quarta-feira, maio 28, 2014

Tertúlia de maio: o associativismo


Já faz parte das agendas: na última sexta-feira de cada mês, há tertúlia em Vouzela. Desta vez, é sobre associativismo, hábito de que os mais velhos tinham grande experiência, mas que parece ter perdido força nas últimas décadas.

Na verdade, a esmagadora maioria das coletividades do concelho, nasceram da livre iniciativa de uns quantos, num tempo em que nada havia a esperar dos poderes instituídos a não ser dificuldades. Talvez por isso o associativismo despertasse tantos entusiasmos: contornava a falta de liberdade de organização e de reunião e, muitas vezes, era um pretexto para juntar pessoas e lançar debates impossíveis de fazer às claras. O país está cheio histórias de cineclubes, grupos teatrais, associações culturais de âmbito local, encerradas à força pela polícia e com os seus dirigentes perseguidos e, muitas vezes, presos. Não eram muitos, mas eram bons.

Com a instauração do regime democrático, viveu-se um "boom" de participação cívica em Portugal. No entanto,  ela foi maioritariamente dirigida para os partidos políticos, sindicatos e outras associações profissionais que impuseram uma orientação nacional às suas atividades, secundarizando as particularidades locais. A chegada dos fundos europeus e o modo como foram geridos, institucionalizou o poder de iniciativa, dispensando a participação dos cidadãos progressivamente limitados à condição de consumidores e de eleitores (1).  Se a tudo isto juntarmos o desemprego e o descrédito de alguns dos pilares do regime, facilmente encontramos os ingredientes dum "caldo" explosivo: em Portugal há pouca participação política (ver aqui um estudo da OCDE), baixos índices de sindicalização e, apesar de terem proliferado associações de toda a espécie e com os mais variados objetivos, a intervenção ativa dos portugueses é muito pequena. A significativa adesão às redes sociais e, sobretudo, o que podemos chamar de "militância de Facebook", não compensa o estado das coisas, mais parecendo uma válvula a que se limita a libertação da pressão acumulada.

A nível local tudo isto foi sentido, mas o "caldo" teve dois ingredientes bastante mais corrosivos: o despovoamento e o envelhecimento, ainda por cima, numa altura em que se exigia poder reivindicativo e capacidade de iniciativa para enfrentar os vários ataques que todo o interior tem sofrido.  Que fazer? É esse debate que se propõe em mais uma iniciativa da Associação D. Duarte de Almeida e do Agrupamento de Escolas de Vouzela, ele próprio um exemplo do caminho a seguir: definição de objetivos comuns e respeito por todas as opiniões. Lá estaremos.
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(1)- Mesmo assim, a sua opinião foi dispensada em algumas decisões importantes, como as que tiveram que ver com as opções europeias, o que agravou o sentimento crescente de impossibilidade de influenciar os centros da governação.

quarta-feira, maio 07, 2014

Ideias a propósito de um comboio em miniatura


É o Liliputbahn, um comboio em miniatura que circula  no Prater, uma enorme área de lazer no centro da cidade de Viena, transformada no primeiro parque de diversões do mundo quando o imperador José II, em meados do século XVIII, passou  para o domínio público o que era uma reserva de caça da aristocracia local. A dimensão da sua área verde é impressionante, ainda por cima numa cidade onde elas abundam. Amplos espaços relvados e densamente arborizados fazem do local um destino de eleição para quem queira fazer algum exercício físico, ou simplesmente passear ou preguiçar no centro de uma cidade com 1 milhão e 600 mil habitantes.

Mas, o que por agora nos interessa é o comboio, com as suas locomotivas a vapor e a disel que circula numa linha de bitola estreita ao longo de cerca de quatro quilómetros. É uma atração turística, claro está, mas também um meio de transporte que liga a vários pontos de interesse e a estações de metro, de autocarro, de comboio...

Lembramo-nos dele quando passeávamos entre Vouzela e as Termas pela antiga linha do caminho de ferro: porque não, fazer ali circular o nosso "comboio turístico"? Sim, somos dos que ainda não perderam a esperança de voltar a ver por ali passar um comboio a sério. Mas, para já, aquele "fopinhas" de faz de conta teria a vantagem de evitar o trânsito automóvel, permitindo desfrutar um percurso interessante e oferecendo mais uma alternativa de acesso às duas localidades. Além do mais, não parece difícil compatibilizá-lo com a existência de circuitos pedonais ou para bicicletas. Fica a ideia que veio do centro da Europa, assumindo que aquela história da Câmara de São Pedro do Sul não permitir o acesso do comboio turístico às Termas, não passa de uma piada de mau gosto.

segunda-feira, abril 07, 2014

My name is John e vivo em Real das Donas

Vouzela, Quinta de Cima, Caritel.

Foi durante a tertúlia sobre turismo, organizada pela Associação D. Duarte de Almeida e pelo Agrupamento de Escolas de Vouzela. Cenário: a Casa Museu, ali na Praça Morais Carvalho, passava das nove da noite. António Liz Dias tinha acabado de iniciar a sessão com um conjunto de ideias, daquelas que mostram como é fácil abrir portas que pensamos irremediavelmente fechadas . Passou a palavra. No meio da sala levantou-se uma figura imponente, cabelo branco, que se apresentou com sotaque acentuado: "My name is John e vivo em Real das Donas". E em tudo o que disse, tudo ficou dito. Um verdadeiro programa.

Mr. John, cidadão britânico, escolheu o concelho de Vouzela para viver. Porquê? Foi isso mesmo que ali foi explicar, alargando o âmbito: que é que pode levar alguém, depois de uma vida de trabalho,  a sair de Inglaterra para vir residir neste concelho? Gente com algum dinheiro, a querer saborear até à última gota uma energia que ainda tem e que a rotina do trabalho limitou, mas com a segurança necessária para quem sabe aproximarem-se aqueles anos em que a jovialidade do espírito pode não encontrar resposta à altura nas limitações do corpo.

E Mr. John explicou. Falou do poder de compra, da facilidade de acesso, da existência de serviços de saúde, da simpatia das gentes e, apesar de tudo, do clima. Também elogiou a gastronomia, embora inglês prefira peixe, o que remete para segundo plano este trunfo que gostamos de usar na conquista dos corações dos visitantes. Mas, logo de seguida, avançou com a palavra-chave: "pitoresco". Isso mesmo. O que o turista britânico aqui vem procurar, é precisamente o mesmo que sempre foi elogiado por quem nos visita, descrito desde Ramalho Ortigão a Ferreira de Castro e que, por vezes, parece que só os locais desvalorizam: a paisagem rural, a ligação perfeita entre homem e natureza, com toda a riqueza de cores, de sons, de silêncios. Procuram a variedade que ainda existe na nossa floresta (cuidado com o eucalipto e a monocultura!), o verde vivo das videiras, os socalcos, os muros de pedra, as habitações tradicionais, "o marulho doce das águas", a imponência dos horizontes marcados pelas serras. Procuram, sobretudo, o usufruto de tudo isto. Querem mexer na terra, refrescar-se nas águas, passear pela calma dos bosques, sentir a lentidão do tempo, ouvir histórias antigas, conviver com as gentes. Numa palavra, querem sentir-se em casa.

Quando, em 1978, foi lançada a experiência do Turismo em Espaço Rural (TER), Vouzela foi um dos polos escolhidos, conjuntamente com Ponte de Lima, Castelo de Vide e Vila Viçosa. Não foi por acaso. Considerou-se existir, aqui, o "cenário" desejável à experiência. Ainda existe. Mas... precisa de cuidados. Vouzela tem um número muito baixo de pessoas empregadas no setor primário, tem excessivas "feridas de desleixo" na sua paisagem, tem preocupantes sinais de que, alguns, gostariam que ela fosse outra coisa qualquer. Mas não é "outra coisa qualquer" que procuram os que nos visitam. É tão somente o que somos e temos, aquilo com que a "Mãe Natureza" nos brindou e de que os nossos antepassados cuidaram. Nada de novo. Recordem-se os projetos turísticos que foram idealizados nos idos de 70, de 60, de 50... Recuem até aos finais dos anos 20, quando Vouzela pediu a certificação com "estância de turismo" e vejam o que era privilegiado na divulgação feita pela Comissão de Iniciativa. Sim, sempre por aqui houve quem soubesse que trunfos temos para jogar. Com todas as deficiências e hesitações, hoje temos mais: temos a população mais escolarizada que alguma vez tivemos, grande ajuda para que o "estrangeiro" se sinta em casa. Assim lhe saibam dar uso.

Naquela noite de 28 de março muito mais houve para contar e registar: o saber de experiência feito da  anfitriã, Celeste Carvalho; a confiança no futuro de vários investidores; a tenacidade e o excelente trabalho do único produtor de vinho de Lafões, António Costa; a vontade da nova equipa de vereadores em dialogar e mostrar serviço. De tudo isso deu conta o "Notícias de Vouzela". Pela nossa parte, quisemos dar todo o protagonismo a Mr. John. O homem que nos veio mostrar, com clareza, aquilo que sempre esteve à frente dos nossos olhos e que, talvez por isso, nem sempre temos facilidade em ver. Thank you, Mr. John.

terça-feira, abril 01, 2014

Lafões: unir sem fundir


Sabemos que Lafões já foi apenas um concelho, fará sentido voltar a sê-lo? A meu ver, talvez não. Mas de algo não haverá dúvidas: é que, definitivamente, Lafões deverá tornar-se numa região unida através de objetivos comuns e complementares. Lafões, como região, precisa de renascer, condição necessária para revitalizar marcas comuns, como a vitela e o vinho, que estão a definhar. Há um declínio de uma região formada por três concelhos que estão (e desde que me lembro, sempre estiveram) de costas voltadas uns para os outros. 

As pequenas "guerrinhas" têm de ser, de uma vez por todas, postas de parte. A região de Lafões precisa de se posicionar e ganhar importância no país, na europa, no mundo! As exigências atuais assim o ditam. Para tal é premente adotarem-se políticas comuns, de intermunicipalidade, de distribuição estratégica de infra-estruturas e serviços pelos três municípios,  até- porque não?- um programa de ordenamento e planeamento do território comum. Os três concelhos são muito semelhantes em variados aspetos. A paisagem é o que os une. Vamos de Oliveira para São Pedro, passando por Vouzela, e há uma continuidade harmoniosa da paisagem: os núcleos urbanos, redes de comunicação, usos do solo e até ao carácter biofísico e orográfico de todo o território partilham do mesmo espaço sem chocar uns com os outros. Há uma união na paisagem que precisa de ser reforçada com uma união mais pragmática e programática.
Já Alexandre Cancela d’Abreu e outros autores, numa obra em que definem as Unidades de Paisagem de Portugal Continental, definiu a região de Lafões como um território muito marcado e definido, de características muitos semelhantes entre os três concelhos que o compoem, e com grande valor paisagístico - devido à, ainda, pouca destruição da paisagem.

No entanto, penso que os municípios devem manter, cada um,  a sua independência. É certo que Lafões já foi concelho. Mas não fará sentido recuarmos no tempo. Mesmo que exista uma estratégia comum é necessário cada concelho, individualmente, fixar as suas metas, garantido uma posição marcada face aos vizinhos.

Já diz a canção, "Lafões é um Jardim....".  E não pode estar cada um, solitariamente, a cuidar do seu próprio canteiro. Há que construir um jardim comum! 

quinta-feira, março 20, 2014

E no entanto, a primavera chegou

Coro da primavera, José Afonso

terça-feira, março 18, 2014

Turismo: que fazer?

Já faz parte do calendário: na última sexta feira de cada mês, a Associação D. Duarte de Almeida e o Agrupamento de Escolas de Vouzela propoem um tema de reflexão aos vouzelenses. O próximo é sobre o turismo, esse objetivo que sempre tivemos no horizonte dos nossos desejos, mas que, por um motivo ou por outro, nunca alcançamos satisfatoriamente. Que fazer? É isso mesmo que nos propomos debater no próximo dia 28 de março, pelas 20.30 horas, no ambiente acolhedor (e inspirador) da Casa Museu. A não perder.

domingo, fevereiro 23, 2014

Água de fevereiro, enche o celeiro

 Doisneau

"Vale mais no rebanho ter um lobo, que mês de fevereiro formoso".

São curiosos, os ditados populares. Criados num tempo de grande dependência dos homens em relação às atividades do setor primário, registavam observações de muitos anos sobre as consequências dos ditames de uma natureza de que dependiam em absoluto, transmitindo esse conhecimento e alertando para a diferença entre o parecer e o ser. Hoje, perdeu-se muito desta memória e da natureza quase só nos lembramos quando nos entra pela casa dentro em avalanches de imagens aterradoras, normalmente pondo a nu a ignorância dos homens.

Mas, apetece-nos recorrer aos ditados populares para algo mais do que prever como irá ser o ano agrícola. É que, bem sabemos não necessitarmos de chuvas e ventos fortes para sentirmos que o temporal desaba sobre nós. E Fevereiro aí esteve, feio como os trovões, a inundar-nos de água e más notícias. Desta vez foi a confirmação do encerramento do tribunal, transformado numa coisa que não se sabe muito bem o que seja. Nada de totalmente inesperado, mas uma machadada mais na nossa já debilitada autoestima.

Tal como todo o interior, Vouzela está a ser vítima duma estratégia nacional de concentração de serviços que não tem a mínima preocupação com o equilíbrio do território, nem com a qualidade de vida das pessoas. O objetivo é uma redução de custos imediata em recursos humanos e materiais,  que nos vai custar bem caro a médio prazo, tal o despovoamento que provoca em vastas zonas do país, inevitavelmente condenadas ao desaproveitamento. Mas, é o que temos. No entanto, também nos parece ser tempo de perceber que nada ganhamos com a atitude defensiva a que nos temos remetido, mortos de medo pelo passo seguinte que antecipamos, a que respondemos com indignação e lamentos impotentes. Atacam-nos porque somos fracos, porque temos pouco peso eleitoral, porque somos insignificantes na coleta de impostos- sim, o lobo está dentro do rebanho, fevereiro está a ser horrível mas o importante é que daqui saiam boas "colheitas" futuras.

Em primeiro lugar, é preciso avaliar a verdadeira dimensão do problema e, mais uma vez, as lições do passado dão uma ajuda. Em 1927, Vouzela perdeu a sua comarca. A medida foi sentida como uma humilhação, provocou tomadas de posição firmes, mas também marcou o ponto de partida para um dos mais dinâmicos períodos da história local do século passado: iniciou-se o processo de eletrificação da vila, pediu-se a classificação como "estância de turismo" e organizou-se a famosa Comissão de Iniciativa. Para tudo isto houve uma união de vontades e forças, colocando lado a lado gente de orientações políticas muito diferentes (as polémicas da I República estavam, ainda, muito presentes), mas que percebeu que a causa local era transversal a todas elas.

Em 1973 viveu-se a parte final desta história: Vouzela recuperou a comarca. Motivo de grande contentamento e orgulho... não impediu o agravamento de uma crise que, embora com intervalos de esperança, continuou até aos dias de hoje.

Entendamo-nos: não queremos desvalorizar a importância dos ataques que nos estão a fazer. Queremos, isso sim, saber o que estamos dispostos a fazer para deixarmos de andar a reboque das situações e conquistarmos a liderança das reformas locais. Dito por outras palavras, Vouzela  precisa saber qual a margem de autonomia que lhe resta. Que medidas pode tomar para conter o despovoamento, para reabilitar setores de atividade, para potenciar os seus pontos fortes e, desse modo, conseguir algum resguardo para a avalanche de más notícias da atual estratégia nacional. Limitar a emigração pressupõe a criação de empregos e estes exigem uma definição clara das atividades que se querem desenvolver. Isto, porque não podemos ter "sol na eira e chuva no nabal". Não faz sentido lamentarmo-nos da pouca divulgação do que de melhor temos e não sermos, nós próprios, os primeiros divulgadores em todas as nossas atividades. Não podemos dar rédea solta a construções que descaracterizem os espaços e, ao mesmo tempo, querer manter a tal harmonia entre património natural e edificado que todos elogiam. Não podemos assistir, indiferentes, ao abandono do cultivo da vinha e querer manter a "acentuada beleza policromática" de que falava Amorim Girão. Não podemos encolher os ombros perante o excessivo abandono da agricultura (de todo o setor primário!) e continuar com as características rurais que desenharam a tal paisagem que os estudos apontam como o nosso grande trunfo.  Se Vouzela permanece, hoje, como a mais harmoniosa das três sedes de concelho, isso apenas se deve ao facto de não ter entrado no desvario da construção e não porque haja uma qualquer "lei divina" que nos garanta a beleza eterna. Manter essas características e conciliá-las com o desejado desenvolvimento, parece-nos ser, pois, o desafio que temos que vencer, porque uma coisa não é possível sem a outra.

Também diz o povo que "água em fevereiro, enche o celeiro". Ora, água não tem faltado, tal como más notícias. Dar-lhes algum sentido, transformá-las em algo de produtivo só depende de todos nós. Se assim for, é certo e sabido que "em fevereiro chuva, em agosto uva".