quarta-feira, julho 10, 2013

A locomotiva a vapor E96: Aquilo que para nós foi sucata sem valor, foi classificada Monument Historique pelos franceses

 Imagem da locomotiva na atualidade (wikipédia)

A data exata de aquisição desta locomotiva pela Compagnie Française por la Construction et Exploitation de Chemins de Fer a L'Etranger não é totalmente conhecida, mas já estaria em funcionamento na empresa em 1913 (segundo alguns registos de manutenção). Faz parte da série E91 - E97 que a empresa sempre tratou como sendo da marca Orenstein & Koppel, no entanto, duas delas são Decauville's (E93 e E95). Sabe-se hoje em dia que houve algumas trocas de contratos e que teriam sido construídas pela Koppel mas sob licença Decauville que terá fornecido os desenhos e até algumas peça.
A E96 é seguramente de construção Koppel, no entanto, fontes francesas referem que alguns componentes têm gravado um "D" (de droite) e um "G" (de gauche), siglas essas que não têm correspondência nem na língua alemã (origem da Orenstein & Koppel que a fabricou), nem na língua portuguesa (que a adquiriu e manteve). Consideram assim que também esta foi fabricada sob licença Decauville.
Independentemente da sua construção, o que é facto, é que foi adquirida pelas linhas do Vale do Vouga. Manteve-se na empresa até à nacionalização de 1946.
Já na vigência da CP, foi transferida para a Linha do Tâmega em 1974.
Em 1978, a CP considerou que não tinha qualquer interesse e, a exemplo do que fez com outras locomotivas a vapor, vendeu-a ao MTVS (Musée des Tramways à Vapeur et des Chemins de Fer Secondaires Français) que a manteve em funcionamento.

Edição: Musée des Transports de la Vallée du Sausseron (Gare de Valmondois)
Coleção: Carlos Pereira

Aquilo que para nós foi sucata sem valor, foi classificada Monument Historique pelos franceses em 31-12-2002, o que garante a sua preservação.


A "Castella Cigars" numa coleção de 30 cromos que editou, intitulada In search os Steam publicou uma imagem desta locomotiva em pleno funcionamento.

Coleção: Carlos Pereira

A cor original da locomotiva era preta. Desconheço se a locomotiva foi pintada de verde ainda na vigência da CP ou se foi uma pintura posterior. 

Como dizia a minha avó, "o lixo de uns é o tesouro de outros". É uma pena que, no que toca a comboios, sejamos sempre os "uns" e nunca os "outros". Resta-nos a consolação de saber que está em boas mãos, a locomotiva que tantas vezes cruzou a nossa terra e tantos vouzelenses transportou.

segunda-feira, julho 01, 2013

Pensão Jardim


13-08-1955
Querida Avó e Pai
Saúde. A viagem foi boa; boas companhias e grande recepção na estação.
A cruz assinála o nosso quarto. Todos bem dispostos. Saudades em casa do Tio, beijos aos miúdos, um abraço da mãe e outro da vossa neta e filha.

terça-feira, junho 25, 2013

Isto também nos diz respeito: Iniciativa cidadã europeia faz recuar privatização da água


"Um milhão e meio de assinaturas de cidadãos e cidadãs de sete países europeus puseram Bruxelas em sentido: o comissário para o Mercado Interno, Michel Barnier, anunciou que a directiva (...) os planos para legislar sobre a liberalização do abastecimento de água seriam alterados para dar satisfação aos peticionários" (texto completo).

É dos assuntos do momento, daqueles que nos podem entrar pela porta dentro sem haver convite, sobretudo num tempo em que se rapa o fundo ao tacho e se procuram todas as moedinhas que ficaram no fundo dos bolsos. Por isso, convém estarmos atentos. Sobre o que se preparava, já aqui tínhamos falado. Agora, depois desta primeira vitória, é importante que a União Europeia assuma a água como um património público que não pode estar sujeito aos "caprichos" do mercado. Para isso, ajuda assinar esta petição. Isto, diz-nos respeito. 

segunda-feira, junho 10, 2013

Estratégias de propaganda

A D. Otília e o senhor Augusto, como eram carinhosamente tratados os proprietários da Pensão Jardim. Foto retirada do album do neto, João Miguel Ferreira.

Tudo se passou em 1958. Nas eleições presidenciais, Humberto Delgado conseguiu o apoio unânime da oposição e alimentou esperanças de mudança. "Obviamente, demito-o", respondeu, quando interrogado sobre o futuro que reservava a Salazar e o povo acreditou. Centenas de milhar de pessoas sairam às ruas em míticas manifestações em Lisboa e no Porto e, um pouco por toda a parte, organizaram-se apoios. O regime reagiu como sabia: com Américo Tomás e cacetada. Coragem e astúcia eram, então, requisitos obrigatórios, para os que ousavam resistir.

Augusto Lourenço Ferreira, que foi mestre na arte de sapateiro, mas que decidiu investir economias na construção da Pensão Jardim, era um homem forjado nos conflitos da primeira República. Viveu a sua queda e a ascensão dos novos poderes a partir do 28 de Maio, assistindo ao desfile de conterrâneos que, orgulhosamente, publicitavam a pertença à Legião Portuguesa de peito feito e farda engomada. Abra-se, a este respeito, um parêntises e, à laia de desabafo, refira-se que até o campo das Chãs esteve quase transformado em carreira de tiro, para que os garbosos "soldados" afinassem a pontaria na luta contra os "inimigos da Nação", que é como quem diz, aqueles que não afinavam pela cartilha oficial. Certo, certinho é que todos acabavam por ir molhar a goela à loja que ocupava as traseiras da pensão, onde o senhor Augusto, por insondáveis motivos alcunhado de "o Polícia", aviava copos de branco e tinto e alguns petiscos, sem fazer distinções a clientes da situação ou do "reviralho".

Em 1958, Augusto Ferreira apoiou Humberto Delgado. Como de costume, a campanha foi desigual. À quase clandestinidade a que, mesmo em período eleitoral, era remetida a oposição, respondia o regime com a máquina organizada da polícia e de grupos de zelosos "funcionários" que, às claras, distribuíam a propaganda do candidato oficial. Os homens percorriam todo o concelho, distribuinado os papelinhos da "verdade portuguesa" a gente que reunia os requisitos para se pronunciar sobre os destinos da Pátria. A coisa dava sede. E assim, lá iam eles, quando o percurso o proporcionava, encostar a barriga ao balcão do senhor Augusto.

Foi aí que sobressaiu o engenho do velho republicano. A campanha decorreu num mês de Maio que a memória regista mais fresco do que o normal. Mas falamos de um tempo em que a perceção das distâncias dependia da força das pernas e os cães investiam sobre mensageiros que se aproximassem dos portões das propriedades, fossem carteiros ou propagandistas do regime. Ora, é saber antigo que o vinho mata sede, dá forças e arriba o ânimo. Conhecedor de gentes e costumes, o senhor Augusto tratou de encher o copo, mal  avistou o homem da propaganda à porta da loja. Deve ter ido de um trago, adornado com estalo de língua e pancada firme no tampo do balcão. "Bote outro"! Claro que sim. E mais outro e ainda outro, estimulados pela frescura do vinho e por conversa animada. Nada de política. Talvez futebol e do nacional, porque os locais tinham ido levar seis a Vale de Açores, o que não era assunto que se quisesse. E o homem da propaganda lá foi esvaziando um atrás do outro, animado pelo verbo solto e pelos calores que começava a sentir. Tirou o casaco e atirou-o para cima do balcão. "Olhe que o suja. Dê-o cá que lho penduro em local seguro". E assim fez, o senhor Augusto, levando-o para o fundo da loja, aproveitando para trocar os panfletos da distribuição, por outros a favor do general. Missão cumprida, o homem da propaganda lá foi despachado à sua vida. A propaganda foi entregue, mas a mensagem era outra.

De muito do que então se passou, reza a História. Com a oposição impedida de controlar o escrutínio, Américo Tomás foi declarado vencedor com mais de 70% dos votos. Nem Salazar acreditou, apressando-se a mudar o sistema eleitoral para a presidência da república. Humberto Delgado foi, a partir de então, um pesadelo que perseguiu o ditador. Do que poucos souberam, foi do contributo de uns tantos copos de verde, fresco e do engenho de Augusto Lourenço Ferreira.

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Pode ser aqui consultada uma breve cronologia dos principais acontecimentos políticos de 1958.
A imagem da propaganda de Américo Tomás foi  retirada de Ephemera

segunda-feira, maio 20, 2013

As sementes... do futuro


Não experimentem lá em casa, mas podem ter a certeza de que, quando alguém se está a afogar, dificilmente presta atenção às características da vegetação das margens.  Náufragos que somos, nestes tempos de águas agitadas e correntes fortes, sem referências nem boias de salvação, esbracejamos tentando manter a cabeça à tona, esgotados. Mas, algo se passa nas margens. Não estivéssemos demasiadamente cansados e perceberíamos o riso de gozo de quem parece deliciar-se enquanto nos afundamos.

Bruxelas prepara-se para regulamentar a troca de sementes. Isso mesmo. Algo que resulta da adaptação do homem ao meio, através de milhares de anos de experiências e que, como tal, é património da humanidade, pode ser limitado pela exigência de registo de patentes. A consequência prática duma medida destas seria (está a ser!), não só, a perda das espécies tradicionais, como a limitação do comércio de produtos aos que resultem das sementes patenteadas. E quem são os detentores dessas patentes? As grandes empresas agro-químicas, pois claro.

Já em 1984 a FAO calculava a perda da biodiversidade agrícola em todo o mundo, em cerca de 75%. "Até os anos 70, quando a agricultura industrial tomou o globo, cada espécie de planta tinha milhares ou mesmo centenas de milhares de variedades, nalguns casos cultivadas só por uma família. Na altura na Índia existiam perto de duas centenas de milhares de variedades de arroz. Hoje, apenas quatro variedades de arroz alimentam a maioria da população humana e na Índia estima-se que sobrem talvez 10% das variedades tradicionais" (Quercus). Se, durante algum tempo, tudo resultou do poder económico das grandes empresas e do modo como dominaram o mercado, a regulamentação que se anuncia representa uma clara interferência da União Europeia, tomando partido e assumindo um frete ao lado mais forte desta contenda.

Mas, há mais. Acrescentem-se as manobras pouco claras em que Bruxelas tem entrado para promover a privatização da  água, veja-se a regulamentação já existente sobre diversas espécies, recordemo-nos do que esteve quase, quase quanto aos pesticidas e facilmente concluímos que a tal bandeira em prol do "comércio livre" foi remetida para a dispensa da história e que a União Europeia está apostada em facilitar uma monumental concentração de riqueza nos "bolsos" de alguns grupos e de alguns países. E quando lhe disserem que os sacrifícios que lhe estão a exigir são "inevitáveis"; que a privatização das "jóias da coroa" são caminho obrigatório para pagar a dívida... pense nisto. Não querem discutir o "pós-troika"?

segunda-feira, maio 06, 2013

O homem dos trocos

Retirado do Almanach Silva

Andava o mundo às avessas lá pelos idos de 40, quando um metal trouxe uma súbita ilusão de abundância a tempos de fome e de medo: o volfrâmio. As carências no mais elementar, conviviam com o exibicionismo dos que acendiam charutos com notas de conto; as angústias da guerra e do racionamento contrastavam com o desfile de enfeites de ouro e automóveis de encher o olho.

Foi então que por aqui houve um homem, comerciante de fazendas e grande tocador de rabecão, que por ter ouvido educado e tato apurado, rapidamente se adaptou às vibrações dominantes.  Dinheiro, ou não havia, ou havia do grosso, coisa complicada quando apenas se pretendia pagar meio quartilho de vinho e umas lascas de presunto.  Faltavam trocos. Ora, como qualquer bom negócio deve responder a necessidades assumidas, não hesitou o nosso tocador de rabecão: trocava por miúdo, o dinheiro graúdo dos outros. Com um pequeno pormenor: nunca tinha a conta certa. “Teria muito gosto em trocar-lhe essa nota de quinhentos, mas só tenho quatrocentos e oitenta”. Quem se preocupava com ninharias quando a fortuna estava à distância dumas pazadas de terra? “Venham de lá esses quatrocentos e oitenta e fique com os vinte por conta do favor que me faz”. Sim, era isso, uma  paga por serviços prestados, ou, se preferirem, uma espécie de taxa de câmbio entre o mundo dos ofuscados pelo brilho das pedras e a baça existência dos simples mortais.

quinta-feira, maio 02, 2013

A vitória das abelhas


"Três pesticidas vão ser proibidos na União Europeia devido às evidências científicas de que causam a morte das abelhas. Portugal foi um dos países que votou contra, mas a proposta acabou por ter o apoio de 15 dos 27 estados-membros"- Euronews.

Já há muito se sabe que a União Europeia tem as costas largas. Já há muito se sabe ser altamente suspeita a atitude de vários supostos representantes portugueses lá nas cúpulas europeias. Mas, de uma vez por todas, convém que as suas atitudes sejam denunciadas.

Desta vez, tratou-se da proibição de alguns dos pesticidas que  causam a morte das abelhas, situação que, relacionada com outras ameaças, está a ter consequências graves em várias espécies polinizadoras. De acordo com aquela mediocridade a que já nos habituamos vinda do tal "círculo vicioso da governação", a posição portuguesa era a de "empurrar o problema" sem qualquer decisão, mas, claro está, justificando a inoperância com estilo, à imagem  das gravatas do Dr. Paulo Portas: "É nosso entendimento que deve ser dada continuidade aos trabalhos já em curso com vista à consolidação dos princípios e orientações técnicas de avaliação do risco e tomada de decisão relativa aos efeitos dos produtos fitofarmacêuticos em abelhas e, ainda a revisão científica dos protocolos de ensaio de toxicidade de produtos fitofarmacêuticos sobre abelhas, incluindo outros polinizadores, de modo a melhor aferir dos efeitos tóxicos agudos, e subletais destes produtos e dos seus resíduos" (ver aqui)É a tal história do país engravatado de que falava o O'Neill... Na realidade, o que estava em causa era enfrentar empresas como a Bayer (alemã) e a Syngenta (Suíça).

O final da história acabou por se traduzir numa vitória (provisória!) das abelhas e de todos nós. Esperamos para ver quanto tempo vai demorar a transposição da diretiva para a legislação nacional...