Cem anos de solidão
“(...) Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com factos conhecidos de mais e começou a decifrar o instante que estava a viver, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no acto de decifrar a última página dos pergaminhos, como se se estivesse a ver a si mesmo num espelho falado.”
- Cem anos de Solidão, Gabriel Garcia Marquez
- Cem anos de Solidão, Gabriel Garcia Marquez
Há livros que registamos na memória, não apenas pelo que dizem, mas também pelo momento em que com eles contactamos. Livros que um qualquer acaso permitiu que se cruzassem com a nossa realidade pessoal. “Cem anos de solidão”, que agora comemora os 40 anos de publicação, foi um desses livros. Abri-o nos primeiros dias de um Outubro particularmente chuvoso, de que me lembro do forte cheiro a terra e do verde ainda intenso das videiras. Foi aí que me misturei com as venturas e desventuras de Macondo, de Melquíades, dos Buendia, com o sonho e a ingenuidade dos homens e a lucidez e a bondade das mulheres. À medida que ia avançando naquele mundo fantástico, em que os excessos dos homens se confundem com os do meio, embalado pelo som do gotejar dos beirados, senti-me a misturar a ficção com a minha realidade, nesta terra em que, como diz o “nosso” Manel, “a sabedoria das pedras é tanta que dos homens pouca história reza”. Foi aí, num final de férias, que vi, como nunca tinha imaginado ser possível, que a solidão é o contrário da solidariedade. Foi também aí, que tive a certeza de apenas faltar um Gabriel Garcia Marquez, com o talento necessário para cantar o mundo fantástico das mulheres e dos homens desta minha terra, construído por mouras encantadas e tentações do demo, perpetuado nas pedras, mas guardado nos corações.
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