quinta-feira, abril 19, 2007

"Novas oportunidades"... para as cenouras

Já estava a pagar, quando a funcionária me disse “as cenouras que aí leva são francesas”. Várias vezes tinha comprado queijo francês, vinho francês, mas... cenouras?!!! “Porquê, francesas?”- perguntei incrédulo. “Sei lá”- respondeu. “São mais baratas”. Alto! Aquela ida ao supermercado estava a tornar-se perigosa. De repente, no curto espaço entre o corredor das hortaliças e a caixa registadora, caiam por terra os mais indiscutíveis princípios da economia. Como é que um país com uma média salarial muito superior à portuguesa, conseguia produzir mais barato? A rapariga deve ter receado que não levasse as cenouras, porque se apressou a explicar: “Que quer? Não aparecem portuguesas.. E olhe que a batata e as cebolas são espanholas”. Haja alguém que diga à Judite de Sousa ao Carlos Queiroz, à Maria Gambina e ao Pedro Abrunhosa que, se querem novas oportunidades”... dediquem-se à agricultura!

Convém avisar que esta pequena peripécia é totalmente real, tendo acontecido num supermercado perto de si. Em Vouzela.

A rota dos excluídos

Já que falamos de “novas oportunidades”, vem a propósito registar algumas informações apresentados na hora do balanço do “Roteiro para a Inclusão”, organizado pelo Presidente da República. Estudos sobre a distribuição do rendimento, desigualdade e pobreza em Portugal, confirmam as piores suspeitas do cidadão comum: temos o índice de desigualdade mais elevado de toda a Europa.

Duvido que, nos próximos tempos, se volte a dar algum relevo ao assunto- não fica bem na fotografia que se quer divulgar sobre o “défice” e o “crescimento”. No entanto, quem leu as notícias do evento, não pode ter deixado de sorrir perante a reacção de algumas “figuras públicas”. Por exemplo, o economista (e ex-ministro) Daniel Bessa, reconheceu ter ficado “esmagado” com tais conclusões. Quanto ao Presidente da República, apelou a uma maior responsabilização das famílias e à necessidade de “aumentar as metas de escolarização das novas gerações”. O diabo é que às “gerações menos novas”, não há escola que lhes valha, nem família. Talvez haja economia (área que ambas as personalidades tão bem conhecem), caso reveja alguns dos princípios que tem defendido e a crença na “infalibilidade do mercado”. A não ser assim, resta-nos o destino- essa especificidade tão portuguesa- que abrevie a “rota dos excluídos” e diminua o número dos “iletrados”.

“Economices”

Mas, esta forma de analisar os desequilíbrios na sociedade portuguesa é, salvo melhor opinião, uma das grandes responsáveis pelo seu agravamento. Desde há muito que venceu a tese, tal como no poema de Brecht, de ser necessário criar uma “população ideal”, para “encaixar” nas medidas, “indiscutíveis”, dos diversos governos. Quer dizer, em vez de se adaptarem as opções aos recursos existentes, empurrou-se uma significativa percentagem do País para os braços da Segurança Social, enquanto se espera pelo “nascimento” desse “homem novo”, qual “messias redentor”. A Escola passou a ser apontada como o “motor da mudança”, a “vanguarda” que, sob o estandarte das matemáticas e de mais não sei o quê, vai resolver todos os problemas sociais. O próprio Presidente da República disse-o no balanço do “Roteiro da Inclusão”: (a escola) tem sido e vai continuar a ser o mais importante instrumento de inclusão social”.

Bem sei que a História não está na moda. Se assim não fosse, algum “assessor” teria informado o Senhor Presidente de que temos inúmeros exemplos que provam o contrário, a começar pelos actuais 56 mil licenciados sem emprego. A Escola, por si só, não promove “mobilidade social”, até porque, longe de ser “vanguarda”, é uma simples “retaguarda” que responde aos estímulos da sociedade. Se os houver... Desde a reforma do Marquês de Pombal, até aos nossos dias, passando pelas inúmeras medidas dos governos republicanos, encontram-se exemplos mais do que suficientes para mostrar que nunca faltaram leis e tentativas. O que faltou foi o “sinal verde” da economia, mostrando querer integrar esse acréscimo de habilitações. A tal economia que Cavaco Silva tão bem conhece e para onde podia olhar em busca de resposta para as suas (nossas!) angústias. Talvez se evitasse tão longa viagem... às cenouras.

4 comentários:

odeusdamaquina disse...

É realmente espantoso, mas de facto, as cenouras e os nabos estrangeiros já chegaram cá há muito tempo. Sei que num concelho interior como Vouzela, em que a agricultura ainda tem alguma expressão custa muito aceitar isso. Aqui nas cidades do litoral, isso é a cenoura nossa de cada dia!
Quanto ao resto, muita lucidez no que dizes, muitas verdades que os nossos políticos tentam ignorar, enterrando a cabeça na areia deste deserto que se está a transformar o nosso país.

Zé Bonito disse...

A novidade deste "molho de cenouras" está em subverter a lógica da "tradicional" divisão do trabalho e contrariar alguns "dogmas económicos". Estamos habituados à fruta da América do Sul, ou até do Norte de África. Isso corresponde à ideia aceite de que agricultura é para "países pobres", com mão-de-obra barata. Eis que a França mostra a falsidade da tese... com um simples molho de cenouras.:))

Anónimo disse...

Eis a prova de que as cenouras fazem bem à vista.
Por pouco não fui o visitante 2000 depois de ter sido dos primeiros. Continuem com o bom trabalho.

Zé Bonito disse...

Não foste o 2000, mas levas o prémio. Companheiro de "viagem" desde o primeiro momento, tens direito a uma fornada de pastéis. Um abraço.