quinta-feira, outubro 09, 2014

500 anos do foral manuelino de Lafões

Imagem retirada da página do Município de Vouzela no Facebook

"(...) e portanto mandamos que todas as coisas contidas neste foral que nós pomos por lei se cumpram para sempre do teor do qual mandamos fazer três um deles para a Câmara do dito concelho de Lafões e outro para o senhorio dos ditos direitos e outro para a nossa Torre do Tombo para em todo o tempo se poder tirar qualquer dúvida que sobre isso possa sobrevir dada na nossa mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa aos XV dias de Dezembro do ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e catorze (...)"- in, Foral de Lafões 1514, Câmara Municipal de Vouzela, 1997.

No mesmo ano em que se publicou a primeira edição completa das Ordenações Manuelinas (que havia de ter uma versão definitiva em 1521), Lafões via reformadas algumas das diretivas por que se tinha regido até então e aprovado o seu novo foral para regular a vida de todos quantos por estas terras viviam. Todos? Não.  Havia exceções, como as do "lugar do Banho" (Termas), porque, como então se explicava, "particularmente se fará foral do dito lugar e foros dele para ser sempre apartado da dita terra". Assim aconteceu, no ano seguinte. Para além dele, mereciam tratamento especial Calvos, Queirã, Moçâmedes, Oliveira de Frades, o "couto do mosteiro de São Crsitovão" e Alcofra.

D. Manuel I foi o rei em cujo reinado os navegadores portugueses chegaram à Índia e ao Brasil, na continuação do rumo da política expansionista traçado pelo seu antecessor e primo, D. João II. Se a consolidação do império português foi o grande objetivo da sua política externa, o reforço do poder real, através da aplicação de normas unificadoras, fez do seu reinado um patamar importante da construção do Estado moderno. Como exemplo do que dizemos, tanto podemos referir o conjunto das suas "Ordenações" (em que, por exemplo, se generalizava a todo o reino os padrões de pesos e medidas já então usados em Lisboa), como os diversos forais publicados, conhecidos por "Forais Novos". Ao contrário dos primeiros forais, estes mais não eram do que listas de "impostos", coimas e exceções com a preocupação (nem sempre conseguida) de uniformizar.

O foral de Lafões de 15 de dezembro de 1514, é um interessante documento para se compreenderem as relações sociais da época, a vida económica da região e os valores que orientavam a vida dos homens. Fique sabendo que o imposto exigido pela venda de um escravo, era igual ao do negócio de um "cavalo rocim ou égua e de mir ou mula". Quanto às penas aplicadas por  ofensas à integridade física, ficava isenta "mulher de qualquer idade". Contudo... também disso beneficiavam "os que castigando sua mulher e filhos e escravos tirarem sangue (...)". E numa altura em que se tenta dar cobertura legal à apropriação privada dos baldios, talvez valha a pena atender ao que  se dizia sobre o uso das "terras maninhas", permitindo que "os povos ou pessoas a que tocar as podem tomar e destapar e fazer delas livremente o que faziam e converte-las em seus usos e logramento sem mais haverem mester outra autoridade de justiça nem incorrerem por isso em alguma pena (...)" (1).

Em 1997, a Câmara Municipal de Vouzela fez uma primeira edição deste documento que rapidamente esgotou. Para as comemorações do quinto centenário, está prevista nova edição, a não perder por todos quantos se interessam em conhecer os mais importantes mosaicos da nossa história coletiva.
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(1)- A este respeito é interessante a contradição entre o disposto na maioria destes forais e nas "Ordenações", onde aparece uma maior preocupação pelo uso coletivo destas terras (vd., História de Portugal, dir. José Mattoso, 3º vol., pág. 172 )

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