quarta-feira, agosto 05, 2009

Histórias de umas Festas


Folheto de divulgação das Festas do Castelo de 1958. Colecção particular de CM

A imagem que publicamos, é uma reprodução da capa do programa das Festas do Castelo de 1958. Para além da curiosidade gráfica de ter sido dos primeiros (se não mesmo o primeiro) a romper com o tradicional estilo em torno do brazão e/ou de imagens de centros de interesse paisagístico, as festas de 1958 ficaram marcadas por uma série de acontecimentos laterais que parece terem aberto feridas. Em primeiro lugar, o incêndio da Serração em plenos festejos. Depois, um estranho conflito provocado pelo modo como foi recebida uma delegação da Casa de Lafões que, na opinião de alguns, terá sido pouco menos do que ignorada pela Comissão de Festas. Tudo isso, num ano em que decorreram as eleições para a Presidência da República a que concorreu Humberto Delgado, num ambiente a que Vouzela não ficou alheia.

Por todos estes motivos (ou mais por uns do que por outros), as Festas de 1959 correram o risco de não se realizar. Quem, hoje, lê relatos daquele tempo, é surpreendido pela tensão latente, por uma quase procura do confronto que a passagem do tempo torna difícil perceber. Logo em Abril, reflectindo o desconforto que se sentia, o Notícias de Vouzela publicava na sua primeira página: "Em 'ponto morto' há várias semanas, foi agitado, inesperadamente, nos últimos dias, o caso da organização das Festas do Castelo (...)". Seguia-se, "sem comentários", a divulgação de três cartas. Uma, da Comissão Administrativa da Associação "Os Vouzelenses", dirigida à Comissão de Festas do Castelo (de 1958), onde se manifestava disponibilidade para assumir a organização dos festejos, depois de fazer várias considerações sobre o "bairrismo dos verdadeiros e bons vouzelenses, escondido, dominado, amesquinhado até, por um ambiente acomodatício do 'deixa correr', dos 'afazeres da sua vida', das imaginativas impossibilidades que aduzem os que nada fazem". Seguia-se a resposta da Comissão de Festas, louvando a disponibilidade, mas insinuando não estar nos objectivos dos Vouzelenses organizar tais eventos. Tanto bastou para que, numa última carta, esta associação se desligasse da organização das festas.

Estava-se num tempo em que as entrelinhas diziam mais do que as linhas, o que dificulta, quarenta anos depois, conseguir certezas sobre as causas deste ambiente. A verdade é que tal troca de correspondência teve o condão de mobilizar vontades, podendo o Notícias de Vouzela noticiar, bem ao alto da sua primeira página da edição de 1 de Maio de 1959, acima da notícia dos 31 anos da entrada de Salazar no governo, "Há Festas do Castelo! Tomou posse uma nova Comissão Organizadora". E os nomes lá vinham, por ordem alfabética, numa lista organizada de acordo com os princípios de uma época que defendia que "enquanto há calças, não se confessam saias": Álvaro Henriques de Oliveira e Silva, António Augusto da Rocha Rodrigues, António José de Figueiredo (filho), António Liz Dias, Celso Ilídio da Silva Giestas, Joaquim Fernandes Liz, Manuel Francisco Vitória, Manuel José de Figueiredo e Paulo José de Figueiredo. Finalmente, o toque feminino numa denominada "comissão de Kermesse", constituida pelas "jovens D. Armandina Ferreira, D. Dulce Correia Ferraz, D. Manuela dos Santos Dias e D. Cândida Beatriz Azevedo Oliveira e Silva".

Mas as peripécias não terminaram. Estava a nova Comissão a tomar posse numa sala do edifício da Câmara, eis que entra "o Sr. sub-delegado de saúde que, sem qualquer razão, em termos grosseiros e atitudes descompostas (...) e sem a mínima consideração por aquelas pessoas que ali estavam unicamente para bem de Vouzela, as escorraçou da sala!". Sem mais explicações...

A verdade é que as festas se realizaram com grande sucesso, apesar das noites frias e alguma chuva, introduzindo novidades que fizeram escola: "Muito interessante a ideia- parece que devida à camada mais jovem da Comissão- de colocar nas janelas bandeirinhas com as cores da Vila, obtendo, sem dúvida, um belo efeito ornamental". Ainda deu para homenagear o regresso do Académico de Viseu à II Divisão Nacional, com um encontro no Campo das Chãs. Resultado final: 3-3.

Enfim, histórias de um tempo em que o Monte Castelo ainda não tinha sido afastado das suas próprias festas e era palco de uma enorme merenda colectiva no dia de encerramento. Boas Festas.

3 comentários:

CP disse...

E onde é que eu arranjo um panfleto destes?

Zé Bonito disse...

Não é fácil. Mas quem tem conseguido uma colecção como a tua, consegue tudo.

augusto rodrigues disse...

Excelente texto!