domingo, janeiro 01, 2012

Não o levam!

(Foto carregada através de telemóvel)

Decorriam os últimos anos da década de 30 ou, talvez, os primeiros da de 40. A figura sinistra e negra de um carro da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE) estacionou na Rua Direita ou de Morais Carvalho. Procuravam um vouzelense conhecido que não calava a sua oposição à ditadura. Aperceberam-se as gentes que passavam e foi dado o alarme. O carro foi cercado e os sinos das igrejas tocaram a rebate. Mais gente se juntou aos gritos "não o levam"! Do meio da multidão saiu uma mulher que se atirou aos agentes e arrancou o detido do interior da viatura. Não o levaram!

A história é verdadeira e o nome dos protagonistas há de ser divulgado em momento oportuno. Para já, apenas nos interessa o exemplo de coragem, de querer coletivo que deve servir de exemplo para os tempos que aí estão. Há muitas formas de abusar do poder e nem só as polícias políticas espalham o medo que garante a submissão.

De repente, deixou de se falar do aquecimento global, da crise dos combustíveis fósseis, do desperdício de energia, da destruição dos recursos hídricos. Passou a valer tudo, desde que esteja embrulhado na promessa de dar dinheiro. Ninguém pensa como é que uma sociedade que possui recursos tecnológicos como nenhuma outra, toma medidas pré industriais como o aumento de meia hora de trabalho e a redução dos feriados. Ninguém pensa que a redução dos custos de produção através de mão de obra barata, nos empurra para um "nicho" onde não temos qualquer hipótese de concorrer. Ninguém pensa... Não há nada como uma boa crise e o medo que lhe está associado, para facilitar a vida a certo tipo de governantes.

É o medo do desemprego, do aumento dos impostos, do aumento dos preços, do encerramento de serviços, da transferência de empresas, das dívidas, do isolamento, da necessidade de emigrar, do fim do euro, do fim... É o medo de quem sente não poder controlar o seu destino, amarrado pela fatalidade do que lhe dizem ser inevitável, com origens inatingíveis nessa entidade longínqua e de costas largas chamada Europa. Fantasmas mais subtis mas não menos poderosos que o da silhueta sinistra do carro que, naquele dia, estacionou na Morais de Carvalho.

Os deputados eleitos pelo distrito de Viseu aceitaram passivamente as portagens na A25. Militam nos mesmos partidos que, ao longo de anos de governação, canalizaram o grosso do investimento para a construção de estradas, desprezando todas as alternativas. Na reorganização administrativa anunciada com o objetivo de poupar, o máximo que se prevê é a redução do número de freguesias, precisamente o setor que menos pesa no orçamento e o que mais próximo está dos cidadãos. Entretanto, os estudos alertam para a falta de qualidade da democracia portuguesa.

Tal como aconteceu na Rua Direita há setenta e tal anos, é preciso recusar o que nos apresentam como inevitável. Procurar novos caminhos, subverter a lógica das coisas, surpreender. E se alguma mulher sair de entre a multidão gritando "não o levam!", tanto melhor, porque não podem levar-nos o sonho de vermos as belezas naturais destas terras, serem o motor da qualidade de vida das suas gentes. Que o consigamos fazer a partir do ano que agora começa.

2 comentários:

augusto rodrigues disse...

Excelente!

Victor Azevedo disse...

Muito bem!
Excelente texto, redigido por alguém que vive e sente a terra e a região!
Gostei muito!
Parabéns!