(O pardal voou a partir daqui) Portugal assistiu à radicalização das formas de protesto sobre questões ambientais. Lutando contra os produtos transgénicos, cerca de uma centena de activistas de um movimento denominado “Verde Eufémia”, invadiu uma propriedade em Silves e destruiu perto de um hectare de milho geneticamente modificado.
O tom geral da notícia, difundida pela comunicação social, era de espanto e de choque. Ao fim e ao cabo, é saber de ciência certa que somos um povo de “brandos costumes”. Depois, onde está o folclore habitual neste tipo de acções, coisas bonitas para televisão ver, com bombos e sardinha assada, discursos e queixas para as instâncias internacionais? Caramba, foi logo a “arrear”, invadindo propriedade privada, sem dar hipótese ao “funcionamento das instituições”…
No entanto, quem quiser analisar os acontecimentos sem preconceitos ou hipocrisia, percebe que, pela primeira vez no nosso país, fomos confrontados com a verdadeira essência da luta ambiental: a ditadura dos interesses privados fere de morte o interesse colectivo.
Limitando-nos ao tema da discórdia, temos que reconhecer que a própria atitude da União Europeia, deixa muito a desejar. Tendo começado por assumir fortes suspeitas sobre os transgénicos, acabou por permitir a sua legalização (em Portugal isso aconteceu em 2005), não porque alguma informação científica tenha posto de lado os receios iniciais, mas pelos ditames de uma estratégia concorrencial com os Estados Unidos. Mantêm-se todas as dúvidas sobre as consequências para a saúde humana e para as culturas biológicas. Tal como o milho, a “instituição” não mostrou ser digna de confiança.
A nível mundial, as preocupações ambientais têm sido “adormecidas” por uma estratégia de “faz de conta” adoptada pelos diversos governos. Quando muito, atitudes mais estruturadas são tomadas a propósito do “negócio verde”, como sucede já com as energias alternativas, sobretudo com o biocombustível. Biocombustível que, longe de ser solução, ameaça criar mais um problema, até pela força que vai dar aos organismos geneticamente modificados, dada a exigência da sua produção intensiva. Ora, por esclarecer continuam as dúvidas sobre a sua ameaça para a saúde de todas as formas de vida, que não são protegidas pelos muros de uma qualquer propriedade. Privada. Até porque “o primeiro milho é dos pardais” que, tal como o ambiente, não têm fronteiras, nem aceitam dono.
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PS: Significativamente, os comentários a estes acontecimentos, desde o ministro da Agricultura, até Pacheco Pereira, passando por Vasco Graça Moura, nada avançam sobre as legítimas preocupações com os produtos transgénicos e a total ausência de protecção dos cidadãos face aos interesses a eles ligados. Toda a retórica se limitou à "invasão de propriedade privada". De algum modo, têm razão: é aí mesmo que temos que centrar o debate, sabendo até que ponto os interesses privados podem limitar os colectivos.