quarta-feira, novembro 07, 2012

"Ou há pulmões/ Ou não há!"


Algures pela Penoita

Sinceramente, estamos a ver as coisas mal paradas. Muito lamento, muita acusação, muito faz de conta, mas nada de soluções concretas para problemas concretos. A menos de um ano das próximas eleições para as autarquias locais, ou arrepiamos caminho, ou arriscamo-nos a ficar pelos azedumes impotentes, enquanto o concelho se esvai de gente, serviços e ideias. Como dizia o Torga, "Ou há pulmões/ Ou não há"! Veremos se há.

O anúncio do encerramento do Tribunal esteve muito longe de ser uma surpresa. Foi a evolução natural de uma estratégia mais do que errada, que já tinha disparado todos os alarmes por altura do encerramento dos serviços de saúde. Por um qualquer motivo insondável, ou por puro e simples exibicionismo, os dois principais partidos do concelho, PS e PSD, preferiram as jogadas de bastidores, assim a modos de quem quer mostrar que "eu tenho mais influência do que tu". Como na altura disse José Junqueiro, quem melhor se "mexeu" foram as "forças vivas" de São Pedro e o resultado foi o que se viu. Agora, com o tribunal, estamos na mesma, apenas com um governo diferente. O dr. Telmo Antunes parece ter confiado na sua influência junto dos colegas de partido e fartou-se de anunciar que não acreditava no encerramento. A evolução da história é conhecida e talvez o presidente da Câmara de Vouzela tenha percebido que já poucos se lembram dele lá pelos gabinetes da São Caetano. É o preço da interioridade...

Perante isto, só nos restam dois caminhos: ou aceitamos, mal encarados mas passivos, um "destino" que se cumprirá com o encerramento de mais serviços e com um final de concelho assim como quem nos apunhala pelas costas; ou pomos os interesses de Vouzela e de Lafões à frente das contabilidades de "clube" e procuramos o que nos une, de modo a ganharmos força reivindicativa. Dispensam-se "aves agoirentas"!

Temos consciência de que estamos a sofrer as consequências de um esvaziamento destas terras que, como em todo o interior, começou lá pelos idos de 60. Podemos, até, testemunhar, que a primeira descrição que ouvimos do que estamos a viver, foi em plena década de 70, quando uma senhora fantástica que por estas terras houve, rematou uma lúcida análise do que já então se anunciava (mas poucos viam), com um tremendo "Vouzela está a morrer!". Não percebemos, na altura, quando sinais vários do que muitos chamavam "progresso" se traduziam numa miríade de aviários que nasciam por toda a parte e nas cabeças de frangos que desciam rio abaixo e se cruzavam com os banhistas na Foz e na Arrabidazinha. Naquele jeito de dizer qualquer coisa só para não ficarmos calados, dissemos que não, que as terras não morriam. Respondeu-nos a senhora, com o ar sereno e terno que a caracerizava, à porta de sua casa na mítica Quinta das Beijocas: "Morrem sim. Morrem quando morre quem lhes dá sentido". É isso que precisamos saber: conseguimos, ou não, encontrar um sentido para estas terras e para a nossa existência nelas? Somos gente para encontrar esse sentido, ou não passamos de ranchos de mortos-vivos, afogados nas nossas pequenas vaidades e entretidos com quezílias estéreis?

Nunca foi fácil a vida nestas terras talhadas na pedra. Tudo o que se construiu foi à força de braço, de muitos braços juntos, que o esforço exigido não se compadecia com individualismos. Definiam-se objetivos e uniam-se esforços para os alcançar. É do que voltamos a precisar. Sabemos que há culpados do que estamos a viver. Mas, muito mais importante do que perder tempo a apontá-los, é termos consciência de que todos somos muito poucos para que nos possamos dar ao luxo de desperdiçar esforços. "Ou há pulmões/ Ou não há!" Veremos se há.

Ar livre

Ar livre, que não respiro!
Ou são pela asfixia?
Miséria de cobardia
Que não arromba a janela
Da sala onde a fantasia
Estiola e fica amarela!

Ar livre, digo-vos eu!
Ou estamos nalgum museu
De manequins de cartão?
Abaixo! E ninguém se importe!
Antes o caos que a morte…
De par em par, pois então?!

Ar livre! Correntes de ar
Por toda a casa empestada!
(vendavais na terra inteira,
A própria dor arejada,
-e nós nesta borralheira
De estufa calafetada!)

Ar livre! Que ninguém canta
Com a corda na garganta,
Tolhido da inspiração!
Ar livre, como se tem
Fora do ventre da mãe,
Desligado do cordão!

Ar livre, sem restrições!
Ou há pulmões,
Ou não há!
Fechem as outras riquezas,
Mas tenham fartas as mesas
Do ar que a vida nos dá!
-Miguel Torga,  In Antologia poética


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