quarta-feira, agosto 20, 2014

Histórias que por cá se contam-III: lenda da Santa Combinha

"A imagem de Santa Combinha apareceu no meio de um monte, num sítio designado por “ladeira da Santa”.
 Muito em segredo, algumas pessoas de Cambra ali iam e carregavam com a imagem para a Igreja. Depois de várias tentativas, foram baldados todos os esforços para levarem até ao fim os seus intentos.
 Mal a colocavam no altar, fugia novamente para o lugar onde aparecera. Por isso, foi necessário construir-lhe a capela naquele lugar, de modo a que ali ficasse para sempre.
 Naturalmente que o povo assim o quis e religiosamente lhe construiu a capela.
 É daquele mirante de paisagem extraordinária que SANTA COMBINHA, - protectora das ovelhas, - recebe no seu seio os suplicantes devotos. No dia 20 de Julho, fazem-lhe a festa, que é muito concorrida por forasteiros que vêm de todos os lados.
 É da tradição que nesse dia da festa, os lavradores com mais bem estar económico abrissem as portas das suas adegas a amigos e conhecidos, contribuindo assim para aumentar a alegria dos forasteiros".
Fonte Biblio CRUZ, Julio Lendas Lafonenses Vouzela, AVIZ / Clube de Ambiente e Património da Escola Secundária de Vouzela / ADRL, 1998 , p.25. Imagem retirada daqui.

terça-feira, agosto 12, 2014

Histórias que por cá se contam-II: Lendas populares de Figueiredo das Donas

Foto retirada daqui
"Segundo relatos populares, existia no antigo Paço de Figueiredo das Donas, um Pombal.
Junto a esse pombal, há um grande monte de pedras, onde se julga que no meio existe uma, com a forma de cabeça de cavalo que, segundo crença antiga, localizaria o tesouro dos Mouros.
Também é dito que o corpo do cavalo já foi visto, e os crentes em patranhas acreditam que o tesouro está sujeito a um encanto. Encanto esse, que fará desaparecer o tesouro no momento em que for descoberto: - visto já terem encontrado um cálice de ouro e que na altura em que iam para lhe pegar,... a terra engoliu-o!..."
Fonte Biblio: CRUZ, Julio Lendas Lafonenses Vouzela, AVIZ / Clube de Ambiente e Património da Escola Secundária de Vouzela / ADRL, 1998 , p.26
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"Uma outra lenda que o povo tem transmitido através de muitas gerações, é a seguinte:
Há uma pia de pedra que se encontra nas redondezas do paço e perto da estrada romana que então ali passava, pia essa que tem o nome de “bica do Fuzeiro”, tendo sido ali que começou a desenrolar-se o facto histórico, que deu o nome à freguesia. Foi neste lugar, que o cavaleiro Guesto Ansures encontrou o pai de Mécia, ficando a saber, a partir deste momento, onde se encontrava a sua amada".
Fonte Biblio CRUZ, Julio Lendas Lafonenses Vouzela, AVIZ / Clube de Ambiente e Património da Escola Secundária de Vouzela / ADRL, 1998 , p.26

sexta-feira, agosto 01, 2014

Histórias que por cá se contam

Deve ser por este chão de granito que nos queima no verão e gela no inverno. Ou, talvez, pela pequenez que sentimos perante a imensidão dos horizontes,  pelo contraste das cores e dos humores das águas nas diversas estações. Deve ser por tudo isso que a memória do que por cá houve nunca se ficou pelas meias tintas. Amor ou ódio, comédia ou tragédia, tudo ou nada. Sentimentos sinceros, mas extremos, que vão muito para além do entendimento da razão. É então que entra a lenda. E elas não faltam por estas terras de santos e pecadores, heróis e mártires. Os gregos usavam-nas para ensinar as virtudes aos seus jovens e adverti-los para as misérias. Desde sempre, passaram de geração em geração, numa tentativa de explicar o inexplicável. Seja como for, as lendas, esse misto de realidade e ficção, refletem o modo como um povo se relacionou com o seu meio, com os seus medos, com os seus desejos. Aí ficam as nossas. Heróis, moiras encantadas, tesouros escondidos, milagres e lobisomens, aí se apresentam.  Apenas acessíveis a corações puros e imaginações largas.

Na última tertúlia organizada pela Associação D. Duarte de Almeida e pelo Agrupamento de Escolas de Vouzela, foi salientada a importância de se fazer uma recolha das lendas locais, usando-as para melhor dar a conhecer os diversos cantos do concelho. Com as oito publicações que se seguem, iniciamos o nosso modesto contributo. Já de seguida, publicamos a conhecida lenda do Tributo das Donzelas, associada a Figueiredo das Donas e, posteriormente, iremos publicar a referência a duas outras dessa localidade (Lendas Populares de Figueiredo das Donas). Seguem-se a lenda da Santa Combinha, a da Caninha Verde, a de Santo Estêvão, a da Cova do Lobisomem, a da aparição de Nossa Senhora dos Milagres e, por último, Queiran (escrita assim mesmo e que se refere a Igarei). Em cada publicação serão indicadas as fontes usadas. No entanto, deixamos já duas referências: a excelente coletânea disponibilizada pelo Arquivo Português de Lendas e o trabalho de recolha realizado, há uns anos, pelo Clube de Ambiente e Património da Escola Secundária de Vouzela e pela ADRL.

Tributo das Donzelas


"Contam todos os nossos historiadores que o que deu a esta freguezia o sobrenome (das Donas) foi o facto seguinte.
Mauregato, filho de D. Affonso, o catholico, e d’uma escrava, pretendeu usurpar (como usurpou) o throno a seu sobrinho, D. Afonso, filho de D. Fruela, e para isto pediu e obteve o auxilio das tropas do kalifa de Córdova, Abd-el-Raman, em 783, mediante o vergonhoso tributo de 100 donzellas lusitanas, para os harens mouriscos.
Em 784, Orélia e mais 5 companheiras, d’estes sitios, foram escolhidas pelos caçadores do usurpador, para fazerem parte do tributo d’esse anno. Hiam ellas passando por Figueiredo, acompanhadas e guardadas por 20 mouros e 40 castelhanos, todos de cavallaria, álem dos guardas de pé.
Um nobre cavalleiro lusitano, de sangue gôdo, natural de Lafões, chamado D. Guesto Ansur, era namorado de Orelia, que lhe mandou dizer a desgraça que lhe acontecera e pedir-lhe que a salvasse.
D. Guesto junta á pressa uns trinta homens de Lafões e com elles cahe inopinadamente sobre a escolta que conduzia as donzellas a Merida, quando ella passava a Figueiredo. O furor de D. Guesto e dos seus era tal, que os mouros e castelhanos morreram quasi todos no combate. As damas foram libertadas, e D. Guesto as levou para o seu castello e alli casou com Orelia.
(Ha tambem quem diga que este facto não occorreu aqui, mas em Figueiró dos Vinhos. Estes, quanto a mim, fundam-se sómente nos primeiros dois versos da poesia de D. Guesto, que em muitos escripmres veem assim – «No figueyrol de figueyredo – A no figueyrol entrei.»)
No maior furor da peleja, tinha quebrado a espada D. Guesto; mas este estroncando um grosso ramo d’uma figueira, continuou com elle a esmagar os inimigos.
Por esta façanha, D. Bermudo 1.º deu, em 789,  a D. Guesto Ansur o appellido de Fígueiredo (outros ditem, de Figueirôa) e por armas um ramo de figueira.
Depois, na reforma dos brazões, em logar do ramo, foram 5 folhas de figueira, que ainda hoje são as armas dos Figueirôas.
O mesmo rei determinou que ao logar da peleja te chamasse d’ahi em diante Fígueiredo das Donas.
Dizem outros escriptores que estes appelidos e estas armas, foram dadas por D. Ramiro 1.º em 848, mas é mais provavel que fosse D. Bermudo 1.º porque é de suppor que D. Ansur já não existisse 64 annos depois d’este facto, e mesmo porque o rei não demoraria tanto tempo um premio que nada lhe custava.
Os gallegos dizem que um facto semelhante aconteceu junto a Mondonhêdo, por esse tempo, com um cavalleiro da Galliza, que tambem com uma pernada de figueira matou os guardas que escoltavam algumas donzellas d’aquelle reino, destinadas ao infame tributo, resgatando-as. Outros escriptores gallegos e castelhanos dizem que o tal cavalleiro que obrou esta façanha tinha por appellido Figueirôa já antes a d’ella, e que é por esse motivo e não por ter combatido armado do ramo de figueira, que aos seus descendentes se conserva o appellido de Figueirôas.
O que é certissimo é que todos os escriptores de boa nota contam o facto e a origem do appellido e das armas, como primeiro relatei – que em Hespanha ha tambem o appellido de Figueirôa, – e que, nem só em Figueiredo das Donas e Mondonhêdo, mas em varias terras das Hespanhas, o povo por varias vezes sahiu ás escoltas que levavam as donzellas do tributo, e as libertaram, com mais ou menos derramamento de sangue.
Este infamante tributo só durou 6 annos, porque, tendo morrido o usurpador Mauregato, em 789, e subindo ao throno D. Bermudo I, só n’esse anno pagou o tributo, porque atacando as tropas do kalifa Abd-el-Raman, junto de Aledo, as derrotou, e livrou os christãos de tão humilhante tributo".
Fonte Biblio: PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisboa, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo III, pp. 193-194, in Arquivo Português de Lendas.
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Relacionada com esta lenda, existe a "canção do figueiral", datada do século XIII e cuja letra apresentamos de seguida (a adaptação musical feita por Luís Cília e incluída no album de 1974, "O Guerrilheiro", pode ser ouvida aqui):

No figueiral figueiredo
A no figueiral entrei,
Seis niñas encontrara
Seis niñas encontrei.
Para ellas andara,
Para ellas andei,
Lhorando las achara
Lhorando las achei
Logo las pescudara
Logo las pescudei.
Quem las maltratara
Y a tão mala ley?
No figueiral figueiredo
A no figueiral entrei.

Uma repricara:
"Infançom nom sey,
Mal houvesse a terra
Que teme o mal rey
S'eu las armas usara
Y a mim fee nom sey
Se hombre a mim levara
De tão mala ley.
A Deus vos vayades,
Garçom, cá nom sey
Se onde me falades
Mais vos falarey;"
No figueiral figueiredo
A no figueiral entrei.

Eu lhe repricara:
"A mim fee nom irey
Cá nos olhos dessa cara
Caro los comprarey;
A las longas terras
Entraz vós me irey,
Las compridas vias
Eu las andarey,
Lingoa de aravias
Eu las falarey,
Mouros se me visse
Eu los matarey".
No figueiral figueiredo
A no figueiral entrei.

Mouro que los goarda
Cerca lo achey
Mal la ameaçara
Eu mal me anogey,
Trocom desgalhara
Todolos machuquey,
Las niñas furtara,
Las niñas furtey.
Lá que a mim falara
N'alma la chantey.
No figueiral figueiredo
A no figueiral entrei.