quarta-feira, setembro 10, 2008

E os carvalhos, senhores?


A Portaria n.º 828/2008, de 8 de Agosto, publicada pelo Ministério da Agricultura Desenvolvimento Rural e Pescas, vem apoiar através de financiamento a 30% espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, mas esquece o apoio às espécies autóctones que são a base dos sistemas multi-funcionais. Em suma, não são elegíveis para apoio financeiro os carvalhais, o sobreiro ou a azinheira (apesar da produção de madeira de qualidade, cortiça e bolota) quando se pretenda reconverter povoamentos florestais mal adaptados, conforme o descrito no Anexo I da referida portaria. (Quercus).

Foi recentemente anunciada pelo ministro Jaime Silva, a possibilidade de privatizar a gestão das matas nacionais, como forma de promover o seu "ordenamento" e a sua "rentabilização". Na mesma altura, vários órgãos de comunicação alertaram para o facto de Portugal ser, de entre os países da União Europeia, o que tem menor percentagem desse património no domínio público. Convém, ainda, recordar, que o actual ministro da Agricultura, viu em risco uma candidatura a fundos europeus, devido à área excessiva atribuída ao eucalipto. Finalmente, registe-se o entusiasmo com que foi recebida a medida de Jaime Silva por parte... da Portucel.

Esta ideia de privatizar para conseguir bons desempenhos é, na melhor das hipóteses, profunda demagogia. Na pior, é vigarice pura e indício de corrupção. Portugal está cheio de exemplos de sectores da responsabilidade do Estado, durante anos condenados a incompreensíveis erros de gestão, que acabaram, pior, nas mãos de privados. Só que, agora, estamos a entrar no que de mais genuíno tem o património público: o território. Convém não esquecer as ameaças que também pairam sobre o sector das águas, não sendo difícil imaginar que idêntico fim esteja reservado para a orla costeira (ou o que dela resta, depois de se ter permitido que a iniciativa privada o enchesse de cimento).

Importa ter consciência de que, para além de tudo o mais, esta estratégia tem riscos elevadíssimos. Em primeiro lugar, porque uma gestão privada tenderá sempre a privilegiar o rápido retorno dos investimentos, o que pode ser incompatível com as medidas de ordenamento necessárias- no caso da floresta, isso é evidente. Em segundo lugar, porque, a prazo, pode limitar o usufruto pleno dos espaços, não tanto no que diga respeito à livre circulação, mas, sobretudo, dificultando actividades associadas ao sector privatizado (agricultura, por exemplo).

O apoio manifestado pela Portucel à ideia de Jaime Silva, foi a maior crítica que o ministro podia ter recebido. Aumentar a área do eucalipto era, há muito, um dos seus (da empresa e do ministro) objectivos, reforçado, agora, com a sua possível utilização na produção de biocombustíveis. A nós, cidadãos, compete-nos ver mais longe. A perda da biodiversidade representa um empobrecimento, com efeitos muito mais prolongados do que a gestão de conjuntura tão do agrado dos nossos governantes. Além do mais, como já ensinavam os professores Caldeira Cabral e Ribeiro Telles (1), as árvores têm uma função de "protecção", para além da de "produção", de que dependem actividades que, apesar de não fazerem parte da ideia de território de quem nos governa, são como o comboio: inevitavelmente vão regressar.

Reivindicar a protecção (e o apoio!) às espécies de crescimento lento como base do reordenamento florestal, é a única medida com visão de futuro. Mas só por inegenuidade podemos esperar que ela seja tomada, sem pressão, por quem aposta no curto-prazo.
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(1)- É sempre oportuno recordar a obra de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles, A Árvore em Portugal, reeditada em 2005 pela Assírio & Alvim.

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