quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Problemas de habituação

Pedimos emprestado, aqui.

"'Estes engenheiros têm a mania que o betão resolve tudo', comentava ao PÚBLICO o ambientalista Raimundo Quintal, apontando as muralhas destruídas pelo caudal - que pretendiam desviar - na ribeira de João Gomes"-Público, 20 de Fevereiro de 2010.

Terminado o prazo de validade das terríveis imagens do Haiti, aguarda-se idêntico desfecho para as da Madeira. Como de costume, dá-se por certo que "não interessa apontar culpados". Já estamos habituados. Às imagens e às desculpas.

A citação que deixámos acima, podia ter sido feita nos últimos dias. Na verdade, é de 1993. Em Outubro desse ano, chuvas intensas fizeram grande destruição no Funchal, havendo a lamentar oito mortos. Pelo meio das crónicas emocionadas, alguém chamava a atenção para o assoreamento das ribeiras provocado, entre outras coisas, por erros cometidos contra o ordenamento do território.

Fevereiro de 2010. Enquanto o país assistia a impressionantes imagens de coragem e de dor, alguns jornais registavam declarações de quem sabe que as catástrofes naturais não se combatem, antes se previnem: construções juntos aos leitos das linhas de água, "lixos, terras e entulhos que têm sido despejados dentro das ribeiras", vias que bloquearam cursos de água, uma cada vez maior impermeabilização dos solos- problemas que podiam ter sido evitados e que contribuíram para a catástrofe. Alberto João, inteligente, passa a ideia de ter percebido a mensagem e anuncia não querer "andar à porrada com a Natureza". Mas o presidente da Câmara do Funchal nega tudo, apenas condescendendo numa ou noutra "opção urbanística errada". Há quem goste de levar na cara. Ou quem não se importe de ver os outros levarem...

É bem provável que, no Haiti, as mesmas construtoras que amontoaram os tijolos que o sismo de grau 7 ridicularizou, façam um grande negócio com os trabalhos de reconstrução. Na Madeira, já avisaram que o "alarmismo" pode prejudicar o turismo, pelo que tudo deve "normalizar" com o apoio do Fundo de Solidariedade da União Europeia e a aquisição do "radar meteorológico"- ou seja, dinheiro. Entretanto, fazem-se previsões sobre as consequências de um sismo na região de Lisboa, como se estivessem a organizar um jogo de apostas e os problemas ambientais saíram das agendas a bem do défice. Assim continuaremos, de catástrofe em catástrofe, cada vez mais habituados ao choque das imagens, até que... nos bata à porta.

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