segunda-feira, março 03, 2008

Para além das aparências

Magritte

É uma daquelas ideias que se aceitam sem pensar, à custa de muito ter sido repetida: aumentar a oferta de habitação não só ajuda a fixar população como a atrai. Ainda recentemente, num comentário ao estudo sobre a qualidade de vida nos diversos concelhos do país, o Notícias de Vouzela (28/02/2008) adiantava como uma das causas da melhor posição de Oliveira de Frades face aos restantes da região de Lafões, "a área disponível para construção". Parece simples e incontestável. Não é.

Usando como referência os números fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (podem ser consultados a partir daqui) e ainda os disponíveis na Wikipedia, o concelho de Oliveira de Frades não só é o menos populoso, como há muito não regista aumento significativo da população. O máximo que se pode dizer é que não a perde. Quanto ao resto, padece dos mesmos males dos outros concelhos, nomeadamente um índice de envelhecimento superior à média nacional.

Analisando os três concelhos conjuntamente, percebe-se não haver capacidade de atracção em qualquer deles, com a agravante de São Pedro do Sul e de Vouzela terem sofrido uma sangria a partir da década de 80 de que nunca mais conseguiram recuperar. Ora, basta recorrermos à memória para concluirmos que, no mesmo período, a construção não parou de aumentar nos três concelhos (sobretudo em Oliveira e São Pedro).

Mas, quando tentamos ver para além das aparências e nos confrontamos com a “verdade dos números”, não só é fácil perceber a inconsistência do argumento, como se torna evidente a existência de um outro problema preocupante. Se aumentou a construção e a população estagnou ou até diminuiu, isso quer dizer que por cada habitação nova ocupada, uma outra ficou ao abandono, foi demolida ou alterou a sua função. Foi precisamente este fenómeno que deu origem a uma urbanização do território em “mancha de óleo”, provocando uma ocupação excessiva, quando a tendência até era para que a esmagadora maioria da população se concentrasse numa área cada vez mais restrita (litoral). Pior: as novas construções provocaram, muitas vezes, a total descaracterização das localidades.

A relação directa entre criação de oferta ao nível da habitação e a capacidade para fixar e até atrair população, foi o grande dogma dos anos dourados da "monocultura do tijolo". Independentemente dos interesses envolvidos, foi uma ideia grata ao poder autárquico que baseou nela a sua ideia de progresso, conseguindo ir calando a crítica com a criação de emprego e o enriquecimento fácil. Hoje conhecemos o outro lado da história. A brincadeira só foi possível à custa da exploração intensiva do mercado interno, deixando quilómetros de obra inútil (seria interessante conhecer números reais quanto a edifícios/apartamentos desabitados na nossa região), um território completamente desorganizado e a população endividada. Terminado o tempo das aparências, importa compreender que desenvolvimento e qualidade de vida exigem muito mais do que grandes consumos de cimento.

3 comentários:

manuel vaca disse...

Gosto muito das letrinhas dos pasteis,embora os próprios sejam imprescindíveis,eu não os dou a ninguem...

Um abraço a quem tanto faz pelo Blog.

Zé Bonito disse...

Olha o saudoso Manel! Aparece mais vezes que os pasteis estão garantidos.

Zé de Lisboa disse...

Sempre que em Vouzela se fala de desenvolvimento raras são as vezes em que Oliveira de Frades não é dada como exemplo, sobretudo pelo volume de construção que ali tem sido feito.
É inegável que muitas das empresas instaladas no Parque Industrial têm contribuído para a fixação da população local e importado mão de obra de outras zonas.
Nem sempre estamos a falar de mão de obra qualificada que aufira salários que lhes permitam ter acesso à compra de habitação pelo que estamos certos que há já excesso de oferta.
Por outro lado este tipo de desenvolvimento trás consigo vários problemas sociais, como o aumento da criminalidade (dizem-me que a noite em Oliveira está a ficar perigosa), da prostituição etc.. Mas este foi o modelo que os governantes locais optaram e honra lhes seja feita terão conseguido.
Outra coisa é achar que este deva ser o modelo a seguir em Vouzela. Quem assim pensa está profundamente errado.
Vouzela foi, é e será sempre um destino turístico onde os “stressados” das zonas “desenvolvidas” vêm relaxar, porque aqui tudo é calmo, seguro, e belo, e tirando alguns mamarrachos municipalmente autorizados, conseguiu manter a sua traça própria.
Infelizmente esta inegável constatação nunca foi levada a sério pelos sucessivos autarcas que nada fizeram para transformar Vouzela num local apetecível para se estar ainda que de passagem. Não há oferta hoteleira (finalmente vai ser inaugurada a Casa Museu e aproveito desde já para dar os parabéns ao Tozé e à Celeste Carvalho), os restaurantes são fracos (excepção feita ao Matos) e oferta cultural não existe.
Quanto ao comércio estamos conversados. Hoje sábado às 12.00 horas poucas eram as pessoas que andavam nas ruas e muito menos às compras.
Vouzela necessita urgentemente de traçar uma linha para o futuro sob pena de a curto prazo não ter população para manter o estatuto de Vila.
Porque não criar um grupo de trabalho, constituído por técnicos de diferentes áreas (e há vouzelenses enm todas elas) que em conjunto com a Autarquia estude, desenvolva e implemente um programa de acção, não para transformar, mas para devolver a Vouzela aquilo que já foi.
Mais importante que o dinheiro que todos sabemos ser escasso, são as ideias, o bom senso e e o bom gosto que com a colaboração de todos não têm custos.