A Igreja Matriz - Restauro (II)
... De facto, quando se iniciaram os trabalhos da restauração, a velha Igreja de Vouzela ainda resistia, com o valor de uma fortaleza da Fé, à permanente e progressiva degradação das suas paredes. Certo, o aspecto exterior, embora prejudicado por tão adiantado estado de ruína, não denunciava, todavia, nem sequer deixava suspeitar, a gravidade do mal. Os telhados, semi-desfeitos, abrindo em toda a parte largos condutos à infiltração das águas pluviais, tinham sido, em verdade, os mais activos agentes dessa lenta e dissimulada obra de subversão.
Além das paredes, profundamente corroídas, os madeiramentos do tecto da nave tinham perdido solidez, uniformidade, estabilidade; nos caixotões da capela-mor, desconjuntados e deformados pela acção da humidade, já nada ou quase nada restava do antigo lustre decorativo; e até a abóbada da capela dos Almeidas, tão digna de conservação pelo seu primor arquitectónico, foi encontrada em risco de iminente desabamento. Em todo o conjunto, mesmo nos lugares que poderiam crer-se menos acessíveis à erosão geral, se encontraram focos de ruína.
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Certo, outros males, embora menos graves, se lhes devem ainda. Esses, que se podem supor talvez mais antigos, derivam de certas obras de aparência construtiva, mas que apenas serviram para deturpar ou amesquinhar no seu relevo arquitectural, o venerável templo. Assim, embora não alterassem verdadeiramente a planta original, destruíram deveras toda a harmonia de linhas e toda a nobreza do aspecto exterior, improvisando junto da fachada sul, e alinhando-os com o corpo saliente da capela ali erigida no século XV, dois novos edifícios sem nenhuma graça ou sequer asseio construtivo: um para dotar a Igreja com uma daquelas sacristias-salões que os antigos párocos de aldeia sempre cobiçavam; outro para armazém de objectos ou alfaias inúteis, e ainda para instalação da escada de acesso ao coro então inaugurado no interior do templo.
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O apeamento da escada que se instalara em um daqueles anexos, como já notámos, não determinou a necessidade de qualquer obra de substituição, visto que, impondo-se também o desaparecimento do coro que lhe dera origem (o grande e incaracterístico coro que no século XVIII se havia improvisado no interior da Igreja), a sua demolição não podia evitar-se.
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Todo o pavimento da Igreja, com as suas sepulturas arcaicas, desaparecera também, recoberto pelos tubões de um desses grosseiros soalhos que invadiram uniformemente os templos paroquiais do nosso País nos meados do último século quando a famosa "lei dos cemitérios", do governo cabralista, pôs termo ao costume de se enterrarem no interior dos templos os cadáveres dos paroquianos. Banido, como cumpria, o que restava desse "melhoramento", que há cerca de cem anos foi talvez festejado com orgulho pelo pároco e pelos fiéis que o custearam, um novo pavimento de lajes de granito ficou revestindo do mesmo modo o sacro chão da nave e da capela-mor.
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Publicado no Boletim nº 56 da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (do Ministério das Obras Públicas), publicado em Junho de 1949.
1 comentário:
Mais um interessante documento que nos permite compreender o percurso de vida da nossa Matriz. Parabéns, CP, pelo teu arquivo.
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