O homem dos trocos
Retirado do Almanach Silva
Andava o mundo às avessas lá pelos idos de 40, quando um metal trouxe uma súbita ilusão de abundância a tempos de fome e de medo: o volfrâmio. As carências no mais elementar, conviviam com o exibicionismo dos que acendiam charutos com notas de conto; as angústias da guerra e do racionamento contrastavam com o desfile de enfeites de ouro e automóveis de encher o olho.
Foi então que por aqui houve um homem, comerciante de
fazendas e grande tocador de rabecão, que por ter ouvido educado e tato
apurado, rapidamente se adaptou às vibrações dominantes. Dinheiro, ou não havia, ou havia do grosso,
coisa complicada quando apenas se pretendia pagar meio quartilho de vinho e
umas lascas de presunto. Faltavam
trocos. Ora, como qualquer bom negócio deve responder a necessidades assumidas,
não hesitou o nosso tocador de rabecão: trocava por miúdo, o dinheiro graúdo
dos outros. Com um pequeno pormenor: nunca tinha a conta certa. “Teria muito
gosto em trocar-lhe essa nota de quinhentos, mas só tenho quatrocentos e
oitenta”. Quem se preocupava com ninharias quando a fortuna estava à
distância dumas pazadas de terra? “Venham de lá esses quatrocentos e oitenta e
fique com os vinte por conta do favor que me faz”. Sim, era isso, uma paga por serviços prestados, ou, se
preferirem, uma espécie de taxa de câmbio entre o mundo dos ofuscados pelo
brilho das pedras e a baça existência dos simples mortais.
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