sábado, junho 14, 2014

Poupanças que nos vão custar muito caro- a propósito do encerramento das escolas


Vem sempre embrulhado em comovedores discursos sobre o insucesso escolar e crianças que não têm colegas para brincar, mas o objetivo é só um: reduzir custos. Falamos do folhetim do encerramento das escolas que no próximo ano vai conhecer novos episódios. Só na região de Lafões prevêem-se 21 (veja aqui a lista, retirada do maisnorte.pt). A moral desta história é sempre a mesma: no interior, os cidadãos são de segunda.

A argumentação sobre a reorganização da rede escolar, baseia-se em várias armadilhas e truques baixos, tentando que  se confunda a árvore com a floresta, ou seja, que nunca se analise a totalidade do problema. Vamos por partes.

As crianças que não há e o fado do 21

É verdade que nascem menos crianças em Portugal e que isso tem que se refletir nas escolas. Em cerca de trinta anos perdemos um milhão, facto que serve para múltiplos lamentos, mas nenhum estudo digno desse nome sobre as diversas causas. O que ninguém diz é que já aquando da reforma Roberto Carneiro (finais dos anos 80), os estudos coordenados pelo Prof. Fraústo da Silva alertavam para uma previsível redução de 500 mil alunos até ao ano 2000. Houve, então, tempo mais do que suficiente para se repensar tudo: escolas, curricula, acesso à formação inicial de professores. Ora, a reorganização da rede de escolas só começou em 2005 (encerramento de estabelecimentos com menos de 10 alunos). Que é que se fez entre esses dois momentos? No fundamental, nada!

Mas, a mentira mais grave está no simplismo dos argumentos apresentados, como essa misteriosa inevitabilidade de encerrar escolas com menos de 21 alunos. Já aqui tínhamos falado nisso, estava Isabel Alçada à frente da Educação no último governo de José Sócrates. Na verdade, nunca foi explicado esse número mágico de 21, a partir do qual é suposto estarem reunidas as melhores condições sociais e pedagógicas, mas que remete para o inferno todos os anteriores. Pior: nunca se falou nas consequências dessa medida em regiões envelhecidas, com localidades onde ter duas dezenas de crianças a correr pelas ruas é não só raro, mas, nos tempos que correm,  um dos poucos sinais de esperança que lhes resta. E é aqui que entramos na mistificação pura e dura.

O barato que sai caro

A Escola presta e é um serviço social que se reflete no funcionamento global da sociedade, mas que também sente no seu interior os "sinais" que esta lhe envia. Não é, pois, possível, pensar a Educação sem ter em conta o contexto em que vai ser aplicada, estejamos nós a falar do programa desta ou daquela disciplina, ou da localização de uma determinada escola. Isto, porque não é a mesma coisa decidir sobre o encerramento de um estabelecimento de ensino no centro de Lisboa ou em Covas do Monte, do mesmo modo que não é possível exigir igual desempenho, numa mesma área do conhecimento, a crianças desses dois diferentes meios. Não se trata de dizer que uma é melhor do que a outra. Trata-se de reconhecer que dispõem de recursos diferentes, logo, exigem soluções diferentes.

Se nos limitarmos à aparência das coisas, até podemos dizer que o ministério da Educação quer dar a todas as crianças as mesmas condições que têm as do centro de Lisboa (ou do Porto, ou de Coimbra, ou...). Não é verdade. O encerramento das escolas em localidades do interior, está a ser feito numa altura em que aí se acaba com muitos outros serviços, com o argumento de que é necessário racionalizar a sua oferta, devido ao despovoamento. Ora, se o encerramento de uma escola no centro de Lisboa pode provocar o incómodo de obrigar a mudar de linha de autocarro ou de metro, no interior transmite uma mensagem clara, se não para as crianças, de certeza que para os seus pais: "ponham-se a andar daqui para fora porque não têm futuro". Ou seja, a medida tende a agravar o problema que a provocou. Mas não se fica por aqui. Se a opção for emigrar, por muito bem sucedida que seja do ponto de vista económico, isso representará, sempre, a rutura com a rede de suporte daquela família, obrigada a recorrer a serviços pagos para conseguir o apoio que, antes, qualquer familiar ou vizinho lhe dava. Transfere-se, assim, para o cidadão, o custo da resolução de um problema que não provocou e que competia aos governos ter resolvido.

É tudo? Não, ainda há mais. Para as localidades afetadas é um drama. Por mais projetos que tenham para atrair investimento, apoiar atividades económicas e, desse modo,  aumentar a oferta de emprego, são obrigadas a entrar num confronto desigual, contra um adversário que dificulta a circulação de pessoas e viaturas com as portagens, que diminui a capacidade de resposta dos serviços encerrando-os, que provoca a saída sobretudo dos mais jovens por falta de emprego e de perspetivas de futuro. Esse adversário chama-se governo central. Um governo que não percebe que, para conseguir algumas poupanças imediatas, hipoteca muitas receitas futuras, desperdiçando o potencial produtivo de grande parte do país.

Que ideias há para o território?

Por tudo isto, não é honesto falar em encerramento de escolas ou de quaisquer outros serviços sem  falar disto tudo e sem que nos apresentem opções claras e globais para todo o território nacional. O que queremos saber é se o despovoamento do interior é para continuar ou contrariar. É muito diferente considerarmos uma situação inevitável e irmo-nos adaptando a ela, assim como quem vai fechando as divisões de uma casa que ameaça ruína, ou, pelo contrário, saber que "obras" urge fazer e quando. Aceitar responder aos problemas, sem respostas claras para estas dúvidas, é permitir que a vida das populações do interior seja um joguete ao sabor de opções orçamentais de curto prazo.

Começaram por fechar escolas com menos de 10 alunos, passaram, depois, para os 21 e, se não pusermos um ponto de ordem nesta coisa, arriscamo-nos a que a parada vá sempre subindo. Ataque á escola pública? É muito mais do que isso. É um sinal de que se quer desistir de grande parte do país.
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Nota final: Depois de vários disparates, o ministério da Educação percebeu que é muito diferente medir distâncias entre localidades com régua e esquadro e percorrê-las em estradas de serra cobertas de gelo no inverno. Fala, agora, em tempo de viagem e transfere para as autarquias locais a decisão final sobre o encerramento das escolas. Mas, cuidado: convém saber se as verbas que venham a ser transferidas vão respeitar este acréscimo de sensibilidade.

quarta-feira, junho 11, 2014

Sabem o que vos digo? Passem férias no campo!

 
Como se não bastasse a falta de areia e a queda de arribas, agora permite-se a privatização de espaço público. Não acredita? É ler aqui.