Está tudo dito, Molero
«Diz Molero», disse Austin, «que um homem ama e odeia, ou é simplesmente indiferente, mas que tudo recomeça em cada minuto que passa, disseram-lhe que nasceu uma criança, amanhã vai ao enterro de alguém, laços fazem-se e desfazem-se dentro dele, segue sonhando a luz de um pirilampo ou de um farol, fica uma noite acordado a olhar para trás, há um sótão mágico onde vasculhar entre memórias, embora ele não saiba onde fica o sótão, acontece que ele existe e sobe-se para ele não se sabe como». Mister DeLuxe juntou as mãos em frente do rosto. «O sótão da infância», disse ele, «às vezes vou lá buscar a emoção de roubar ninhos ou então o cheiro da borracha das botas de pescar do meu avô»- O que diz Molero
Era um lisboeta assumido, mas daquela Lisboa que foi as terras todas e hoje já não há. Dinis Machado morreu aos 78 anos.
Era um lisboeta assumido, mas daquela Lisboa que foi as terras todas e hoje já não há. Dinis Machado morreu aos 78 anos.
A notícia correu célere, deu três pancadas nas portas com os nós dos dedos (era assim que corriam as notícias), as putas vieram ver o turista, os chulos quedaram-se, inquietos, a trinta metros, o Franciú pintou os lábios, as gaivotas suspenderam momentaneamente o voo, cristalizadas no ar, e o Pintor aproveitou para fixar na tela o que nunca mais voltaria a acontecer: o homem de preto tirou a harpa do ombro e dedilhou nela sons prateados que deslizaram ao longo da pedra do cais e se espalharam no dorso das ondas, tornando-as mais oleosas. As crianças gostaram muito (nunca tinham visto mar prateado por sons de harpa), os chulos ficaram esverdeados, e até eu, que tenho uma harpa debaixo da cama, e que dedilho nela às vezes para acalmar os nervos, ou ouvir a voz dos anjos, não fazia ideia que se pudesse pratear ondas daquela maneira apenas com a linguagem de uma harpa- Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel Garcia Márquez.
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