terça-feira, março 13, 2007

Ampliação da Avenida João de Melo? Por favor, estejam quietos

Foto 1: Manhã de Domingo no limite da Avenida João de Melo
e no início da Praça da República.
À esquerda, a casa da "discórdia" (foto de Guilherme Figueiredo)

A Câmara Municipal de Vouzela vai “voltar à carga” com a ampliação da Avenida João de Melo. Já anunciada em 2004, a “obra” parecia ter sido abandonada por falta de verba. Afinal, talvez animados com os últimos “cêntimos” que se esperam da Europa, tudo indica que os responsáveis autárquicos voltem a colocar o projecto na ordem do dia.

Diga-se, desde já, que não faz qualquer sentido: não contribui para “arrumar” a imagem de uma zona central (e cada vez mais desleixada) da vila, não melhora a circulação e não parece ter outra justificação que não seja apoiar jogadas de especulação imobiliária. Mais uma vez, comete-se o erro de confundir “desenvolvimento” com construção, sem qualquer ideia sólida que motive a permanência das pessoas no Concelho. Se a população diminui e existe (se é que existe...) falta de habitação, é porque se estão a abandonar outros edifícios que justificavam restauro, com consequências inevitáveis na ocupação do solo e na descaracterização da paisagem. De acordo com os dados do último censos (cobrindo o período que vai de 1991 a 2001), a população de Vouzela diminuiu de 12240 habitantes para 11916 (11879 em 2006), enquanto, no mesmo período, se construíram mais 1199 edifícios, a maioria dos quais para habitação. Mas, vamos por partes.

Foto 2: A casa por onde se pensa "furar" a ampliação da avenida

(ver aqui as imagens originais)

O que se diz querer

Concretamente, pretende-se aumentar a Avenida João de Melo, abrindo uma passagem pelo espaço da casa (ver Foto 2)) onde durante anos esteve o fotógrafo, a sede do PSD e, actualmente, está uma “loja chinesa”. Quando a ideia foi apresentada, falou-se na necessidade de dar outra “dignidade” à Igreja da Misericórdia, o que, pelo que parece, seria conseguido com a abertura de uma rua ao seu lado. Mas também se foi dizendo, embora sem grandes pormenores (veja-se o “Notícias de Vouzela” de 12 de Março de 2004), que era preciso aumentar a construção no centro da vila... Na altura, o Presidente da Câmara, Telmo Antunes, anunciava o seu plano de acção, “ameaçando” deixar marca para os vindouros: “(...) quaisquer que sejam os protagonistas políticos no município de Vouzela, vão ter que seguir a minha estratégia, pois penso que é a mais adequada e concertada para o desenvolvimento harmonioso do concelho”.

Foto 3: Assinalado com o nº 1, está o prédio do "Notícias de Vouzela".

Com o nº 2, um edifício que, apesar de dominante, se encontra, hoje, em acentuada degradação

O que se não quer dizer

Ora, salvo melhor opinião, nem “dignidade”, nem “harmonia”, nem utilidade, são características deste projecto. Desde logo, porque será uma rua para “parte alguma” o que, independentemente da carga poética que possa ter, só pode ser justificado com o interesse, pouco poético e nunca assumido, de urbanizar terrenos na continuação da Av. João de Melo, até à variante, acabando, de vez, com qualquer hipótese de recuperação do Largo do Convento e até com a justificação do nome (já não tinha memória do convento e deixa de ser “largo”). Depois, porque se aceitarmos como verdadeiro o propósito de dar maior destaque ao monumento, a medida faz quase tanto sentido como mandar demolir o último piso do prédio do “Notícias de Vouzela”, esse sim, com impacto evidente (ver Foto 3, ponto 1). Aliás, se querem obra “digna”, resolvam de uma vez por todas o problema em torno da casa que foi do Dr. Gil (Foto 3, ponto 2), cada vez mais degradada e que muito contribui para o ar de abandono, de desleixo, que actualmente caracteriza a Praça.

O que pode acontecer

Numa época de grande “fé” em “desenvolvimentos”, alterou-se o arranjo da Praça da República, retirando o separador arborizado que ali existia. A circulação automóvel ainda não tinha atingido o caos actual e não era imaginável que alguma vez atingisse, mas aí começou a morte de uma “praça”. Hoje, um dos maiores problemas daquela área e de todo o centro apelidado de “histórico” é, precisamente, a completa desorganização da circulação e do estacionamento automóvel que urge disciplinar com alternativas credíveis, talvez limitando a Rua Conselheiro Morais Carvalho a um único sentido (ascendente) e melhorando a oferta de transporte público para a ligação entre as freguesias (e, desse modo, ganhar argumentos para outras medidas mais restritivas). Claro que sobre isto ninguém fala e, quando falarem, à laia de faz de conta, será muito mais fácil penalizar o “elo mais fraco”, espalhando parquímetros a granel, até porque, segundo consta, os cofres da Câmara andam algo vazios...

A ampliação da Avenida João de Melo, longe de contribuir para a resolução deste problema, vai agravá-lo. Se a nova artéria tiver dois sentidos, cria-se um cruzamento absurdo, e um significativo aumento do trânsito naquela área. Em antevisão, já se pode imaginar, daqui a uns tempos, haver necessidade de controlar o caos através do recurso à tradicional rotunda que, propõe-se, deve ser baptizada com o nome do actual Presidente da Câmara. Para que ninguém esqueça...

Mas, admitindo que o previsto acrescento vai ter sentido único, então o seu o objectivo é claro: facilitar o acesso a novas zonas que se pretende tornar urbanizáveis, até à variante. Ora, continuar a construir naquela área, para além dos problemas inevitáveis com o aumento do índice de ocupação, vai alterar toda a organização dos espaços que, curiosamente, até estão classificados como “históricos”. Só que tal classificação não deve estar relacionada, apenas, com a idade dos edifícios. Tão importante quanto isso, é o modo como se foi desenhando o crescimento da localidade, reflectindo a organização e o modo de vida das pessoas ao longo dos tempos. O desenho em que Vouzela baseou o seu crescimento, caracterizava-se pela existência de praças, largos, terreiros, como pontos de confluência das diversas artérias. Eram os “centros económicos”, elementos reguladores da relação com as áreas rurais envolventes, normalmente associados à realização dos mercados e, consequentemente, locais privilegiados de convívio. Claro que nada disto faz sentido na perspectiva da especulação imobiliária, muito mais interessada na rua contínua e na desvalorização do espaço público. É isto que vai acontecer com a ampliação, é isto que importa denunciar.


Tem havido uma relação difícil entre o poder autárquico e aqueles que são os principais recursos do Concelho, nomeadamente a paisagem. Optou-se por embarcar na tendência nacional da “política do cimento”, até agora estimulada pela Lei das Finanças Locais e de que apenas resultou uma ocupação desordenada dos solos, o agravamento da deterioração dos recursos hídricos e a constante ameaça da descaracterização da paisagem que, apesar de rica, começa a apresentar “brechas” perante a dimensão dos ataques. Contam-se pelos dedos de uma só mão (sejamos optimistas...), as obras que souberam integrar-se e acrescentar algo ao que já existia. Perante isto, começa a ser tempo de mostrar aos “responsáveis” que há uma “opinião pública”, que há uma consciência sobre a importância do património colectivo e que, perante a falta de ideias que os caracteriza, o melhor que têm a fazer... é estarem quietos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Há dias foi noticiado o caso da Cidade judiciária que, devido ao erro da ministra da altura, vai obrigar o estado a compensar a construtora. O IP5 matou centenas de pessoas devido a um traçado que desde o início se sabia ser errado. Anos mais tarde, foram gastos milhões para corrigir o erro e construir a A25.
Se o caso que contas se confirmar é apenas mais um em que se usam dinheiros públicos indevidamente e se calhar, em benefício de interesses privados. Enquanto não for possivel responsabilizar directamente os titulares de cargos públicos, é muito dificil travar situações destas.

Aladdin Sane disse...

Apoiadíssimo, ZB! Quando passo em Vouzela, impressiona-me o centro da vila, onde se respira um certo ar de "antigamente"... apesar da degradação de alguns edifícios. No ano passado andei durante uma hora pelas ruas do Centro e gostei da "familiaridade" que por ali encontrei. Reabilitar os edifícios mais necessitados seria uma solução, claro... mas o imediatismo, o lucro fácil resultante da falta de "packa" leva ao projecto que descreve.

(Tondela vai-se tornando um "oásis-parquímetro-free", já que até vilas bem mais pequenas que Tnd optaram por essa via).

augusto rodrigues disse...

Nenhum país, nenhum povo, nenhuma terra, nenhum indivíduo, conformados com os seus destinos (mesmo quando impostos por alguém que ocupa temporariamente as cadeiras do poder)podem mudá-los.
A indiferença é mal antigo, a acomodação também e é sempre de recordar o poema de Sophia de Mello Bryner Andersen:
"Vemos, ouvimos e lemos/ Não podemos ignorar".
Por isso o meu aplauso para as opiniões aqui expressas que se opõem a este verdadeiro absurdo que
só(?)serviria para delapidar dinheiros públicos que todos (?) sabemos serem escassos.
Se há possibilidade de candidaturas
a fundos comunitários que estes sejam encaminhados para a recuperação de património arquitectónico com qualidade, que está em degradação, de que é exemplo chocante a casa que foi do sr. Dr. Gil Cabral. Não pode haver burocracia que o impeça.
Por isso, mesmo que contra a corrente, mesmo que correndo riscos, vale sempre a pena não nos conformarmos.
Força Vouzelenses.
Augusto Rodrigues