segunda-feira, junho 30, 2008

A propósito da discriminação positiva dos habitantes da REN

Roque Gameiro, Moinho- São Pedro do Sul

A decisão anunciada de discriminar positivamente os habitantes da Reserva Ecológica Nacional, vem relançar um debate de grande importância para um país que, até agora, abusou do seu território, encarando-o como a principal “matéria-prima” do crescimento económico. Assunto melindroso que pode chocar com questões culturais, com crenças centenárias, o uso do solo vai acabar por impor uma reflexão sobre os limites do direito de propriedade. Para já, não vamos por aí. Vejamos, apenas, o que deve justificar a existência de compensações para os proprietários de terrenos abrangidos por regimes de excepção.

Sabe-se como tudo se passou: a urbanização de espaços representou, no nosso país, a actividade económica mais dinâmica durante mais de vinte anos, alimentando uma especulação imobiliária que assumiu foros de escândalo e uma actividade financeira cujos resultados estão agora a ser sentidos no brutal endividamento da população. Portugal tornou-se no país da União Europeia com maior consumo de cimento, aquele que mais construiu e menos recuperou e, ainda, o que urbanizou maior percentagem da sua faixa costeira.

Esta perversão foi alimentada pela relativa facilidade na concessão de crédito, pelo desespero dos agricultores (à falta de melhor, aproveitaram a oportunidade para venderem as terras) e pela valorização constante de terrenos e edifícios que, durante anos, foi a imagem de marca do negócio. A limitada exigência na formação da mão-de-obra permitiu, ainda, concentrar na construção muita da oferta de emprego, usando-a como “almofada” para amortecer a crise já então sentida noutros sectores de trabalho pouco qualificado e mal pago.

Claro que os poderes públicos ajudaram (e ajudam) à festa. Governos e autarquias viram na actividade uma forma de esconderem a ausência de alternativas e de criarem uma ilusão de crescimento. Uma lei das finanças locais que estimulava a urbanização do território, foi o suporte legal para a catástrofe.

A sua intervenção fez-se, sobretudo, na alteração do estatuto dos terrenos (passando da REN ou da RAN para urbanos) e na construção de infra-estruturas. Criava-se, assim, uma valorização à custa de dinheiros públicos que apenas beneficiava privados (o proprietário do terreno). Actualmente, este processo verifica-se, também, com a classificação de “interesse estratégico”, dada a empreendimentos em áreas protegidas (os famosos PIN).

Fora de tudo isto, ficaram os terrenos da Reserva Ecológica e da Reserva Agrícola Nacional (REN e RAN). Criadas nos anos 80, aquando da passagem do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles pelo governo, foram os únicos instrumentos que permitiram limitar os estragos. No entanto, nos tempos dourados da especulação imobiliária, não era fácil explicar aos proprietários desses terrenos, por que carga de água lhes era vedado o caminho do dinheiro fácil.

Mas, analisando o problema numa perspectiva de ordenamento do território, existe, de facto, uma grande injustiça e um enorme perigo. Um terreno da REN presta um serviço público e o seu proprietário, em vez de ser compensado, é prejudicado. Se conhecer os “atalhos” certos para lhe mudar o estatuto para urbano, aumenta imediatamente o seu valor, apesar do seu interesse passar a ser exclusivamente privado. Não faz sentido. Grande parte dos Planos Directores Municipais, mostram o resultado final de tudo isto: de modo mais ou menos transparente, as pressões para retirar terrenos da REN e da RAN, são enormes.

O governo de José Sócrates já prometeu, mais do que uma vez, alterar a chamada Lei dos Solos, revendo, nomeadamente, o previsto sobre apropriação de mais-valias (a este respeito, vale a pena ler este texto do Engenheiro José Carlos Guinote). Agora, fala em “discriminação positiva” dos habitantes da REN, no âmbito do processo de redefinição das suas áreas (a cargo das autarquias- ai, ai!- e que tem a sua conclusão prevista para 2013). Veremos o que dali vai sair, numa altura em que estão perdidas todas as ilusões sobre o “arranque da economia”, os “150 mil novos empregos”, etc. Mas que é um debate necessário, lá isso é.

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