quinta-feira, junho 07, 2007

De Heilingendamm ao “fim do mundo”, com uma paragem na Moita

Oliver, Der Standard, Viena

Quando os jornais noticiarem as limitadas conclusões da Cimeira do “G8”, ninguém vai ficar surpreendido. Subordinando as estratégias ambientais à política económica, as principais potências mundiais consideram ainda não estar na altura de passar da mera declaração de intenções. No entanto, é precisamente essa atitude que nos deve (a nós simples cidadãos sem acesso aos centros de poder) fazer tomar consciência de que temos que percorrer, sozinhos, o caminho que nos interessa.

As principais potências económicas e, simultaneamente, principais poluidoras e consumidoras de recursos, têm usado a estratégia da “Maria vai com as outras”: faço se tu fizeres; altero se tu alterares. Quer isto dizer que contabilizam os custos- “estrito sensu”- das alterações necessárias para se reduzirem as emissões poluentes e ajudar a controlar o aquecimento global. Tudo limitado à “economia real”. Como se tornou evidente que não é possível actuar, sem consequências nos actuais padrões de consumo e, consequentemente, sem mudanças nos paradigmas de crescimento, nenhuma arrisca o primeiro passo que inevitavelmente irá afectar o seu potencial competitivo no mercado global.

A própria ONU já se rendeu a esse raciocínio. Depois de ter denunciado as pressões feitas sobre as conclusões dos relatórios científicos, avança agora (Relatório de Banguecoque do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, Maio de 2007) com estudos que quantificam as consequências da aplicação de tais medidas: menos 0,12 por cento do crescimento económico anual. Tratou-se de uma tentativa desesperado para convencer o Mundo (ou quem nele manda) de que é possível reduzir as emissões de dióxido de carbono, sem grandes alterações no modelo económico. Não resultou.

A “inocência” da Europa

Em toda esta história, a União Europeia tem gerido a máscara da inocência. Depois de ter abraçado as modestas orientações de Quioto, contra a oposição dos Estados Unidos, anunciou a redução unilateral, em 20%, das emissões até 2020, e um aumento na aposta nas energias renováveis. O problema é que, para além de se reconhecer já a insuficiência das medidas, insiste-se no erro de pretender que seja o “mercado” a resolver o problema, ou seja, tentando que a sua resolução constitua, ela mesma, uma aliciante área de investimento. É isto que explica a rápida adesão às energias renováveis (que em Portugal, com as eólicas, se arrisca a seguir a metodologia selvagem do alastramento do eucalipto) e vai fundamentar o investimento nos biocombustíveis (que, longe de solucionarem seja o que for, vão criar novos problemas). A aguardar o momento certo para entrar em cena, está ainda a energia nuclear, única com capacidade para dar resposta imediata ao desejo de manutenção do actual modelo de desenvolvimento, conciliando-o com a redução das emissões poluentes. O lobie no interior da UE é de respeito e só o perigo do aproveitamento militar (tanto mais descontrolado quanto mais alargado for) e da ausência de respostas para o problema dos resíduos, pode refrear-lhe os ímpetos.

Limitando-nos ao exemplo português, salta à vista que o entusiasmo se limitou às áreas consideradas como oportunidade de investimento e a campanhas viradas para a alteração de hábitos individuais. Nenhuma medida foi tomada para obrigar a uma maior racionalização do consumo energético por parte das empresas (quando é consensual a existência de um elevadíssimo desperdício), a agricultura começa a ser mera palavra de dicionário (no entanto, não há Alqueva que valha às culturas de regadio), pouco ou nada está a ser feito, de forma estruturada, para alterar técnicas e materiais de construção e ninguém fala na necessidade de privilegiar o transporte colectivo ao individual (e, no primeiro, privilegiar o comboio).

A importância da mobilização local

De tudo isto resulta a noção de que a corda irá ser esticada até ao limite, jogando-se com a geografia e os tempos da catástrofe iminente. Os países tropicais vão ser (já são) os primeiros a sentir-lhe os efeitos (embora também sejam a “pátria” das florestas que representam cerca de 65% do potencial de absorção de CO2). Na Europa, os países do Sul podem ter, já dentro de uma década, reduções dos caudais dos rios superiores a 20%. As consequências negativas para os cidadãos são óbvios, mas isso não representa, imediatamente, a necessidade de uma revolução na economia- nem o “fim do mundo” é igual para todos.

Quer isto dizer que a estratégia a ser adoptada pelos governos, depende muito da pressão que sintam por parte da opinião pública. Ora, é precisamente aí que temos um longo caminho a percorrer. De facto, os problemas ambientais nunca marcaram “agenda”, sendo matéria ausente do discurso da maior parte dos partidos portugueses, sobretudo dos maiores. Quanto às organizações ambientalistas, hesitaram demasiado tempo entre a afirmação de uma imagem de credibilidade científica e o reconhecimento da importância da estratégia política. Daqui resultou uma reduzida capacidade de mobilização, limitando-as aos recursos às instâncias internacionais e ao papel (muitas vezes simbólico) de emissores de pareceres técnicos. Resta a mobilização local dos cidadãos em torno de problemas concretos de ordenamento do território ou de defesa de recursos, caminho que tem tanto de eficaz quanto de difícil.

Quando, recentemente, os habitantes da Várzea da Moita decidiram participar activamente no debate em torno de uma revisão do PDM que “cheirava a esturro”, começaram por ser encarados com alguma doze de simpatia paternalista. Os jornais de grande tiragem até divulgaram algumas iniciativas e houve um ou outro apontamento na televisão. Quando se percebeu que, afinal, os cidadãos da Moita não se iam limitar a uma ou duas manifestações folclóricas e, pelo contrário, revelavam capacidade para organizar uma das mais bem sucedidas iniciativas de participação directa que já houve no nosso país, foram alvo de um boicote informativo generalizado. Não esmoreceram e, aplicando o princípio de que “quem não tem cão, caça com gato”, usaram a blogosfera, o contacto via correio electrónico e conseguiram criar uma rede de solidariedade. A estratégia foi simples: limitaram-se a chamar a atenção para o facto dos problemas que estavam a viver serem iguais a muitos outros que atravessam todo o território nacional. O resultado foi a ruptura do bloqueio e... uma inspecção da Polícia Judiciária à Câmara Municipal.

É com exemplos destes que temos que aprender. São exemplos destes que precisamos multiplicar.
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PS: Dezanove dias depois da principal iniciativa do Movimento de Cidadãos da Várzea da Moita, eis que a "cortina" se abre e a comunicação social olha, a sério, para as denúncias feitas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Vê lá se escreves textos mais pequenos pq não há concentração para tanta teoria:)) O caso da Moita é um exemplo em que interessa mesmo reflectir. Bom exemplo.