sexta-feira, maio 18, 2007

Trapalhadas, mais-valias, Lei dos Solos e outras reflexões em torno de uma Conferência que se saúda


A história conta-se em poucas palavras e só não começa por “era uma vez”, porque o processo ainda decorre: num concelho deste país, caracterizado por uma actividade agrícola com alguma dimensão, surgiu uma proposta, no âmbito da revisão do PDM, para alguns destes terrenos passaram a integrar a Reserva Ecológica Nacional (REN). Não comece a abanar a cabeça em sinal de aprovação, porque as peripécias são escabrosas e nem sempre o que parece, é. O que se passou, foi que alguns- digamos- “investidores”, compraram por “tuta e meia” terrenos da REN que pretendiam ver passar a “terrenos urbanos”. Ora, para que a manobra passasse mais ou menos desapercebida e (quem sabe?) ainda virem a conseguir uma estátua numa rotunda qualquer, propuseram que a área da REN a ser desafectada, fosse compensada com terrenos da Reserva Agrícola.

O Concelho de que falamos é o da Moita e se quiserem mais pormenores, basta ler a entrevista dada pelo Movimento Várzea da Moita a “O Rio.pt”. Entre as várias iniciativas que se estão a organizar para conseguir resposta para a trapalhada, encontra-se a Conferência sobre política de solos, mais- valias urbanísticas e ordenamento do território, já aqui referida, e que começa hoje (o programa pode ser consultado aqui e o grupo de oradores, aqui). A seguir com atenção.

No entanto, o problema com que os cidadãos da Moita se confrontam, é igualzinho aos que se têm vivido por esse país fora, com mais ou menos escândalo, e que resulta de uma simples perversão: a possibilidade de haver apropriação privada de mais- valias conseguidas à custa de investimento público. A simples alteração do estatuto de um terreno, passando das limitações da REN (e até da RAN), para a permissividade de “urbano”, transforma-se numa complexa conta de multiplicar margens de lucro. A verdade é que, enquanto foi da REN e “nada valeu”, esse terreno desempenhou um serviço público. Quando passou a “urbano” e limitou o seu interesse à esfera privada, passou a valer “milhões”. Absurdo! Será difícil conseguirmos melhor exemplo do total desrespeito pelo cidadão.

Tendo em conta a lista dos participantes na Conferência e as posições que muitos deles têm defendido (nomeadamente a Bastonária da Ordem dos Arquitectos, Helena Roseta, o Deputado Francisco Louçã, etc.), este será um dos temas debatidos. Contudo, parece-nos ser desejável tentar ir um pouco mais longe. Limitarmo-nos a reivindicar que não possa haver apropriação privada de benfeitorias públicas, não tem em conta um dos “vilãos” desta história: as AUTARQUIAS. Na verdade, elas têm interesse na trapalhada, mesmo que não haja um “amigo” a quem fazer um “favor”. O índice de ocupação permitido com o estatuto de “terreno urbano”, as novas colectas conseguidas, são motivos suficientes para que continue a perversão. Por isso, é necessário subverter a lógica, pensando em benefícios (a sério!) para todos os que prestam um serviço à colectividade, mantendo os seus terrenos na REN (e, nalguns casos, com uma regulamentação bem estudada, na RAN). É preciso “tirar o ouro ao bandido”. Que a Conferência da Moita seja um importante passo nesse sentido.

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma dúvida: não será o próprio modelo de poder autárquico que tem que se equacionar?

Zé Bonito disse...

Em minha opinião, sim. Pouco democrático, difícil de controlar, extremamente permeável a pressões. Mudar este modelo parece-me ser uma prioridade. No entanto, também é significativo que as propostas de alteração apresentadas pelos partidos maioritários, agravem todas as perversões do actual modelo.