segunda-feira, maio 20, 2013

As sementes... do futuro


Não experimentem lá em casa, mas podem ter a certeza de que, quando alguém se está a afogar, dificilmente presta atenção às características da vegetação das margens.  Náufragos que somos, nestes tempos de águas agitadas e correntes fortes, sem referências nem boias de salvação, esbracejamos tentando manter a cabeça à tona, esgotados. Mas, algo se passa nas margens. Não estivéssemos demasiadamente cansados e perceberíamos o riso de gozo de quem parece deliciar-se enquanto nos afundamos.

Bruxelas prepara-se para regulamentar a troca de sementes. Isso mesmo. Algo que resulta da adaptação do homem ao meio, através de milhares de anos de experiências e que, como tal, é património da humanidade, pode ser limitado pela exigência de registo de patentes. A consequência prática duma medida destas seria (está a ser!), não só, a perda das espécies tradicionais, como a limitação do comércio de produtos aos que resultem das sementes patenteadas. E quem são os detentores dessas patentes? As grandes empresas agro-químicas, pois claro.

Já em 1984 a FAO calculava a perda da biodiversidade agrícola em todo o mundo, em cerca de 75%. "Até os anos 70, quando a agricultura industrial tomou o globo, cada espécie de planta tinha milhares ou mesmo centenas de milhares de variedades, nalguns casos cultivadas só por uma família. Na altura na Índia existiam perto de duas centenas de milhares de variedades de arroz. Hoje, apenas quatro variedades de arroz alimentam a maioria da população humana e na Índia estima-se que sobrem talvez 10% das variedades tradicionais" (Quercus). Se, durante algum tempo, tudo resultou do poder económico das grandes empresas e do modo como dominaram o mercado, a regulamentação que se anuncia representa uma clara interferência da União Europeia, tomando partido e assumindo um frete ao lado mais forte desta contenda.

Mas, há mais. Acrescentem-se as manobras pouco claras em que Bruxelas tem entrado para promover a privatização da  água, veja-se a regulamentação já existente sobre diversas espécies, recordemo-nos do que esteve quase, quase quanto aos pesticidas e facilmente concluímos que a tal bandeira em prol do "comércio livre" foi remetida para a dispensa da história e que a União Europeia está apostada em facilitar uma monumental concentração de riqueza nos "bolsos" de alguns grupos e de alguns países. E quando lhe disserem que os sacrifícios que lhe estão a exigir são "inevitáveis"; que a privatização das "jóias da coroa" são caminho obrigatório para pagar a dívida... pense nisto. Não querem discutir o "pós-troika"?

segunda-feira, maio 06, 2013

O homem dos trocos

Retirado do Almanach Silva

Andava o mundo às avessas lá pelos idos de 40, quando um metal trouxe uma súbita ilusão de abundância a tempos de fome e de medo: o volfrâmio. As carências no mais elementar, conviviam com o exibicionismo dos que acendiam charutos com notas de conto; as angústias da guerra e do racionamento contrastavam com o desfile de enfeites de ouro e automóveis de encher o olho.

Foi então que por aqui houve um homem, comerciante de fazendas e grande tocador de rabecão, que por ter ouvido educado e tato apurado, rapidamente se adaptou às vibrações dominantes.  Dinheiro, ou não havia, ou havia do grosso, coisa complicada quando apenas se pretendia pagar meio quartilho de vinho e umas lascas de presunto.  Faltavam trocos. Ora, como qualquer bom negócio deve responder a necessidades assumidas, não hesitou o nosso tocador de rabecão: trocava por miúdo, o dinheiro graúdo dos outros. Com um pequeno pormenor: nunca tinha a conta certa. “Teria muito gosto em trocar-lhe essa nota de quinhentos, mas só tenho quatrocentos e oitenta”. Quem se preocupava com ninharias quando a fortuna estava à distância dumas pazadas de terra? “Venham de lá esses quatrocentos e oitenta e fique com os vinte por conta do favor que me faz”. Sim, era isso, uma  paga por serviços prestados, ou, se preferirem, uma espécie de taxa de câmbio entre o mundo dos ofuscados pelo brilho das pedras e a baça existência dos simples mortais.

quinta-feira, maio 02, 2013

A vitória das abelhas


"Três pesticidas vão ser proibidos na União Europeia devido às evidências científicas de que causam a morte das abelhas. Portugal foi um dos países que votou contra, mas a proposta acabou por ter o apoio de 15 dos 27 estados-membros"- Euronews.

Já há muito se sabe que a União Europeia tem as costas largas. Já há muito se sabe ser altamente suspeita a atitude de vários supostos representantes portugueses lá nas cúpulas europeias. Mas, de uma vez por todas, convém que as suas atitudes sejam denunciadas.

Desta vez, tratou-se da proibição de alguns dos pesticidas que  causam a morte das abelhas, situação que, relacionada com outras ameaças, está a ter consequências graves em várias espécies polinizadoras. De acordo com aquela mediocridade a que já nos habituamos vinda do tal "círculo vicioso da governação", a posição portuguesa era a de "empurrar o problema" sem qualquer decisão, mas, claro está, justificando a inoperância com estilo, à imagem  das gravatas do Dr. Paulo Portas: "É nosso entendimento que deve ser dada continuidade aos trabalhos já em curso com vista à consolidação dos princípios e orientações técnicas de avaliação do risco e tomada de decisão relativa aos efeitos dos produtos fitofarmacêuticos em abelhas e, ainda a revisão científica dos protocolos de ensaio de toxicidade de produtos fitofarmacêuticos sobre abelhas, incluindo outros polinizadores, de modo a melhor aferir dos efeitos tóxicos agudos, e subletais destes produtos e dos seus resíduos" (ver aqui)É a tal história do país engravatado de que falava o O'Neill... Na realidade, o que estava em causa era enfrentar empresas como a Bayer (alemã) e a Syngenta (Suíça).

O final da história acabou por se traduzir numa vitória (provisória!) das abelhas e de todos nós. Esperamos para ver quanto tempo vai demorar a transposição da diretiva para a legislação nacional...