quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Vivemos numa gravaura de Escher

Escher

Devem conhecer os trabalhos de Maurits Cornelis Escher, naquele jeito de criar planos ilusórios e caminhos que não levam a parte alguma. O artista era holandês e morreu em 1972, mas devia ser o ilustrador oficial das capas do Orçamento do Estado e dos "planos anti-crise", deste nosso país que por aqui vai andando neste início de século XXI.

O Banco de Portugal prevê que, em 2010, o consumo privado cresça um por cento. Resultado: o endividamento externo vai aumentar. Dito por outras palavras, como pouco ou nada produzimos e tudo compramos, sempre que sobram uns cêntimos nos bolsos e decidimos ir ver as montras, temos que ficar com problemas na consciência por estarmos a endividar o País.

Mas, como um mal nunca vem só, aí vamos de novo: o Banco de Portugal prevê que o desemprego vai aumentar em 2010. Claro! Se o pouco dinheiro que nos sobra, não é captado por empresas nacionais, quando muito ajudamos a reduzir o desemprego em Espanha ou na Alemanha. Continuemos.

Nas contas do Orçamento do Estado apresentadas na Assembleia da República, o governo prevê um défice de 9,3 por cento. Lá vêm as velhas receitas dos congelamentos salariais e da redução dos investimentos do Estado. O ridículo da situação é que, se quisermos levar a "terapia" às últimas consequências e forçarmos aparelhos centrais e locais da administração a reduzirem o seu pessoal, a única coisa que conseguimos é fazer disparar os números do desemprego, já que não há empresas nacionais com capacidade para absorver toda essa mão-de-obra. Porquê? Aqui apetecia-me desabafar, "isso também eu gostava de saber". Mas o facto de ser importada a maior parte das coisas que consumimos e de pouco ou nada produzirmos, deve ter algo que ver com isto- ter os principais grupos económicos portugueses totalmente virados para sectores não produtivos, também deve ajudar. Lá estamos nós a voltar ao ponto de partida...

Mais: contendo os salários e os investimentos do Estado, vamos provocar nova diminuição do consumo, o que, se por um lado permite reduzir as importações, também destrói qualquer hipótese de apoiar a produção nacional, melhorando a sua capacidade de concorrência e aumentando a colecta. Daí que, as iluminadas figuras (sempre as mesmas) que nestas alturas surgem com a solução na manga, tentem saltar um capítulo da história e defendam que o que é necessário é encontrar "empresas exportadoras". Pois. Também dava jeito encontrar petróleo nas Berlengas ou diamantes no meu quintal...

Com salários limitados e ameaçados pelo desemprego, resta-nos a esperança de que a seguir à tempestade venha a bonança- certo? Errado! Sem medidas que estimulem e valorizem os sectores produtivos, nomeadamente aqueles que representem reservas estratégicas e evitem importações, nada mais iremos ver do que truques para conseguir receitas e/ou reduzir despesas por parte do Estado, sem mexer no fundamental: a criação de riqueza.

São engraçadas as gravuras de Escher. Parecem fazer sentido, seja qual for o ângulo por que as observemos, sugerindo caminhos que, no entanto, não vão a parte alguma. Tal como nós.

Sem comentários: