quarta-feira, janeiro 14, 2009

Por aqui, a crise tem melhores vistas

Foto: António Figueiredo

Mal se abre a porta é como se uma lâmina de aço nos cortasse a cara, enquanto pequenas nuvens se vão formando ao ritmo da respiração. São lindos estes dias frios, sobretudo com céu azul e horizontes límpidos. Do alto do Monte Castelo vê-se o mundo.

Para os que ainda têm a memória da terra, o Inverno é um tempo de expectativa, de preparação- "lavoura das terras e preparação das culturas de Inverno", manda o Borda d'Água. Não tarda, há que podar as videiras. Idealizar o seu crescimento, orientá-lo e ajudar a planta a consegui-lo. Exige-se uma perfeita noção de medida no corte- nem a mais, nem a menos.

"Em Janeiro sobe ao outeiro"- manda o ditado. "Se vires verdejar, põe-te a chorar. Se vires terrear, põe-te a cantar". Bem cantávamos este ano, valesse de alguma coisa vermos terrear. A terra aí está, ao abandono, respondendo com indiferença à indiferença de quem manda. O défice externo deve-se, muito, à importação de energia-diz o nosso primeiro-ministro. Pois deve. Mas também se deve à importação de tudo o resto que não produzimos e devíamos, como… produtos agrícolas.

"Para quê salvar uma actividade que fica mais cara do que comprar ao estrangeiro?"- perguntam por uns teóricos de contas curtas (também aqui). É pena não dizerem se preferem gastar em apoios sociais e em medidas de compensação do desordenamento do território. É a tal história da noção de medida. Deviam aprender a podar videiras.

A agricultura tem uma importância social e ambiental que está muito para além do preço do molho de grelos- já nem vale a pena falar da qualidade do que se come. Viabilizá-la, depende, sobretudo, de incluir essa parcela nas contas, de a entendermos como uma peça fundamental de qualquer projecto de economia sustentada para o Interior e de furar o monopólio da distribuição. Não desperdiçar apoios europeus também ajuda.

Sopra uma brisa gelada de Norte. À nossa frente impõem-se amplos horizontes só limitados pela Gralheira. Lá em baixo o Vouga. E terra que já foi de cultivo e hoje não é. Resta a compensação de ainda o ser- só terra. É como se uma lâmina de aço nos cortasse a cara e a alma. Por aqui, doi muito a crise. Mas tem melhores vistas.

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