sábado, janeiro 27, 2007

Vozes Razoáveis: Os zulus da Europa (retirado do "frenesi")

Com a devida vénia, retiramos do “frenesi” algumas passagens de O Natal do Sinaleiro e Outras Crónicas (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004) da autoria de José Luís Saldanha Sanches. Não sei porquê, mas quando leio aquela parte em que o fiscalista refere os concelhos em que “há obras por causa das comissões”, não consigo evitar recordar-me que a Grande Área Metropolitana de Viseu, apresenta no Relatório do “PDICE” (não me perguntem o que é, mas envolve candidaturas a dinheiros) a proposta de construção de... uma auto-estrada entre Viseu e Coimbra! Será que não há outras prioridades? A sério?!!!

«Quando se vende armamento, ou outra coisa qualquer, para países como Angola, a principal preocupação do negociador, segundo os que já participaram no processo, não é qualidade do produto, mas sim saber quanto é a sua comissão.A boa ou má qualidade do produto é uma questão secundária. E se a má qualidade das estradas portuguesas for a razão principal para a mortalidade rodoviária, começamos a pensar em certos engenheiros que fiscalizam obras públicas.
[…]
Aquilo que o comerciante paga ao fiscal para que este não o incomode fica no circuito económico, sendo enriquecimento ilícito de um funcionário público que se vai traduzir na procura acrescida de bens ou serviços.
A menor eficiência da empresa por não ter a contabilidade falseada, ou os vícios na construção da estrada porque o fiscal da obra só vigiava a sua conta bancária, ou os atrasos em obras de grandes cidades, é um mero desperdício. Tal como o tempo que o médico público / privado perde na estrada a deslocar-se de um lado para o outro. O resultado é sempre o mesmo: um jogo de soma negativa. Todavia, como dizia o outro que se atirou da janela do arranha-céus, ao passar pelo terceiro andar: Até aqui, tudo bem.
Mesmo sugada até à medula por um sector público parasitário, por causa do saque praticado por alguns dos seus servidores, a economia tem crescido. No entanto, tudo vai azedar se, ou quando, a economia começar a crescer ainda menos, e acabar a cornucópia dos fundos estruturais.
[…]
A má reputação dos autarcas é hoje um facto público e notório. Mas o conjunto dos autarcas não há-de ser melhor ou pior do que o conjunto dos médicos ou o conjunto dos jornalistas.
[…]
Se a comissão de Estudo e Análise do Imposto sobre a Corrupção Local fosse composta por autarcas como António Saleiro, Fátima Felgueiras, Narciso Miranda, Mesquita Machado ou José Luís Judas, as ideias e os projectos iriam brotar como cogumelos.
O carácter bipartidário da comissão poderia ser garantido atribuindo a presidência a essa figura tutelar da democracia, do futebol e dos electrodomésticos, chamada major Valentim Loureiro. Tudo gente cuja honradez e dedicação à causa municipal não oferece a menor dúvida.
Sem querer antecipar-me aos trabalhos da comissão, permito-me sugerir a divisão dos concelhos em duas categorias.
A primeira seria a dos concelhos onde haveria comissões, não uma comissão como esta que propomos, mas aquelas a que se chama também luvas ou percentagens, por causa das obras.
A segunda seria composta por aqueles concelhos, já numa fase mais avançada, em que há obras por causa das comissões.
A possibilidade desta divisão pode ser medida pelo que já foi designado como sinais exteriores de bandalheira. […]
O Estado é uma coisa tão boa que o devemos ter tão perto de nós quanto possível. Talvez mesmo de modo a que possamos sentir o seu odor.
Pessoalmente, a ideia não me parece simpática. Um Estado demasiado próximo é um Estado onde não há espaço nem para a regra nem para o princípio. Só para o casuísmo do melhor e do pior.»

2 comentários:

Dom Afonso disse...

A propósito. Não querem entrar na polémica sobre o que se está a passar nas Termas?

Zé Bonito disse...

No que me diz respeito, o conhecimento que tenho sobre os pormenores da polémica em torno das Termas de São Pedro do Sul, não é suficiente. De qualquer modo, se alguém quiser lançar o debate, mesmo fora dos habituais colaboradores do "Pastel de Vouzela", basta usar o "mail". As regras são as habituais: nada de provocações gratuitas e disposição para aguentar o embate.
Um abraço