quinta-feira, maio 10, 2007

Os poetas andaram pela feira







NESSES ANOS
João Pedro Mésseder

Nesses anos o calor apertava e chegaram a temer pelas crianças. Mas os amigos vigiavam, guardando um pouco da antiga generosidade.
Puderam mostrar-lhes aquela terra desconhecida, dar-lhes a comer um pão digno e rude.
À noite, despidos pelo vento, descobriam ainda alguns lugares adormecidos. E alguém enchia páginas de um tempo suspenso sobre o rosto da planície. A planície exangue e insegura.

- Meridionais, Porto, Deriva Editores, 2007


A METÁFORA
José Fanha

Encontro o Mestre e digo-lhe que há poetas

que recusam a metáfora

e o Mestre sorri.

A metáfora é apenas a metáfora, diz ele,

e não vale a pena ser a favor nem contra a metáfora,

nem a favor nem contra seja o que for.


As coisas são e não são

à margem

dos poetas com assento

em casas de comércio,

diz o Mestre,

enquanto almoça.


A realidade vale exactamente o que vale o nosso olhar.

A realidade é um peixe,

o peixe nosso de cada poema.

E o poeta é uma criança… Um menino

que segue pelos caminhos com bolas etéreas

a subir no ar.


O poeta é um menino com olhos de menino

e uma dor muito funda no seu peito de menino.

O poeta atravessa os pátios da infância

e vai feliz, dizendo

que as breves metáforas que lança ao ar

são apenas planetas de sabão a explodir

sucessivamente

sobre a cabeça do mundo.

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