sexta-feira, junho 22, 2007

Memórias de um jardim


Era local de aguerridos encontros de futebol entre a malta da Vila e a da Feira, uma espécie de terra de ninguém entre Portugal e Espanha, que a miudagem precisa de causas e o espaço era propício: Alameda D. Duarte de Almeida, em homenagem ao filho da terra que, na Enciclopédia Portuguesa de Maximiano Lemos, se garante que “uma cutilada corta-lhe a mão direita; indiferente à dor, empunha com a esquerda o estandarte confiado à sua honra e lealdade de soldado; decepam-lhe também a esquerda; toma-a nos dentes e, rasgado, despedaçado, os olhos em fogo resiste ainda, resiste sempre, sublime na sua heroicidade”. O “Decepado” da batalha de Toro. Pode não ser verdade, mas dá "pica". O diabo, era quando o Zé Bonito entrava em cena, funcionário camarário, inimigo confesso de tudo o que lhe invadisse canteiros, cheios de uma planta verde que juravam ser tremoço. Adeus bola.


Nas quentes noites de Verão lá se encontrava a pequenada, enquanto a gente crescida passeava pela Avenida. Jogava-se ao lenço, às escondidas, à apanhada, com “coito” no cruzeiro encimado por esfera armilar talhada em peça única de pedra, obra de artista local montada para o “Centenário” (1940). A televisão ainda não preenchia os ócios e saía-se para encontrar os amigos. Os ministros "sugeriam", os arquitectos executavam e o "Notícias de Vouzela" publicava em Fevereiro de 1958.

quarta-feira, junho 20, 2007

PAC-man

Imagem tirada daqui

Consta que se preparam medidas para impedir o abandono da agricultura. Quem sabe se uma reedição da Lei das Sesmarias... Mas, avaliada bem a situação, descontados os terrenos que já estão cheios de prédios ou de eucaliptos, mais os que, de repente, ainda consigam passar a urbanos, talvez apanhem algum desgraçado que, por distracção, falta de fundos, ou amigos nos lugares certos, se mantenha com a terra a monte. Bem feito! Tivesse aprendido os meandros da PAC, tivesse enchido a terra de girassol- que não dá sementes, mas dá fundos- e andava agora de todo-o-terreno, jantes de liga leve, com o ar “country” que se quer no agricultor europeu do século XXI. Um PAC-man! Assim, vai aguentar com os fiscais do Ministério da Agricultura que, para não serem excedentários, terão que descobrir agricultores sabe-se lá onde, e ainda lhe penhoram as galinhas. À cautela, vou esconder umas floreiras vazias que tenho na varanda...

segunda-feira, junho 18, 2007

Feira de Vouzela

Beuckelaer, Market Woman with Fruits, Vegetables & Poultry

Por iniciativa da Escola Básica Integrada de Vouzela e da Associação de Desenvolvimento Rural de Lafões (ADRL), foi lançado o debate sobre a melhor forma de reanimar a Feira de Vouzela. Criada em 1307 por D. Dinis, respondendo a solicitações dos moradores, porque se “pobraria melhor esse lugar”, Vouzela viu a sua feira ser beneficiada, posteriormente, por D. João I e D. Manuel I, regulamentando localização, infra-estruturas de apoio, isenções e outros privilégios.

Hoje, a Feira de Vouzela reflecte não só as dificuldades por que passam as actividades económicas da região (sobretudo, a agricultura), como as consequências da aplicação da legislação comunitária a que muitos produtores tiveram dificuldade em adaptar-se (e que continuamos a aceitar acriticamente). No entanto, a feira tem uma função social a desempenhar e pode, até, ajudar a inverter uma tendência de abandono, de falta de apoio das actividades locais, de desprezo pela criação de marcas que, erradamente, tem sido o caminho seguido até agora.

Claro que já ninguém aguarda pelo montar das tendas em busca de novidades. Já ninguém precisa da feira para renovar a dispensa de produtos que, cada vez mais, são menos locais. Já ninguém marca o calendário à espera da animação dos dias de feira. Hoje, iniciativas destas fazem sentido integradas numa estratégia promocional de produtos... se houver produtos para promover. E é aqui que nos parece ser necessário repensar os objectivos da Feira de Vouzela, aprendendo com outras experiências da região (São Pedro do Sul, por exemplo) e em articulação com elas.

De facto, a continuação da Feira depende do dinamismo que ainda se consiga introduzir em actividades que se baseiem no que de mais seu tem Vouzela. Produtos agrícolas de qualidade (com uma enorme variedade de frutas quase extintas, com o azeite, o vinho e a aguardente que, por qualquer insondável mistério, nunca foi protegida), o pão, a doçaria e a gastronomia a partir de produtos locais, a tecelagem (de linho e de lã, com aproveitamentos possíveis como os conseguidos pelo Moinho da Carvalha Gorda), a indústria da pedra e de técnicas de construção adaptadas às características regionais, são simples exemplos que, se forem bem enquadrados e apoiados, parecem ter condições para se imporem. Mas, de uma vez por todas, é preciso perceber que as actuais exigências para certificações, divulgação de produtos e distribuição, não são acessíveis à maioria dos produtores locais. Apoiá-los nessa tarefa, deve ser o papel não só das associações, como também da própria autarquia, já que o sucesso das actividades tem reflexos no bem-estar das populações, na redução dos problemas sociais, no desenvolvimento económico local. Ajudar a propor a certificação de alguns produtos, criar parcerias para dar a formação necessária, participar activamente na sua divulgação, e apoiar a criação de redes de distribuição, não parece ser tarefa incompatível com as competências e com as possibilidades do poder local- muito pelo contrário.

Deste modo, a feira seria um momento de encontro e de divulgação de boas práticas, para onde seriam convidados representantes de iniciativas idênticas de outras partes do país. Quanto à necessária dimensão, talvez possa ser conseguida com uma nova periodicidade (talvez, quatro vezes por ano, relacionando-a com as estações, e com uma duração de vários dias) e juntando-a, por exemplo, a festividades que tradicionalmente já atraem muitas pessoas a Vouzela. Ao fim e ao cabo, mais não seria que o retomar da tradição, que associava as feiras a festas religiosas.

No entanto, uma coisa é certa: a dinamização da feira, será sempre uma consequência da reanimação da economia local. Para tal, é preciso acabar, de vez, com preconceitos que têm impedido que a autarquia, uma das maiores fontes de recursos de todas as pequenas regiões, colabore com a dinamização económica local. A verdade é que o fez onde não devia ter feito (promovendo a “política do cimento”) e não consta que os arautos do “livre mercado” tenham protestado. Tem agora a oportunidade para compensar o tempo perdido, sobretudo o nosso, na certeza de que o desenvolvimento de Vouzela ou é baseado no que tem de genuíno, ou... não há mercado que lhe valha.

sexta-feira, junho 15, 2007

As novas indulgências

Estão na moda alguns piedosos meios de limpar consciências quanto a questões ambientais. Talvez deva começar doutro modo: está na moda dar a entender que nos preocupamos com questões ambientais. Já todos viram administradores de jornais a plantar árvores para “compensar” o papel que gastam, por exemplo. Claro que nos Estados Unidos foram mais longe. A “TerraPass” é o melhor exemplo disso, com um esquema extremamente simples, logo, eficaz. Dando a possibilidade a cada interessado de avaliar o seu contributo para o aquecimento global e o esgotamento de recursos, quantifica, em dinheiro contado, uma suposta “compensação”. Depois, investe esse montante em actividades “amigas do ambiente”. Limpam-se as consciências, dinamiza-se o “negócio verde” e...todos ganham (consulte os “partners” do projecto), tentando que tudo continue na mesma.

Eu sei que é um exagero, mas quando falo nisto, ocorre-me sempre o movimento contra as indulgências encabeçado por Martinho Lutero. Talvez seja pelo desejo de ver multiplicar o número de “protestantes”.

Provocações

“Definir” um mundo não alienado seria impossível (...), mas creio que podemos e devemos tentar revelar o não-mundo dos nossos dias e como se chegou até ele. Caímos num monstruoso erro ao adoptarmos a cultura simbólica e a divisão do trabalho, abandonando um mundo de deslumbramento, de compreensão e de totalidade e esperando por um Nada que nós encontramos, hoje, na doutrina do progresso. Vazia, cada vez mais vazia, a lógica da domesticação, com as suas exigências de domínio total, mostra-nos a ruína de uma civilização que destrói tudo em que toca. Presumir a inferioridade da natureza favorece o domínio de sistemas culturais que não tardarão a tornar a Terra inabitável.

Com o enfoque da modernidade na liberdade, as instituições modernas do saber não conseguiram mais do que a conformidade. Lyotard (1991) sintetizou o resultado final: “uma nova barbárie, iliteracia e definhamento da língua, uma nova pobreza, uma reificação impiedosa da opinião pelos media, pauperização da mente, obsolescência da alma”.

Citações tiradas de “Futuro Primitivo” de John Zerzan, à medida que o ía desfolhando. Ao acaso, como gosto de fazer no primeiro contacto com um livro- é a hipótese que lhe dou para me provocar. E que tem isto que ver com um blogue que privilegia as questões ambientais, de ordenamento do território, de Vouzela? Tudo. É editado pela Deriva.

segunda-feira, junho 11, 2007

Começou o "assalto" à Avenida João de Melo

O edifício que se prevê sacrificar, em três épocas diferentes
(Imagens cedidas por Vasco Coutinho e Guilherme Figueiredo)

De acordo com o Notícias de Vouzela (08/06/2007), a reunião do executivo vouzelense do passado dia 1 de Junho, aprovou alterações às Grandes Opções do Plano, prevendo, entre outras coisas, a “aquisição da casa para o prolongamento da Avenida João de Melo”.

Já em Março deste ano, tínhamos chamado a atenção para o absurdo do projecto e para algumas possíveis justificações que o fundamentam. Não vale a pena repetir (quem quiser recordar, basta “clicar” aqui). O que vale a pena, é saber (e denunciar) se estamos perante mais um caso em que interesses privados vão beneficiar com investimento público. A história recente do poder autárquico está, infelizmente, cheia de exemplos (consulte-se, a este respeito, todo o processo da Moita, aqui, aqui e aqui). Mas a Polícia Judiciária também está cheia de trabalho a investigá-los...

Uma questão de pose

Doisneau, Un regard oblique

Podiam ter dito que rezavam todas as noites pelos pobrezinhos ou pela paz no mundo. Podiam ter prometido não deixar luzes acesas ou evitar o pingo das torneiras. Preferiram concordar com a necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, mas o resultado foi o mesmo. Como já se sabia, da reunião do “G8” não saiu uma única medida concreta ou data precisa para a tal redução com que todos dizem concordar. Na verdade, estas reuniões estão cada vez mais limitadas à pose, assim ao estilo dos retratos de família em que se tentam esconder as misérias que vão lá por casa. Talvez os almoços valham a pena.

Mas podemos ficar descansados, pois o Vaticano incluiu os crimes ambientais no rol dos "pecados graves". Consta que a próxima cimeira do “G8” vai discutir de que rubrica do orçamento sai a verba para pagar as indulgências.

domingo, junho 10, 2007

Sociedade. Bloggers, Portugal.

Os melhores blogues nacionais? Não faço a mais pequena ideia. Do que não há dúvida, é que são blogues de gente conhecida e que, por isso, são igualmente conhecidos. De qualquer modo, um conjunto interessante que descobri no “A Memória Inventada”. E uma iniciativa ainda mais interessante: a divulgação conjunta. Aí fica, na coluna da direita, com o destaque “Folar de quilo”- têm peso a mais para serem agrupados em “folhado fino”.

quinta-feira, junho 07, 2007

De Heilingendamm ao “fim do mundo”, com uma paragem na Moita

Oliver, Der Standard, Viena

Quando os jornais noticiarem as limitadas conclusões da Cimeira do “G8”, ninguém vai ficar surpreendido. Subordinando as estratégias ambientais à política económica, as principais potências mundiais consideram ainda não estar na altura de passar da mera declaração de intenções. No entanto, é precisamente essa atitude que nos deve (a nós simples cidadãos sem acesso aos centros de poder) fazer tomar consciência de que temos que percorrer, sozinhos, o caminho que nos interessa.

As principais potências económicas e, simultaneamente, principais poluidoras e consumidoras de recursos, têm usado a estratégia da “Maria vai com as outras”: faço se tu fizeres; altero se tu alterares. Quer isto dizer que contabilizam os custos- “estrito sensu”- das alterações necessárias para se reduzirem as emissões poluentes e ajudar a controlar o aquecimento global. Tudo limitado à “economia real”. Como se tornou evidente que não é possível actuar, sem consequências nos actuais padrões de consumo e, consequentemente, sem mudanças nos paradigmas de crescimento, nenhuma arrisca o primeiro passo que inevitavelmente irá afectar o seu potencial competitivo no mercado global.

A própria ONU já se rendeu a esse raciocínio. Depois de ter denunciado as pressões feitas sobre as conclusões dos relatórios científicos, avança agora (Relatório de Banguecoque do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, Maio de 2007) com estudos que quantificam as consequências da aplicação de tais medidas: menos 0,12 por cento do crescimento económico anual. Tratou-se de uma tentativa desesperado para convencer o Mundo (ou quem nele manda) de que é possível reduzir as emissões de dióxido de carbono, sem grandes alterações no modelo económico. Não resultou.

A “inocência” da Europa

Em toda esta história, a União Europeia tem gerido a máscara da inocência. Depois de ter abraçado as modestas orientações de Quioto, contra a oposição dos Estados Unidos, anunciou a redução unilateral, em 20%, das emissões até 2020, e um aumento na aposta nas energias renováveis. O problema é que, para além de se reconhecer já a insuficiência das medidas, insiste-se no erro de pretender que seja o “mercado” a resolver o problema, ou seja, tentando que a sua resolução constitua, ela mesma, uma aliciante área de investimento. É isto que explica a rápida adesão às energias renováveis (que em Portugal, com as eólicas, se arrisca a seguir a metodologia selvagem do alastramento do eucalipto) e vai fundamentar o investimento nos biocombustíveis (que, longe de solucionarem seja o que for, vão criar novos problemas). A aguardar o momento certo para entrar em cena, está ainda a energia nuclear, única com capacidade para dar resposta imediata ao desejo de manutenção do actual modelo de desenvolvimento, conciliando-o com a redução das emissões poluentes. O lobie no interior da UE é de respeito e só o perigo do aproveitamento militar (tanto mais descontrolado quanto mais alargado for) e da ausência de respostas para o problema dos resíduos, pode refrear-lhe os ímpetos.

Limitando-nos ao exemplo português, salta à vista que o entusiasmo se limitou às áreas consideradas como oportunidade de investimento e a campanhas viradas para a alteração de hábitos individuais. Nenhuma medida foi tomada para obrigar a uma maior racionalização do consumo energético por parte das empresas (quando é consensual a existência de um elevadíssimo desperdício), a agricultura começa a ser mera palavra de dicionário (no entanto, não há Alqueva que valha às culturas de regadio), pouco ou nada está a ser feito, de forma estruturada, para alterar técnicas e materiais de construção e ninguém fala na necessidade de privilegiar o transporte colectivo ao individual (e, no primeiro, privilegiar o comboio).

A importância da mobilização local

De tudo isto resulta a noção de que a corda irá ser esticada até ao limite, jogando-se com a geografia e os tempos da catástrofe iminente. Os países tropicais vão ser (já são) os primeiros a sentir-lhe os efeitos (embora também sejam a “pátria” das florestas que representam cerca de 65% do potencial de absorção de CO2). Na Europa, os países do Sul podem ter, já dentro de uma década, reduções dos caudais dos rios superiores a 20%. As consequências negativas para os cidadãos são óbvios, mas isso não representa, imediatamente, a necessidade de uma revolução na economia- nem o “fim do mundo” é igual para todos.

Quer isto dizer que a estratégia a ser adoptada pelos governos, depende muito da pressão que sintam por parte da opinião pública. Ora, é precisamente aí que temos um longo caminho a percorrer. De facto, os problemas ambientais nunca marcaram “agenda”, sendo matéria ausente do discurso da maior parte dos partidos portugueses, sobretudo dos maiores. Quanto às organizações ambientalistas, hesitaram demasiado tempo entre a afirmação de uma imagem de credibilidade científica e o reconhecimento da importância da estratégia política. Daqui resultou uma reduzida capacidade de mobilização, limitando-as aos recursos às instâncias internacionais e ao papel (muitas vezes simbólico) de emissores de pareceres técnicos. Resta a mobilização local dos cidadãos em torno de problemas concretos de ordenamento do território ou de defesa de recursos, caminho que tem tanto de eficaz quanto de difícil.

Quando, recentemente, os habitantes da Várzea da Moita decidiram participar activamente no debate em torno de uma revisão do PDM que “cheirava a esturro”, começaram por ser encarados com alguma doze de simpatia paternalista. Os jornais de grande tiragem até divulgaram algumas iniciativas e houve um ou outro apontamento na televisão. Quando se percebeu que, afinal, os cidadãos da Moita não se iam limitar a uma ou duas manifestações folclóricas e, pelo contrário, revelavam capacidade para organizar uma das mais bem sucedidas iniciativas de participação directa que já houve no nosso país, foram alvo de um boicote informativo generalizado. Não esmoreceram e, aplicando o princípio de que “quem não tem cão, caça com gato”, usaram a blogosfera, o contacto via correio electrónico e conseguiram criar uma rede de solidariedade. A estratégia foi simples: limitaram-se a chamar a atenção para o facto dos problemas que estavam a viver serem iguais a muitos outros que atravessam todo o território nacional. O resultado foi a ruptura do bloqueio e... uma inspecção da Polícia Judiciária à Câmara Municipal.

É com exemplos destes que temos que aprender. São exemplos destes que precisamos multiplicar.
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PS: Dezanove dias depois da principal iniciativa do Movimento de Cidadãos da Várzea da Moita, eis que a "cortina" se abre e a comunicação social olha, a sério, para as denúncias feitas.

segunda-feira, junho 04, 2007

Revelações

Há momentos assim: de repente, sem que nada o faça prever, são desvendados os mais insondáveis mistérios do Universo. Este fim-de-semana, foi um deles- estou que nem posso. Desde a conclusão do Presidente da República (Sua Excelência...) de que é preciso fazer algo para travar o envelhecimento do País, até à descoberta do Vasco Pulido Valente, de que, de Lisboa à Ota são 3 horas de viagem... de táxi (ver “Público” de Sábado), foi um fartote de revelações.

Fazendo umas contas rápidas, penso não errar muito se disser que o Professor Cavaco anda nas lides políticas há quase vinte anos. Quanto ao Dr. Vasco Pulido Valente, investigador com obra feita na área do Liberalismo (não esse, o outro), tem mais currículo, mas também andou pelo governo, mais ou menos pela mesma altura. Pois, neste ano da graça de 2007, foram os profetas da “boa nova” que nos deixou, a todos, conscientes de uma única coisa: estes senhores não fazem a mais pequena ideia do que é o país que governam (ou governaram) e dos dramas que por cá se vivem.

O envelhecimento da população é problema que há muito preocupa o interior do País (tendo a A1 como referência, aquela parte que fica do lado direito se estivermos virados para Norte, ou do lado esquerdo, no sentido inverso). Há muito que nos sentimos impotentes para travar o despovoamento e renovar o “tecido” social e económico. Não foi preciso que, lá em Lisboa, os homens das contas começassem a perceber o desequilíbrio entre a coluna do “deve” e a do “haver” e desatassem a fechar escolas, centros de saúde, tribunais, ou a inventar fórmulas para adiar reformas que, por estes lados, pouco pesam no Orçamento. Quanto aos problemas de circulação do Dr. Vasco, arrisco dizer que o “seu” táxi cobre mais rapidamente os cinquenta e tal quilómetros que separam Lisboa da Ota, do que a distância que vai do Rossio à Portela em “hora de ponta”. Não me interpretem mal, porque não tomo posição pela morada do novo aeroporto e até sou dos que vão assistir pela televisão, se alguma vez um desastre, que se espera que nunca aconteça (bato três vezes na secretária, em nogueira velha), abrir um “corredor” entre a Avenida da República e Sacavém.

Mas, no meio destas “revelações”, convém que nós, cidadãos que resistem longe do mar, compreendamos que somos uma pequenina mancha de cor, nos gráficos desta gente ilustre. Conseguir alcançar os seus ouvidos (certamente afectados pela poluição sonora), exige que nos deixemos de “querelas de paróquia” e de confianças cegas em “representantes”, cujo único objectivo é atravessarem a A1 para o outro lado e esquecerem-se da distância e do passado.

sábado, junho 02, 2007

Da água que corre...

A organização ambientalista Quercus, divulgou os dados sobre a qualidade da água nas praias costeiras e interiores. Para não variar, as praias fluviais continuam a revelar pior qualidade, apesar duma importante melhoria na ordem dos 14%. São dados que insistem em “gritar” uma verdade a exigir rápida mudança: o investimento na qualidade da água, reduzindo o impacto de todos os focos poluentes, continua a não fazer parte da lista de prioridades dos nossos responsáveis locais e nacionais. Até parece que querem arranjar pretexto para privatizar a gestão do sector...

A nossa região está satisfatoriamente representada na lista. Oliveira de Frades (praia do Vau) e Vouzela (Foz) são avaliadas como tendo “água de qualidade”. Só não percebo que complexo tolhe os responsáveis vouzelenses, impedindo-os de divulgar os resultados das análises feitas aos rios do Concelho. Mais: se a água tem qualidade, não percebo porque não se promove a utilização lúdica desses recursos. Interpretem-me bem: não estou a defender a construção de quiosques para venda de gelados, plataformas de cimento para estender toalhas, nem a colocação de instalações sonoras e animação forçada! A beleza daqueles espaços, está directamente relacionada com a reduzida intervenção da “mão humana”. Basta divulgá-lo, combatendo o receio que o abandono de anos naturalmente provocou.

Foi por tudo isto que gostei de saber da iniciativa de alunos da Escola Secundária de Vouzela que, no âmbito das comemorações do “Dia do Ambiente” (5 de Junho), vão apresentar um filme a que chamaram “Conservação e preservação do Rio Vouga”. A defesa do património natural e edificado, depende muito do conhecimento que dele tivermos e da “utilidade social” que lhe for atribuída. É muito importante que uma geração que foi arredada do rio, limitada aos meios que tenham bilheteira à porta, reclame o seu direito ao usufruto do “espaço livre”. Vouzela tem-no em abundância. É preciso mostrar aos responsáveis locais que a qualidade de vida que defendemos, passa pela sua preservação.

...à “água” que se mete
Já que falamos de “património” e de “preservação”, registe-se o reacender da polémica em torno das obras de restauro da Igreja Matriz. No edição do Notícias de Vouzela de 1 de Junho, um artigo de Agostinho Torres denuncia a filosofia da intervenção feita sob a alçada do IPPAR e, recorrendo à opinião do Arquitecto Pompílio Souto, publicada no Jornal de Notícias de 16 de Maio, faz uma citação que põe o dedo na ferida: “(...) cumpriu-se o desígnio dum Projectista; e o nosso? E o dos vouzelenses?”

Monumento Nacional romano-gótico datado do século XIII, a Igreja Matriz que conhecemos é o resultado de diversas ampliações e intervenções, nem sempre feitas com rigor. Já nos anos 30, numa brochura de promoção turística da responsabilidade da “Comissão de Iniciativa”, chamava-se a atenção para alguns disparates feitos no edifício, com critérios mais “decorativos” do que históricos. Enfim, nada que outros monumentos nacionais não tenham sofrido, nomeadamente os intervencionados de acordo com os objectivos de manipulação histórica do Estado Novo.

No entanto, verifica-se presentemente uma tentação para o “excesso de intervenção”, pecado para que já alertamos a respeito do projecto de restauro da Torre de Vilharigues. É como se o “projectista” quisesse deixar marca pessoal, aproveitando para tal, tudo o que não esteja classificado. Ora, em grande parte dos nossos monumentos, o espaço envolvente ou não está, ou é limitado a uma estreita faixa pensada com fins, sobretudo, cenográficos. E foi aí que o(s) autor(es) do projecto decidiram, quais escultores, deixar “assinatura”, esquecendo-se do significado simbólico, da “memória vivida” que a seu respeito foi criada pelos habitantes de Vouzela. Faltou humildade e diálogo.

Que se aprenda com a lição, numa época em que é moda contratar entidades exteriores para realizarem projectos de intervenção local (até o PDM, onde, segundo consta, houve episódios anedóticos...), não havendo, depois, os mecanismos necessários que as obriguem a ter em conta o sentimento dos cidadãos. Mais do que protegermo-nos da vaidade deste ou daquele projectista, é o próprio aprofundamento da Democracia que está em causa.