quarta-feira, março 07, 2007

A vingança dos putos

La sonnette, Doisneau

Foi mais ou menos como o miúdo que deita a língua de fora no momento decisivo do retrato de família. Num estudo da responsabilidade da Unicef, as crianças portuguesas revelaram ser das mais infelizes dos países analisados (OCDE). Incrível. Andam os papás a dar forte e feio nas respectivas carreiras, a comprarem as “game box” topo de gama, a berrarem por escolas com prolongamento de horário, mais o Inglês às segundas, quartas e sextas, a natação às terças, quintas e sábados, mais os “Tempos Livres”, o “Campo Aventura” nas férias, a “Quinta Pedagógica” aos fins- de- semana... e os malandrinhos não só não agradecem, como ainda borram a pintura toda nas instâncias internacionais. Não querem lá ver que os ranhosos dos putos se calhar preferiam apropriar-se da rua, subir às árvores, mergulhar nos rios, roubar fruta, sem mestre nem horário...

Vamos por partes que o assunto é sério. Ao contrário do que é habitual, o estudo não se limita às carências económicas. Desta vez foram mais longe e deram “tempo de antena” à rapaziada. E eles aproveitaram: que até falam com os papás (Portugal obteve o segundo melhor resultado na relação familiar e com os amigos), tomam refeições em conjunto, comem a sopinha toda… mas são infelizes. Mexem-se pouco, são gordos, sentem-se desajeitados, deslocados e não morrem de amores pela escola (apesar de ser dos países com maior percentagem de respostas favoráveis à instituição...). Claro que o estudo é mais completo, avaliando o “bem-estar material”, “saúde e segurança”, “educação e bem-estar”, “família e relação com os pares” e ainda, “comportamentos de risco”. Exceptuando o que diz respeito à “família e relação com os pares” (2.º lugar, atrás da Itália), as classificações de Portugal são modestas em todos os campos, limitando-se a um 17.º lugar na média do conjunto das avaliações, entre 21 países (atrás de nós, ficaram a Áustria, Hungria, Estados Unidos e Reino Unido). Mas é na avaliação do que os autores chamam “bem-estar subjectivo”, que os resultados me parecem mais interessantes. É aí que a rapaziada mostra o modo como percepciona a sua própria realidade e, se a opinião manifestada é mais benévola do que a fornecida pelos restantes números (14.º lugar, à frente do Canadá, Bélgica, República Checa, França, Polónia, Reino Unido e Estados Unidos), o resultado final só pode ser considerado negativo e preocupante.

Calculo que deste estudo venham a surgir novas exigências sobre a Escola, comissões de protecção de crianças e jovens e outros organismos de enquadramento e apoio da infância e juventude, numa desesperada tentativa de disfarçar o indisfarçável: as condições de vida de um número cada vez maior de famílias, empurradas para os subúrbios de cidades onde não têm raízes, condicionadas pela ameaça do desemprego, com restrições crescentes ao usufruto do tempo e do espaço, não são compatíveis com o saudável desenvolvimento das suas crianças e jovens. Mais: não são compatíveis com a existência de qualquer coisa a que se possa chamar família. Fechadas, paradas ou abandonadas (no mais amplo sentido do termo, ou em mil e uma instituições e/ou actividades), elas (as crianças) percebem isso. Pelo menos, sentem-no. Por isso, tremeram a fotografia.
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PS: Este estudo mereceu um significativo destaque do “Público” na sua edição de 15 de Fevereiro. Depois, houve uma referência num dos telejornais. Depois... o silêncio. Hoje, foi divulgado o resultado de um "inquèrito" feito pelo Conselho Nacional de Educação sobre a situação actual do ensino em Portugal. Páginas e páginas sobre a necessidade de alterar a gestão das escolas e, num cantinho, a opinião manifestada pelos jovens, reclamando mais tempo livre (não confundir com "Tempos Livres"). Imagina-se o sorriso complacente dos burocratas, enquanto desabafavam: "São jovens...não pensam".

3 comentários:

odeusdamaquina disse...

Os putos têm razão! Aliás, é preferível ter uma geração cada vez mais insatisfeita, ou des(Satisfeita), como diria o poeta Eduardo Pitta, porque ao menos quer alterar o estado das coisas. Por outro lado, faz parte da nossa maneira de ser de portugueses, que é a de andarmos sempre deprimidos, tristes com o que se passa, pois isso já faz parte do nosso material genético. temos sempre a mania que o que vem de fora é sempre melhor. Seja na TV, nos filmes, no teatro, na roupa, na música, nas escolas. Tudo o que vem de fora serve de exemplo! Por exemplo estes estudos, mais uma invenção de fora, que nos obriga a comparar as coisas. Vamo-nos borrifar para o que os outros dizem de nós, e ser mais felizes como somos! Sem mais!

Zé Bonito disse...

Os putos têm razão e, apesar de quererem, não são felizes. Neste caso, nem somos os piores. No entanto, parece que a miudagem percebe melhor do que os pais que "cidade" enquanto ideal, evolução idílica da polis, "foi chão que deu uvas".

spring disse...

olá

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paula e rui lima