apologia da mediocridade. Ou, pelo menos, não se aperceberem de que nós percebemos. Ao fim ao cabo, é como se reconhecessem que o país é tão miserável e os investidores tão “pindéricos” que não conseguissem suportar exigências mínimas de qualidade.

Por sua vez, é curioso notar que o argumento dos “custos” nunca aparece quando se trata de compensar erros. Portugal já por diversas vezes foi condenado em instâncias internacionais por não respeitar regras ambientais; a zona costeira portuguesa vai exigir intervenção de fundo para compensar anos de “vale tudo”; zonas de captação de água foram destruídas por obras mal planeadas... Alguém quer puxar da calculadora?

Ao contrário do que diz a malta da contabilidade, o desrespeito pelas questões ambientais é que é contrária aos interesses económicos. Foi assim que se criou um “tecido económico” de baixo valor acrescentado, virado para a especulação, logo, condenado ao fracasso. Foi assim que se chegou à situação actual.

sábado, janeiro 19, 2008

Para além do nevoeiro

É típico das manhãs claras de Inverno. Um mar de nuvens tudo encobre, transformando os pontos mais altos em ilhas isoladas. A pouco e pouco vai-se dissipando o nevoeiro, descobrindo, devagar, a realidade envolvente. A pouco e pouco...

Sobre a água do concelho

“(...) há sistemas de tratamento deficientes e deficientes zonas de protecção das origens/ captações, situações estas que, embora não nos tenham originado até hoje grandes preocupações, exigem da parte dos responsáveis solução eficaz e urgente (...)”
- Maria Alexandre Cruz, Delegada de Saúde de Vouzela, “Qualidade da água no concelho é aceitável”, in Notícias de Vouzela, 17 de janeiro de 2008.

Assumir Lafões

“Os presidentes das câmaras não conseguem unir-se e trabalhar em projectos comuns para a região, por isso propomos que se faça uma reunião conjunta das Assembleias Municipais dos três concelhos para debater as questões dos serviços públicos e outras questões intermunicipais”
- Mário Pereira, membro da Assembleia municipal pela candidatura “Por Vouzela”, “Fecharam as Urgências. E agora?”, in Notícias de Vouzela, 17 de janeiro de 2008

Lei eleitoral para as autarquias, um “embuste democrático”

“É precisamente esta concepção rudimentar de estabilidade pela concentração de poderes, e avessa a contra-poderes e ao pluralismo, que caracteriza o actual poder local e que esta reforma, em vez de contrariar, pretende reforçar. Infelizmente, aquilo que o PS e o PSD classificam de ‘passo significativo para a modernização da aministração territorial autárquica e para a qualificação da democracia local’, trata-se, na realidade, de um embuste democrático”.
- Luís de Sousa, Politólogo, CIES-ISCTE, “O embuste democrático”, in Público, 18 de Janeiro de 2008.

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Iniciativa

(Capa da publicação de promoção turística da Comissão de Iniciativa)

Como os habitantes da famosa aldeia gaulesa, só tememos que o céu nos caia em cima. Mas, a verdade é que ele parece que vai mesmo cair. As alterações que estão a sofrer os diversos serviços, a que receamos se vá juntar o encerramento do Tribunal, não podem deixar de ter consequências no já limitado movimento da vila e na facturação do seu comércio.

No entanto, estes momentos, quando bem aproveitados, podem ser o toque a reunir que consegue juntar esforços e estimular a criatividade. As lições do passado podem ser uma ajuda.

Há oitenta anos atrás, Vouzela viveu momentos muito parecidos com os de hoje. Na altura, o choque foi provocado pela extinção da Comarca (1927). Todavia, os registos mostram que se viveram, a partir daí, momentos fervilhantes de iniciativa que acabaram por edificar muitos dos pilares dos nossos melhores momentos.

Em Novembro de 1928, “uma representação da grande maioria dos habitantes” da vila, pediram à Câmara que se avançasse para a “iluminação pública (...) por electricidade” e para “o fornecimento de energia aos particulares para o mesmo fim”. A concessão do serviço acabou por ser entregue à Sociedade Luzitana de Electricidade AEG-Lisboa, que também ficou com a responsabilidade de construir a rede.

Na mesma altura, foi decidido pedir a classificação da vila como “estância de turismo”, o que levou à criação da Comissão de Iniciativa. Ora, foi esta Comissão que idealizou e promoveu vários dos melhoramentos, como a florestação e organização do Monte Castelo, um esboço de Plano de Urbanização- “elaborado pelo distinto estudante de engenharia Exmo. Snr. João Corrêa de Magalhães Figueiredo (...)”- e a publicação de um dos mais bem feitos folhetos de promoção turística que por estas bandas se fizeram. Intitulava-se “Vouzela- Antiga Capital de Lafões e seus Arredores” e contou com a colaboração do poeta António Correia de Oliveira.

Consta que as iniciativas dessa Comissão conseguiram juntar esforços de homens de áreas políticas opostas. A ditadura tinha sido instaurada em 28 de Maio de 1926 e as feridas estavam bem abertas. No entanto, nomes da vereação dos últimos anos da República aparecem ligados à Comissão de Iniciativa.

Talvez o exemplo seja de aproveitar. Numa altura em que o céu parece ir cair sobre as nossas cabeças e as ideias não abundam, conseguir a colaboração de quem tem a memória mais larga e os horizontes mais amplos, pode ser a ajuda necessária para mudar de rumo. Essas pessoas existem. Haja a humildade e a inteligência de as mobilizar. Haja iniciativa.
___________

Nota: Todas as citações foram retiradas da obra Vouzela- A Terra, os Homens e a Alma, Vouzela, 2001.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

A regionalização, de novo

Lemos no “Blasfémias” o texto de Carlos Alberto Amorim, também publicado no "Correio da Manhã":

Urgência de memória

Em 1998 a intenção de regionalizar Portugal perdeu por margem elevada. Curiosamente, os resultados mais desnivelados deram-se no Interior – na Guarda, Viseu, Bragança e em Vila Real, a regionalização foi rejeitada por margens bastante superiores às que se verificaram em Lisboa, Porto ou Algarve.Nestes dez anos não se propôs qualquer alternativa viável à descentralização regional. Insistimos no Estado mais centralizado e macrocéfalo do Mundo com o qual gostamos de nos comparar. Muito por causa disso, somos um País desequilibrado, sem coesão social e económica, com um Interior pobre e desertificado.Num caldo de cultura que vive do Estado e para o Estado, a descentralização é um imperativo racional – trata-se de retirar importantes parcelas do poder de decidir ao Estado Central para o entregar a entidades regionais.Se os portugueses não se esquecessem tão facilmente das ofensas a que são sujeitos, sobretudo os do Fundão, Régua, Alijó, Murça, Chaves, Anadia, Vouzela e de todos os outros lugares de onde um burocrata sem sair da capital retira, como quer e lhe apetece, os poucos benefícios públicos que lhes deram em troca dos muitos impostos que lhes cobram, a partir de agora não hesitariam em votar 'sim' à regionalização para impedir que decisões com um impacto local tão intenso fossem tomadas ao nível central.Só os povos com memória são capazes de merecer os direitos que julgam seus. Mas essa não é a nossa tradição, infelizmente.


Há dez anos atrás, o tema dividiu a sociedade portuguesa. Não propriamente uma divisão esquerda/direita, mas antes entre os que acreditavam nas vantagens do aumento dos poderes regionais e os que desconfiavam das clientelas que, por esse país fora, aspiravam a ascender à condição do tal “burocrata” que “retira, como quer e lhe apetece, os poucos benefícios públicos” que vamos tendo. Um conjunto de regiões mal amanhado, sem fundamentação histórica e/ou geográfica, também não ajudou.

A actualidade do tema mantém-se, as dúvidas também: basta a proximidade relativa para garantir maior democraticidade? Não será que o “Poder Local” que temos prova precisamente o contrário? Assunto a merecer mais aprofundada reflexão. Comece o aquecimento.

domingo, janeiro 13, 2008

Acontece no Castelo

Ao fundo o Monte Castelo: uma mancha florestal que importa proteger, um espaço único que exige cuidados

Não sei o que possa justificar, nem quem é o responsável. Sei que não se faz. Na subida para o Castelo, logo após o cruzamento para o Caritel, toda a encosta do lado direito foi arrasada- é o termo. Todas as árvores cortadas, os restos da lenha deixados ao abandono, a terra solta. Alguém devia estar à espera de um Inverno sem vento e sem chuva. Ou de um milagre.

quinta-feira, janeiro 10, 2008

A invasão dos urbanóides-3: a perspectiva das coisas

Magritte, Perspective

Confesso que resisti ao leitor de “cê-dês” no automóvel. Nada contra, mas o incómodo do armazenamento, as previsíveis consequências da trepidação, levaram-me a adiar a novidade. Só que não imaginam o gozo que dá sair de manhã para o trabalho, atravessar as estradas geladas e desertas das nossas serras, a ouvir os dramas engarrafados do pessoal que desespera, parado, no IC19, ou na Ponte do Freixo. Pois- a realidade nacional formatada pela dimensão dos horizontes urbanóides.

Por isso, limitei-me a sorrir quando ouvi o ministro da Saúde dizer que, na tal rede-de- serviços- que- os- técnicos- disseram- dever- ser- de- uma- maneira- mas- que- as- “opções políticas”- têm- montado- de- outra, nenhuma localidade ficava a mais de 30 minutos de um centro de assistência. Ocorreu-me logo que a Aldeia da Pena não tivesse dimensão para se fazer notar nos mapas do ministério. Ou Sul, Coelheira, Covas do Monte, Fujaco... eu sei lá.

Correia de Campos é de Viseu, mas há muito que se deve dirigir ao trabalho a ouvir as informações de trânsito das rádios nacionais. A coisa mexe connosco, acreditem. A páginas tantas já nos põe a ver grandiosas operações “stop” da brigada de trânsito, coletes reflectores e “pirilampos” a brilhar, arranjando espaço para que um helicóptero aterre numas quaisquer quatro faixas dum caminho nos confins de um vale de São Macário ou da Arada. A miudagem a acorrer, galhofeira, presidente de junta e filarmónica à espera, aprumados, e a senhora professora, rendida, a passar para trabalho de casa: “redacção sobre o dia em que o helicóptero veio buscar o tio Malaquias”. Em trinta minutos, registe-se.

Os efeitos são terríveis, não duvidem. Acabei por me render. Hoje já me fiz à estrada com “lobos, raposas, coiotes”, disco já antigo da Maria João e do Mário Laginha, mais de acordo com a minha realidade. No “cê-dê” do carro.

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Foto-tour-Abrigo Fevereiro 2008

Pisco-de-peito-ruivo (Foto: João Cosme)

É nos momentos em que nos apetece afastar de tudo, entrar na simplicidade das coisas e deixarmo-nos dominar pelo som do silêncio que mais agrada cruzarmo-nos com o João Cosme. Fotógrafo de Natureza e Vida Selvagem, trabalhos na National Geographic e em mais não sei quantas publicações da especialidade, vários livros no activo e aquela calma de quem sabe que um pisco-de-peito-ruivo vale todo o tempo do mundo. E o João age como se tivesse todo o tempo do mundo, preparando a espera, cativando a presa, aguardando pelo momento certo para o disparo. É um “descaçador”, na medida em que pretende prolongar o alvo para além dos limites da vida. E é de Vouzela.

Pois o João Cosme está a organizar um circuito para fotografia de abrigo, a realizar no próximo mês de Fevereiro. Já há uns dias que divulgamos a iniciativa, lá bem ao alto da coluna do lado direito deste blogue. Tem inscrições limitadas e será realizado nos fins- de- semana de 2 e 3 e de 9 e 10 de Fevereiro. Veja aqui. Já agora, conheça o blogue do João (aqui e na “masseira” desta casa).

Procura-se...

... cidadão informado que, depois de assistir ao programa Prós e Contras da RTP1, tenha compreendido os motivos que levaram o ministro da Saúde a não abrir um Serviço de Urgência Básica em São Pedro do Sul. O espaço do Pastel de Vouzela fica à sua disposição.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Haja saúde

Robert e Shana ParkeHarrison-Reclamation-2003

Apesar de recente, a “carreira política” já revela tiques corporativos. Ataque-se o seu espaço e a sua liberdade de manobra e imediatamente se verifica um amplo consenso na defesa dos princípios da “arte de bem governar” que tem no “Bloco Central” o seu guardião. A recente onda de contestação às “reformas” dos serviços de Saúde proporcionou-lhe mais um esclarecedor momento de exibição.

Comentando as declarações do Presidente da República que deu a entender não se perceberem os objectivos das mexidas na Saúde, Pacheco Pereira, numa intervenção na SIC-Notícias, “despachou” o assunto dizendo que há reformas que não se conseguem explicar. Correia de Campos, numa longa estadia nos estúdios da RTP, tentou puxar dos galões, dando como argumento o facto de saber de Saúde mais do que a média. José Junqueiro, deputado e líder do PS de Viseu, lamentou a “desinformação” de que todos nós, simples e humildes cidadãos, estamos a ser vítimas e que nos impedem de compreender o verdadeiro alcance das reformas em curso, rematando com a garantia de que "o PS, através dos seus deputados, será sempre o primeiro a exigir a rectificação deste novo modelo se, eventualmente, se constatar que, na prática, pode prejudicar a assistência e cuidado que são devidos a todas as pessoas".

Acrescente-se o facto do PSD ter sido o único partido que evitou comentar a mensagem de Ano Novo de Cavaco Silva (onde, para além dos problemas com a Saúde, abordou o tema da desertificação do Interior e dos vencimentos de alguns gestores que considerou excessivos), e facilmente concluímos que basta tentar controlar um pouco mais a sua acção, obrigá-los a fundamentar melhor as suas posições, para que a reduzida diferença existente entre os dois partidos se esbata de vez. De facto, o que os preocupa não é tanto o sucesso desta ou daquela medida em concreto, mas antes que se questionem formas de exercício e facilidades de acesso do e ao poder. Não é difícil prever que novos e esclarecedores momentos de unidade irão surgir quando (ou se) forem obrigados a justificar a não realização do referendo ao Tratado Europeu ou a defenderem as alterações à legislação eleitoral.

De acordo com os especialistas na área da Saúde, justificam-se muitas das medidas tomadas por Correia de Campos. Algumas delas são, até, orientações internacionais da responsabilidade da Organização Mundial de Saúde. Isso não invalida a crítica que lhe fazemos de ter sido completamente incompetente no modo como as explicou e aplicou, erro grave para quem se reconhece com conhecimentos na área superiores aos da média.

Esta faixa do território conhece, como nenhuma outra, o significado de envelhecimento, de isolamento, de abandono. A segurança real da proximidade de um médico durante 24 horas, com reduzidas capacidades de actuação, podia não ser mais do que uma questão de “fé”, mas era sinceramente sentida como um factor de segurança. António Arnaut, “pai” do Serviço Nacional de Saúde e fundador do Partido Socialista, chamou a atenção para isso, quando se percebeu que os conhecimentos técnicos do actual ministro, não eram acompanhados por idênticos conhecimentos na área social. Correia de Campos mostrou-se completamente indiferente ao pormenor.

Tivesse havido o cuidado de ouvir as pessoas, de compreender as suas preocupações e anseios e facilmente se teria montado uma estratégia que, em primeiro lugar, ganhasse a sua confiança. Por exemplo, criando apoios próximos, domiciliários, adequados à idade avançada que têm muitos dos utentes dos serviços de Saúde. Sim, porque acreditar que basta haver estradas novas para que os problemas de comunicação estejam resolvidos; usar distâncias entre sedes de concelho e hospitais centrais, ignorando a existência de localidades espalhadas pela serra; não atender à capacidade real de muitas pessoas em estabelecerem um contacto correcto com os serviços do INEM, “cheira” logo a “urbanóide” a olhar para o país a partir de um gabinete e levanta as maiores suspeitas.

Aliás, não deixa de ser curioso confrontar os argumentos dos que vieram a terreiro na defesa da sua “dama política”, com os dos que há muitos anos andam nestas coisas e conhecem os seus pontos fracos. Compare-se o que foi dito pelo deputado José Junqueiro sobre a abundância de oferta de serviços de ambulâncias (aqui), com as opiniões dos comandantes dos bombeiros de Vouzela e de São Pedro do Sul (aqui).

Contrariamente ao que afirmou Pacheco Pereira, só não sabe explicar quem não domina um assunto. O conhecimento é a chave que permite descodificar a complexidade das coisas, mesmo que daí surjam novas “complexidades”. Isto é verdade para todas as áreas, estejamos a falar de Saúde, ou do Tratado Europeu. Por isso, quando um “especialista” não explica e se refugia na abrangência de um tema, ou não sabe, ou esconde. Esconde, por exemplo, o facto de medidas como as que se estão a aplicar na Saúde, serem estruturantes do ponto de vista do ordenamento do território, empurrando a população daqui para fora ou para os “braços protectores” do “comércio da terceira-idade”. Esconde que a haver um incorrecto dimensionamento dos serviços, isso deve-se aos responsáveis do PS e do PSD. Esconde, ainda, que se a região de Lafões nunca foi usada como uma área de organização de serviços mais racional, isso deve-se às absurdas propostas de reorganização administrativa do PS e do PSD e às opções dos seus eleitos locais.

Assim, a promessa do deputado José Junqueiro não deve ser suficiente para descansar quem quer que seja. Não somos cobaias nem admitimos que nos tratem como tal. Mais do que termos garantias de “rectificação deste novo modelo se, eventualmente, se constatar que, na prática, pode prejudicar a assistência e cuidado que são devidos a todas as pessoas", queríamos estar seguros de que o possível tinha sido feito, antes da aplicação do “novo modelo”, para reduzir o risco dele vir a “prejudicar a assistência e cuidado que são devidos a todas as pessoas".

Foi por isso que nos mobilizámos à porta do Centro de Saúde (onde estavam vários eleitos do Partido Socialista, registe-se, provando haver laços bem mais fortes) e esperamos que nos voltemos a mobilizar contra as alterações à Lei Eleitoral combinadas entre o PS e o PSD. Já que é tão difícil governarem-nos, explicarem-nos o elementar, é preferível assumirmos, de uma vez por todas, que nós somos os melhores representantes da nossa própria vontade. Haja saúde.

domingo, janeiro 06, 2008

Luiz Pacheco

- O principal é tu quereres.
- É.
- Quem tudo quer tudo pode.
- Dizem.
- Não há coisa mais bonita que uma pessoa cheia de boa vontade.
- Às vezes, acontece.
- E se depositam confiança na gente, temos de corresponder.
- Assim parece.
- Quando não, onde iria o mundo?
- Isso é que eu já não sei.
- Pois sei eu!
- Então, diz!
- Não é assim tão fácil.
- Mas sabias.
- Sabia. Mas nem tudo o que a gente sabe nos aproveita.
- Já o dizia a minha mãe, antes de morrer.
- Isso é o principal. Dizer tudo, antes de morrer. Dizer tudo e depois morrer.
(in, Exercício de conversação)

Não era destas bandas, nem sei se algumas vez provou um Pastel de Vouzela. Era das bandas todas, naquele jeito que alguns têm de fugir às fronteiras dos homens. Havia de gostar dos nossos pastéis. Morreu aos 82 anos, depois de dizer o que muito bem quis.

“(...) sou um tipo livre, intensamente livre, livre até ser libertino (que é uma forma real e corporal de liberdade), livre até à abjecção, que é o resultado de querer ser livre em português”.
(in, O que é o neo- abjeccionismo)

__________

Citações retiradas de Exercícios de Estilo, Lisboa, Editorial Estampa, 1971

sexta-feira, janeiro 04, 2008

“Mostrar Portugal aos portugueses”




"Clicar" nas imagens para ampliar. Estas e muitas mais, aqui

Estava-se em 1930. António Ferro dirigia a revista “Ilustração Portuguesa”, perseguindo o objectivo de “mostrar Portugal aos portugueses”(1). Ensaiava, então, a estratégia que, mais tarde, a partir de 1933, iria aplicar à frente do Secretariado de Propaganda Nacional e que ficaria ligada a iniciativas como a participação nas exposições internacionais de Paris (1937), Nova Iorque e São Francisco (1939), o concurso “A Aldeia mais Portuguesa de Portugal” (realizado em 1939 e onde o concelho de Vouzela marcou presença), a Exposição do Mundo Português (1940).

De acordo com a orientação nacionalista então dominante, procurava-se transmitir uma imagem idealizada de Portugal que sustentasse o pretendido “orgulho português” e adoçasse os olhos com que nos viam do estrangeiro- ao fim e ao cabo, três décadas de democracia não foram suficientes para alterar este fascínio pelo mito.

Foi precisamente António Ferro o autor da ideia. Uma mão- cheia de notáveis, homens da comunicação social, foram metidos num comboio e levados a conhecer o Portugal profundo. Curia, Luso, Bussaco, Aveiro, Vale do Vouga, São Pedro do Sul, Vouzela: “Três dias no Paraíso”. Da viagem, saíram reportagens no Diário de Notícias, Notícias Ilustrado, Eva e Ilustração. São desta última as imagens e as citações que se publicam.

Depois de percorrerem o Vale do Vouga- “três horas de encantamento”- dirigiram-se a São Pedro do Sul. Encontraram o balneário das Termas aberto, mas o hotel fechado. Parece que hoteleiro e câmara andavam de “candeias às avessas”. Manifestaram o seu desagrado, os excursionistas, porque se tratava de “um rincão magnífico do paraíso que o esquecimento turístico aniquilará”. A pressão parece ter resultado, tal como era prometido nos acalorados e obrigatórios discursos que remataram o almoço. E o jornalista adornava: “Em redor, a natureza impressionável e magnânima, desentranha-se em maravilhas alheia às maldades dos homens que a matam com o seu veneno”.

Ainda junto ao balneário, registaram o fascínio pelo Dr. Trinta, director das termas: “Um médico à antiga, bela figura de apóstolo, alegre, bem humorado, enamorado da sua terra e da sua obra. Trinta como este e estava São Pedro na primeira fila das termas peninsulares, que bem o merece!”

Já de regresso a Aveiro, uma paragem em Vouzela onde foram recebidos por uma comitiva dirigida por João António Gonçalves de Figueiredo que teve direito a caricatura. Dirigiram-se ao Castelo- “que não inveja o Bussaco”- e mais uma vez a paisagem a impor-se aos sentidos do articulista: “(...) o mais belo panorama que os meus olhos ainda viram, o rio Vouga no fundo da taça, preguiçoso, o marau, às voltas de capricho. Serrazes a um lado, São Pedro a outro, a cadeia de montanhas, em toda a volta, a recortar o céu magnífico”.

Na despedida, umas taças de Lafões, “vinho fresco, alado, surpreendente (...), um vinho que deve ser, se a minha guela ressequida me não engana, o melhor de Portugal todo (...)”. Parece que estavam trinta e muitos à sombra.

_____________

(1)- in, Dicionário de História do Estado Novo, direcção de Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, vol. I, 1996, pág. 356

terça-feira, janeiro 01, 2008

Tempo de acordar


O ano que agora começa, vai ser o primeiro em que as preocupações ambientais vão ter lugar cativo na agenda da gestão autárquica. Pelos piores motivos. As primeiras angústias vão surgir com a falta de água e o desleixo com que foram tratados os nossos recursos hídricos. Ninguém vai assumir responsabilidades, todos vão exigir sacrifícios… ao cidadão comum. Há freguesias do concelho de Vouzela com dificuldade no abastecimento de água. Inadmissível!

Que 2008 seja, então, o ano da participação directa de todos nós, na gestão do que, afinal de contas, é de todos nós. Que nem um cêntimo seja gasto, enquanto a rede de saneamento básico não se estender a todas as freguesias. Que se defina como prioritário a elaboração do mapa dos recursos hídricos e o plano da sua recuperação. Para ver se outro galo canta.

Dívida do Estado às autarquias

A confirmarem-se os números divulgados pelo Diário de Notícias (30 de Dezembro), o montante da dívida de vários ministérios às autarquias locais ultrapassa os 150 milhões de euros. Só no distrito de Viseu, as doze câmaras que aceitaram divulgar valores (num total de 24 municípios), apontam uma dívida de 5736546 euros. Na região de Lafões, Oliveira de Frades não refere qualquer dívida, São Pedro do Sul não respondeu ao inquérito e Vouzela reclama qualquer coisa como 541577 euros.

Os valores impressionam. Mas parece-nos que o mais impressionante é o que revelam sobre o modo como o aparelho de Estado tem sido gerido, a facilidade com que se falta à palavra dada e a enorme lata com que, depois, se exige que o cidadão pague o “Carnaval”. Os maus da fita? Não tem nada que saber: governos do PS e do PSD (com ou sem CDS).

Adeus, senhor ministro

Hoje mesmo está marcada uma vigília à porta do Centro de Saúde, como forma de protesto contra as reformulações impostas pelo ministério de Correia de Campos. Os serviços de saúde de Vouzela foram recentemente remodelados, sendo uma das obras que contribui para os valores que a Câmara reclama do aparelho central do Estado. Com as alterações previstas, o ministro da Saúde não só ignora a obra, como a esvazia de sentido. A verdade é que tem que ser paga. Como querem que nos impressionemos com os custos da manutenção dos serviços abertos 24 horas?

Já uma vez dissemos que este governo se arrisca a ser o primeiro a cair por… dificuldades de expressão. Essa característica que afecta grande parte dos seus membros, tem no ministro da Saúde um exemplo extremo. Poucas das medidas que tomou foram convenientemente explicadas, permitindo a confusão entre aquelas que são de reconhecida utilidade e propostas, até, pela Organização Mundial de Saúde (o encerramento das maternidades com menos de 1500 partos por ano, por exemplo), com outras que não passam de meros truques de contabilidade.

Mais do que um problema de vocabulário, Correia de Campos parece sofrer de falta de humildade. Não era preciso ter um doutoramento em Antropologia para antecipar a reacção que as suas medidas iam provocar numa população cada vez mais idosa, isolada, desprotegida. Também não é difícil compreender que o “extremismo” da sua “reforma”, deve muito à incapacidade em montar um verdadeiro serviço de medicina familiar (neste caso, para além das políticas de Saúde, há que exigir responsabilidades aos gerentes da Educação, com os famosos numerus clausus no acesso aos cursos de Medicina).

O que se exigia do responsável máximo pelo sector, era que soubesse dialogar, que manifestasse preocupação por aqueles que mais vão sentir as consequências da sua política e que, legitimamente, afirmam não a compreender. Para usar uma expressão muito de acordo com os tempos que correm, “é para isso que lhe pagamos”. Não o fez. Que as manifestações com que iniciamos 2008, dêem o mote para o resto do ano. Adeus, senhor ministro.

Falhou, senhor presidente

Numa entrevista recente, o presidente da Câmara de Vouzela chamou a atenção para as limitações da colecta conseguida no Concelho. Tem toda a razão. Para haver colecta, é preciso haver riqueza e, já agora, haver gente- ambas escasseiam por estas bandas. Mas não nos recordamos de ter ouvido o senhor Presidente reconhecer que, afinal de contas, o "modelo de desenvolvimento" que defendeu para o Concelho, falhou. E falhou.

De uma vez por todas, Vouzela precisa “arrumar a casa”. Decidir em que actividades vai sustentar o seu equilíbrio e que não podem limitar-se a “parques industriais” de reduzido potencial. Por sua vez, repetir até à exaustão que Vouzela tem que ser um destino turístico, não chega. Não é possível atrair visitantes e permitir o desleixo com que estão a ser tratadas áreas de reconhecido interesse, como o Monte Castelo. Não é possível chamar pessoas, não tendo instalações mínimas para as alojar. Não é possível usar o chamariz da nossa rica paisagem e nada fazer para salvaguardar as actividades de que depende. É tempo de acordar.