Ainda os projectos de Sócrates: a banalização do desordenamento
Os famosos projectos de engenharia de José Sócrates continuam a dar que falar, pondo a nu o país em que nos tornámos. Se os defensores do primeiro-ministro tentam desviar atenções e vender teorias da conspiração, também os críticos têm "jogado curto", limitando-se, na maior parte dos casos, a uma abordagem superficial da atitude do engenheiro, sem a relacionarem com as práticas que levaram ao generalizado desordenamento do nosso território. Será que por tão frequentes já todos as aceitam?
Em nossa opinião (já aqui publicada no texto “Tens mau gosto, pá”), a atitude de Sócrates merece a condenação pública, independentemente de estarmos a falar do primeiro-ministro e antigo responsável pela pasta do Ambiente- estes pormenores apenas agravam um problema que existe para além deles. Também é condenável, independentemente da atitude intimidatória que ele adoptou para com o jornalista e o jornal que fez e publicou a investigação. Neste caso, estamos perante um segundo problema, tão ou mais grave do que o primeiro.
Temos um país inteiro cheio de marcas de “engenharias” como as de José Sócrates. Elas foram possíveis, devido à indiferença generalizada perante os mais elementares princípios do ordenamento do território e, nalguns casos, ao mau funcionamento (propositado ou não) da fiscalização. Tudo isso num tempo em que o “boom” do imobiliário era a base do nosso crescimento económico, chegando a enquadrar cerca de 30% da nossa população activa, o que lhe permitiu adquirir privilégios em todos os patamares da administração local e central. Já começámos a pagar a factura.
Nos casos dos projectos do engenheiro Sócrates, estamos perante apontamentos mais ou menos isolados, quase só relacionados com habitações individuais. Mas são conhecidos casos mais mediáticos, envolvendo obras públicas, com erros monumentais, cuja solução está a ser paga com dinheiros públicos. A má definição do traçado do antigo IP5 e o metro do Terreiro do Paço são apenas exemplos, a que podemos juntar todas as obras em que, por erros de planeamento e desrespeito de normas, Portugal foi condenado em instâncias internacionais. Ora, esta socialização dos prejuízos de obras que apenas beneficiaram privados, foi o resultado final do mau funcionamento dos serviços, do tornear das imposições legais e de uma concepção de território de que os projectos de Sócrates são um exemplo.
Até agora, nunca vimos pegar o problema por este lado. Tem havido, até, uma espécie de pudor em agarrar no assunto por parte da generalidade dos partidos políticos, contribuindo para o simplismo do “eles são todos iguais”. É como se os problemas do desordenamento do território se tivessem tornado tão banais, que já ninguém liga.
A imagem que ilustra este texto refere-se a uma situação real, aqui de Vouzela. O prédio que parece ser o alvo da locomotiva está construído em cima do que foi a linha do comboio, num contraste chocante com toda a envolvente. Garantem-nos que a Câmara da altura, quando se apercebeu do erro, tentou emendá-lo, estudando a hipótese de indemnizar os proprietários do prédio. Impossível devido aos valores envolvidos. E o prédio lá está e a agressão à paisagem, também. Alguém lucrou, perdemos todos nós. O mesmo dizemos dos projectos de Sócrates.
3 comentários:
O senhor engenheiro tem o maior dos predicado para a política. Falta de vergonha na cara.
Cpts
O caso do Eng.Técnico Pinto de Sousa é o mau exemplo de uma prática que há muito deveria ter sido extinta e que permite aos Engs. e Engs. Técnicos fazer (ou copiar de revistas) e assinar (dos amigos, de desenhadores, de colegas de outras Camaras e até dos próprios proprietários)"projectos" que deveriam ser da exclusividade dos Arquitectos.
Esta situação é vulgar em Vouzela e o resultado está bem à vista.
Obrigado pelos alertas e oxalá não caiam em saco roto.
Vi no telejornal da SIC que foi inaugurado um novo TGV entre Madrid e Barcelona e, pelo facto desta ligação ter ficado concluído fora dos prazos estimados, não houve inauguração oficial.
Mas no metro do Terreiro do Paço e no tunel do Rossio lá estavam os do costume, orgulhosos pelos atrasos e derrapagens que aquelas obras que nós pagámos tiverem. Como dizia o outro "jamais...jamais"
Enviar um comentário