Licenciar o licencioso
Não era difícil prever. Um país que tem cerca de 30% da sua população activa dependente da construção, não pode ser levado muito a sério quando fala de “ordenamento do território”. Também dificilmente conseguirá sair da “cepa torta”, mas isso são contas de outro rosário... Ora, sob a capa do “simplex” e com a bonita desculpa do "combate à burocracia", o Governo prepara-se para anular qualquer controlo sobre o licenciamento de obras com possível impacto negativo sobre o território.
Entendamo-nos: o que está em causa, não é a anulação da necessidade do Conselho de Ministros emitir parecer, medida que esteve muito longe de provar ser eficaz; o que está em causa é o desinteresse em melhorar os mecanismos de controlo, deixando o País entregue aos ditames da iniciativa privada e à sensibilidade das autarquias. Se quiserem, de forma mais directa, está em causa a entrega do “ouro ao bandido”, já que ninguém tem mais responsabilidades nos diversos atentados ao ordenamento do território, do que a iniciativa privada e as autarquias.
Quando José Sócrates esteve na pasta do Ambiente, denunciou o facto dos Planos Directores Municipais proporem construção que chegava para uma população de 30 milhões de habitantes. Na recente polémica sobre a distribuição dos diversos serviços (e a necessidade de encerrar alguns), foi argumento de peso o facto das autarquias não terem uma visão global do território, dificultando a racionalização dos investimentos. Tudo isso foi agora ignorado, mostrando não haver um projecto ou, sequer, uma simples ideia, sobre como “arrumar a casa” e acabar com o “país de barracões” em que nos tornámos. O raio da economia nunca mais arranca, a meta dos “150 mil novos empregos” limita-se ao anedotário nacional, vêm aí os últimos “fundos” e essa coisa do “ordenamento” é luxo para ricos. Há, pois, que colocar em leilão as “jóias da família”, a herançazinha, ou seja, o solo. Licencie-se a licenciosidade e... o último a sair que apague a luz.