Linha do Vale do Vouga:uma viagem ao que resta
Aproximava-se o fim. A poucos metros do local de onde foi conseguida esta imagem, está hoje um prédio
(foto de Guilherme Figueiredo)
Não vale a pena perder muito tempo com o assunto: o encerramento da linha do Vale do Vouga foi, na hipótese mais suave, uma tremenda irresponsabilidade; na mais dura, uma vigarice, cuja história há-de ser contada sem poupar nos pormenores sórdidos. Ponto final. O que nos parece ser de realçar é o modo como muitos trabalham para manter a memória viva, publicando estudos, organizando arquivos de imagens e até divulgando petições pela sua reactivação. Todos, lá bem no íntimo, mantêm viva a esperança de que a asneira não seja irreversível. Ao fim e ao cabo, para além do recurso turístico que podia ter sido, o comboio é a melhor alternativa a uma circulação automóvel que o futuro, inevitavelmente, irá limitar.
A construção da linha do Vale do Vouga sucedeu ao projecto de tornar o rio navegável desde Aveiro até São Pedro do Sul. Não tivessem as tropas de Junot invadido o país e talvez a obra fosse concretizada (1).
A verdade é que, depois de muita polémica a propósito do melhor traçado, a data oficial de inauguração da via férrea que nos havia de ligar ao litoral fixou-se a 23 de Novembro de 1908 (troço entre Espinho e Oliveira de Azeméis). Já depois da instauração da República, foi feita a ligação entre Aveiro e a Sernada (Setembro de 1911) e, finalmente, em 5 de Fevereiro de 1914, até Viseu.
A velha linha resistiu às dificuldades de duas guerras mundiais, mas não conseguiu enfrentar o “boom” do automóvel em Portugal (e das empresas de camionagem), nem as exigências de maior velocidade e comodidade. Na verdade, sendo uma linha de via estreita, nunca beneficiou de modernizações significativas e a tentativa de aumentar a velocidade de circulação através de automotoras, revelou-se pouco satisfatória.
Foi isso que deu força à ofensiva favorável ao encerramento, que teve o seu auge nos anos 70. Do mesmo lado da barricada, misturaram-se os argumentos dos que defendiam investimentos para a melhorar e dos que preferiam acabar com ela: que não justificava as despesas, que havia meios de transporte alternativos, que... causava fogos. Em 1972, o comboio era substituído por camionetas da CP, embora isso não fosse assumido como definitivo. A verdade é que, dois anos depois, a 10 de Janeiro de 1974, o Notícias de Vouzela publicava, na sua primeira página, o seguinte desabafo, ilustrado por uma fotografia da estação: “O que irá ser um dia, este terreno enorme, no centro da vila, que foi, durante sessenta anos, estação do caminho de ferro? Porque já não acreditamos que o comboio regresse (...)".
A construção da linha do Vale do Vouga sucedeu ao projecto de tornar o rio navegável desde Aveiro até São Pedro do Sul. Não tivessem as tropas de Junot invadido o país e talvez a obra fosse concretizada (1).
A verdade é que, depois de muita polémica a propósito do melhor traçado, a data oficial de inauguração da via férrea que nos havia de ligar ao litoral fixou-se a 23 de Novembro de 1908 (troço entre Espinho e Oliveira de Azeméis). Já depois da instauração da República, foi feita a ligação entre Aveiro e a Sernada (Setembro de 1911) e, finalmente, em 5 de Fevereiro de 1914, até Viseu.
A velha linha resistiu às dificuldades de duas guerras mundiais, mas não conseguiu enfrentar o “boom” do automóvel em Portugal (e das empresas de camionagem), nem as exigências de maior velocidade e comodidade. Na verdade, sendo uma linha de via estreita, nunca beneficiou de modernizações significativas e a tentativa de aumentar a velocidade de circulação através de automotoras, revelou-se pouco satisfatória.
Foi isso que deu força à ofensiva favorável ao encerramento, que teve o seu auge nos anos 70. Do mesmo lado da barricada, misturaram-se os argumentos dos que defendiam investimentos para a melhorar e dos que preferiam acabar com ela: que não justificava as despesas, que havia meios de transporte alternativos, que... causava fogos. Em 1972, o comboio era substituído por camionetas da CP, embora isso não fosse assumido como definitivo. A verdade é que, dois anos depois, a 10 de Janeiro de 1974, o Notícias de Vouzela publicava, na sua primeira página, o seguinte desabafo, ilustrado por uma fotografia da estação: “O que irá ser um dia, este terreno enorme, no centro da vila, que foi, durante sessenta anos, estação do caminho de ferro? Porque já não acreditamos que o comboio regresse (...)".
A população nunca se resignou. Logo após o 25 de Abril, há registo de diversas tomadas de posição que obrigaram os governantes a prometerem não só o regresso do comboio como, também, a melhoria das suas condições. Ele voltou, mas nunca melhorou. E íam começar os tempos dourados da construção civil.
A 27 de Dezembro de 1983, setenta e cinco anos, um mês e quatro dias depois da inauguração do primeiro troço da linha, o Vale do Vouga assistiu à última viagem do seu combóio. Na sua obra “Memórias do Vale do Vouga”, o médico Manuel Castro Pereira antecipou: “Novos e difíceis tempos virão, onde a ferrovia tem de desempenhar um papel decisivo de alternativa de transporte de pessoas e bens”. Esses tempos aí estão, apesar dos nossos governantes, nacionais e locais, assobiarem para o lado, na tentativa desesperada de que não nos lembremos de lhes pedir responsabilidades.
Depois de já termos divulgado páginas de fotografias recordando a linha no seu auge, propomos agora uma viagem pelo que existe. São imagens de abandono, de desleixo, da pressa com que alguns “urbanizaram” o espaço. Nós próprios, apesar de termos limitado o estrago, não evitámos construir lá um prédio (erro já assumido pela Câmara Municipal de Vouzela). Mas, numa altura em que alguns discutem o que fazer com as pontes que eram usadas pelo comboio, esta viagem que propomos à estupidez e ao desperdício, é o nosso contributo para que não se agrave a asneira. E para que ela não seja irreversível. Porque, mais cedo ou mais tarde, o comboio vai regressar.
Depois de já termos divulgado páginas de fotografias recordando a linha no seu auge, propomos agora uma viagem pelo que existe. São imagens de abandono, de desleixo, da pressa com que alguns “urbanizaram” o espaço. Nós próprios, apesar de termos limitado o estrago, não evitámos construir lá um prédio (erro já assumido pela Câmara Municipal de Vouzela). Mas, numa altura em que alguns discutem o que fazer com as pontes que eram usadas pelo comboio, esta viagem que propomos à estupidez e ao desperdício, é o nosso contributo para que não se agrave a asneira. E para que ela não seja irreversível. Porque, mais cedo ou mais tarde, o comboio vai regressar.
Que a viagem comece (basta "clicar")
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(1)- As referências históricas foram retiradas da obra Vouzela- A Terra, os Homens e a Alma, Vouzela, 2001.
3 comentários:
É uma pena ver tudo assim! E não só pela linha do Vouga, mas em Trás-os-Montes, na linha do Tua, na linha que ía de Miranda do Douro até ao Pocinho (ou seria Barca D'Alva?), a Linha do Douro (entre Pocinho e Barca d'Alva), onde andei por lá este verão a pé. Uma desolação Barca d'Alva. Tudo a cair de podre. Gostaria que o comboio regressasse! Mas esta visão curta e centralizada, economicista, não permite um país a uma velocidade. Então ao menos, que nos deixem construir sobre essas linhas as vias do cicloturismo e dos percursos pedrestes!
Grande abraço a ti, por continuamente mostrares a desgraça que grassa sobre estas terras, a desgraça de um país que destrói o passado como um virar de página leviano, construindo os mamarrachos do quotidiano que a cada esquina nos tolhem a visão. O exemplo da estação de Vouzela é paradigmático. Já não há o menino, há uma estação de espera e de desalento. Vazio, vazio, um autocarro de tempos a tempos, um café às moscas (literalmente), casas de banho sem papel e aquela pala, que não dá sombra no verão nem abriga no inverno e entra pelo telhado adentro, destruindo a paisagem e o edifício. Aquele jardim, a ponte, o comboio que lá está, mas... no meio da linha está aquele prédio!? É incrível! E se o comboio volta(sse)? Fazia ali uma curva por cima dos Bombeiros?
Triste sina Vouzelense! Vão-se os dedos, ficam os Pastéis!
Não quero que passe a ideia de que é a nostalgia que nos motiva. Nada disso. Quem andou no comboio por necessidade (não por turismo), sabe que não era coisa que deixasse saudades. No entanto, tinha imensas potencialidades turísticas. Por outro lado, o que devia ter sido feito era melhorar as condições do meio de transporte e não acabar com ele. Os "tempos" vão determinar o seu regresso e, nessa altura, quase tudo vai ter que ser feito de novo. Inadmissível!
Caro Zé Bonito, onde posso arranjar bibliografia com todas estas datas?
Estou ainda interessado na construção da ponte; quando foi construída? E quanto aos outros monumentos de Vouzela, há registos? Há registos das modificações que sofreu a praça da República no século passado? Ando a organizar a minha colecção de postais de Vouzela, vou começar a divulgá-los, mas como ando longe não consigo acesso fácil a certas informações. Já enviei uns "mails" para a Câmara no ano passado mas nem resposta obtive. Consegue ajudar-me?
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