Uma faceta menos conhecida da Associação de Futebol "Os Vouzelenses"
Primeira e última páginas dos estatutos que legalizaram a Associação de Futebol "Os Vouzelenses". São perceptíveis as assinaturas dos fundadores: Joaquim de Souto e Melo, Vitorino Figueiredo de Almeida Campos, António Francisco de Paiva, Celso Ilídio da Silva Giestas, Guilherme José Joaquim Cosme, Elmano dos Santos Ferreira Dória, Paulo de Figueiredo, Luís de Sousa, João Ferraz de Melo Cardoso, Afonso Augusto de Figueiredo, António Ribeiro Bordonhos, José Cardoso de Barros, Aurélio Henriques Almeida Oliveira, Francisco Pinto Gomes, Bernardo Caixa, António Henriques dos Santos, António Joaquim de Almeida Campos.
Esteve para se chamar "Clube de Futebol Os Vouzelenses", porque um dos sócios fundadores era do Belenenses (1). Devido ao sportinguismo de outro, teve as primeiras camisolas verdes e brancas. Mas outras influências acabaram por marcar os primeiros passos da Associação de Futebol "Os Vouzelenses", pensada há 80 anos (10 de Novembro) por um grupo de jovens sedentos de actividade, mas estruturada por outros, menos jovens, conscientes de que, na Vouzela de 1929, as poucas oportunidades tinham que ser aproveitadas e que nem só de bola vive o homem.
Década terrível a de 20, iniciada com memória bem viva de uma guerra há pouco terminada, agravada por uma pandemia, a "Pneumónica" (que obrigou a ampliar o cemitério de Vouzela) e concluída com o despoletar da "Grande Depressão". Pelo meio, Portugal viu instaurada a ditadura (1926) e Vouzela ficou sem a Comarca (1927). No entanto, talvez tenha sido a necessidade de contrariar todas estas adversidades que aguçou o engenho e a vontade, fazendo dessa mesma década um marco de realizações no Concelho.
Foi neste contexto que nasceram "Os Vouzelenses" e é ele que reflecte nas preocupações que lhe deram origem. De facto, da leitura dos seus primeiros estatutos (aprovados em 5 de Janeiro de 1930), fica-se com a ideia de que se procurou ir muito mais longe do que simplesmente criar um clube de futebol, que se aproveitou o pretexto para lançar aqueles jovens num trabalho solidário com uma população cheia de carências.
Logo no artigo 1º podia ler-se: "Sob a denominação 'Os Vouzelenses' é formada uma associação de desporto, instrução, educação cívica e auxílio mutuo(...)"(2). Mas no artigo 3º, ia-se mais longe: "Com o objectivo de instruir e educar, (desenvolverá) o maior esforço a fim de chamar à Associação o maior número possível de cidadãos, criando aula noturna, promovendo passeios, conferências (...)". No artigo seguinte, vinha a "jóia da coroa": "Prestará assistencia moral e material a todo o associado (...)", prevendo consultas médicas gratuitas, subsídios para medicamentos e auxílio "em qualquer conjuntura em que o associado peça a assistencia da Associação e esta reconheça em Assembleia Geral dever prestar-lha". Para tal, previa-se a acção solidária dos sócios que se disponibilizariam a pagar uma "quota suplementar".
Convém recordar que se estava no Portugal dos anos 20-30. A taxa de analfabetismo ultrapassava os 60% (bastante mais entre a população agrícola), a média de vida limitava-se aos 45 anos para os homens e 49 para as mulheres e a mortalidade infantil atingia valores de 144/1000(3). Vouzela era um concelho quase exclusivamente rural, com uma população a rondar os 15 mil habitantes, número excessivo para as características económicas dominantes e sem a possibilidade de recorrer à emigração (por causa da guerra, primeiro, e da crise económica, depois). A vila terminava na Escola Conde Ferreira, não havia passeios nas suas principais artérias e o chafariz, actualmente no Largo do Convento, estava localizado bem no centro da Praça da República por motivos que nada tinham que ver com a simples decoração...
Da actividade cultural então prevista conhecem-se algumas acções, tais como conferências, aulas nocturnas (ministradas graciosamente por um famoso professor daquele tempo, José Manuel da Silva) e algumas representações teatrais orientadas por António Joaquim de Almeida Campos (autor dos estatutos). Não sabemos se alguma vez foi posta em prática a vertente de solidariedade social, apesar de haver notícia de um forte esforço financeiro feito nos primeiros anos da Associação por alguns dos seus fundadores. No entanto, fica o exemplo daqueles que souberam interpretar o seu tempo e, com conhecimento e imaginação, usar os (poucos) recursos de que dispunham. Foi há oitenta anos (4).
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(1)- Quem quiser conhecer a história da Associação de Futebol "Os Vouzelenses", tem que consultar duas fontes: o artigo que Afonso Campos escreveu na edição comemorativa publicada pelo "Notícias de Vouzela" em 1979 e o trabalho de Lopes da Costa, arquivado na Biblioteca Municipal. Este último, para além de ser um conhecido estudioso da história de Vouzela, viveu o clube nas diversas dimensões que lhe marcaram os primeiros tempos, tendo sido jogador e membro do seu grupo de teatro.
(2)- Respeitamos a grafia original.
(3)- História de Portugal, José Mattoso
(4)- Os nossos agradecimentos ao actual presidente da Associação, Engº. Aidos, por nos facultar cópia dos Estatutos de 1930.
Década terrível a de 20, iniciada com memória bem viva de uma guerra há pouco terminada, agravada por uma pandemia, a "Pneumónica" (que obrigou a ampliar o cemitério de Vouzela) e concluída com o despoletar da "Grande Depressão". Pelo meio, Portugal viu instaurada a ditadura (1926) e Vouzela ficou sem a Comarca (1927). No entanto, talvez tenha sido a necessidade de contrariar todas estas adversidades que aguçou o engenho e a vontade, fazendo dessa mesma década um marco de realizações no Concelho.
Foi neste contexto que nasceram "Os Vouzelenses" e é ele que reflecte nas preocupações que lhe deram origem. De facto, da leitura dos seus primeiros estatutos (aprovados em 5 de Janeiro de 1930), fica-se com a ideia de que se procurou ir muito mais longe do que simplesmente criar um clube de futebol, que se aproveitou o pretexto para lançar aqueles jovens num trabalho solidário com uma população cheia de carências.
Logo no artigo 1º podia ler-se: "Sob a denominação 'Os Vouzelenses' é formada uma associação de desporto, instrução, educação cívica e auxílio mutuo(...)"(2). Mas no artigo 3º, ia-se mais longe: "Com o objectivo de instruir e educar, (desenvolverá) o maior esforço a fim de chamar à Associação o maior número possível de cidadãos, criando aula noturna, promovendo passeios, conferências (...)". No artigo seguinte, vinha a "jóia da coroa": "Prestará assistencia moral e material a todo o associado (...)", prevendo consultas médicas gratuitas, subsídios para medicamentos e auxílio "em qualquer conjuntura em que o associado peça a assistencia da Associação e esta reconheça em Assembleia Geral dever prestar-lha". Para tal, previa-se a acção solidária dos sócios que se disponibilizariam a pagar uma "quota suplementar".
Convém recordar que se estava no Portugal dos anos 20-30. A taxa de analfabetismo ultrapassava os 60% (bastante mais entre a população agrícola), a média de vida limitava-se aos 45 anos para os homens e 49 para as mulheres e a mortalidade infantil atingia valores de 144/1000(3). Vouzela era um concelho quase exclusivamente rural, com uma população a rondar os 15 mil habitantes, número excessivo para as características económicas dominantes e sem a possibilidade de recorrer à emigração (por causa da guerra, primeiro, e da crise económica, depois). A vila terminava na Escola Conde Ferreira, não havia passeios nas suas principais artérias e o chafariz, actualmente no Largo do Convento, estava localizado bem no centro da Praça da República por motivos que nada tinham que ver com a simples decoração...
Da actividade cultural então prevista conhecem-se algumas acções, tais como conferências, aulas nocturnas (ministradas graciosamente por um famoso professor daquele tempo, José Manuel da Silva) e algumas representações teatrais orientadas por António Joaquim de Almeida Campos (autor dos estatutos). Não sabemos se alguma vez foi posta em prática a vertente de solidariedade social, apesar de haver notícia de um forte esforço financeiro feito nos primeiros anos da Associação por alguns dos seus fundadores. No entanto, fica o exemplo daqueles que souberam interpretar o seu tempo e, com conhecimento e imaginação, usar os (poucos) recursos de que dispunham. Foi há oitenta anos (4).
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(1)- Quem quiser conhecer a história da Associação de Futebol "Os Vouzelenses", tem que consultar duas fontes: o artigo que Afonso Campos escreveu na edição comemorativa publicada pelo "Notícias de Vouzela" em 1979 e o trabalho de Lopes da Costa, arquivado na Biblioteca Municipal. Este último, para além de ser um conhecido estudioso da história de Vouzela, viveu o clube nas diversas dimensões que lhe marcaram os primeiros tempos, tendo sido jogador e membro do seu grupo de teatro.
(2)- Respeitamos a grafia original.
(3)- História de Portugal, José Mattoso
(4)- Os nossos agradecimentos ao actual presidente da Associação, Engº. Aidos, por nos facultar cópia dos Estatutos de 1930.
2 comentários:
Excelente trabalho de investigação. Os estatutos tiveram revisões posteriores? Essa tal componente social e de formação já não consta ou consta e não se aplica?
Os parabéns de um amigo de Vouzela. Excelente trabalho.
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