quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Ele aí vem!

(Actualizado)
O comboio pode regressar a Vouzela. De acordo com o presidente da Câmara de Aveiro, é intenção do governo “abrir concurso para o estudo-prévio e avaliação de impacto ambiental do troço Aveiro-Viseu ainda este ano” (Jornal de Notícias, a partir daqui)). Élio Maia respondia às críticas de um vereador do Partido Socialista que o tinha acusado de passividade na polémica sobre a localização da estação do TGV (que parece estar prevista para Albergaria-a-Velha). Na sequência disso, defendeu ser mais importante para Aveiro a ligação a Salamanca em comboio de alta velocidade, tendo então adiantado a informação sobre a ligação Aveiro-Viseu.

Se por "alta velocidade" entendermos o TGV, claro que não podemos esperar por uma paragem em Vouzela para comprar pastéis- por muito que o mereçam. Aliás, nem em Vouzela, nem em qualquer outro local, cuja distância seja incompatível com a velocidade desejável. Agora, o que nos parece é ser esta a grande oportunidade para reivindicar que a região volte a ser servida pela via férrea. Já que o "canal" vai ser aberto para velocidades altas, porque não conciliá-lo com opções de velocidade mais moderada?

Sempre defendemos que o regresso do comboio, mais tarde ou mais cedo, acabará por ser inevitável. Resta saber qual será a capacidade (e o interesse) dos responsáveis pelos três concelhos de Lafões para imporem a sua participação neste debate. Ou, se quiserem, qual será a nossa capacidade para os fazer entender que não nos basta ver passar... as bicicletas.

Em defesa dos muros de pedra

Normalmente são associados a marcas de propriedade. Para nós, os muros de pedra são condição de existência. Espaço vital arrancado à serra, foram a base de tudo o resto. Aí se construíram casas e terrenos agrícolas, com eles se suavizou, tanto quanto possível, a existência difícil do serrano.

Os muros de pedra são, nesta região, marcas de identidade, reflectindo formas de apropriação do espaço e conhecimentos técnicos com provas dadas ao longo de séculos. Como tal, deviam ser protegidos. Quando, no seu “Plano Estratégico” para 2007, a Câmara Municipal de Vouzela prometia “recuperar o património rural de carácter colectivo”, não sei se tinha em mente os muros de pedra. Mas devia. Protegia-se o património e promovia-se uma actividade económica de exigente formação a ele associada. Pequenos passos para um desenvolvimento sustentado.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

À janela

A semana que passou foi rica em acontecimentos que merecem tempo de reflexão. Quando já todos lamentávamos a seca, eis que chuvas fortes, durante uma noite, bloquearam parte do país e o raciocínio de alguns responsáveis. O ministro do Ambiente sacudiu a muita água que lhe coube para cima das autarquias e o Dr. Ruas respondeu, devolvendo a molha. Mas ficou sem se perceber como é que o governo transfere mais responsabilidades na gestão das escolas para os mesmos a quem não reconhece competência para limpar sarjetas. A meio da semana, o ministro das Finanças defendeu gestores bem pagos, mas cidadãos poupadinhos a bem da inflação, enquanto novos estudos mostraram que as “derrapagens” nas obras públicas, longe de serem excepção, são a mais rigorosa das regras. E quando a SEDES veio alertar para o perigo de surgir uma “crise social”, eis que um estudo (mais um) da Universidade da Beira Interior confirmou o que já pressentíamos: a crise já aí está.

Vamos por partes, devagarinho, naquele ritmo preguiçoso de quem vê o mundo passar-lhe frente à janela. Parece-nos a melhor forma de tentarmos compreender o que nos acontece e, no estado em que as coisas estão, não é por andarmos mais depressa que vamos a lado algum.

A chuva caiu...

“Chuvas intensas, é certo, mas o pandemónio de água que inundou a Grande Lisboa deveria merecer reflexão sobre as consequências da crescente urbanização e impermeabilização dos solos urbanos. Mas, no entanto, o que se viu foram declarações do ministro do Ambiente, Nunes Correia, a reduzir o problema a questões de limpezas de sarjetas e algerozes(...)”

... e a água não pára

“Quando fui DREC testemunhei até onde podem chegar certos apetites autárquicos de interferência absurda e ilegítima no funcionamento de algumas escolas e dos seus efeitos nefastos”- José Manuel Silva, antigo Director Regional de Educação do Centro.

Não há dinheiro...

"Há 10 anos que os funcionários da função pública perdem poder de compra. O ano passado, o salário médio líquido dos trabalhadores por conta de outrem passou de 719 para 720 euros. As pensões dos mais pobres dos pobres, 1,6 milhões de portugueses que recebem menos do que o salário nacional, tiveram um “aumento” abaixo da inflação"- texto integral aqui.

... nalguns bolsos

“Foi a percepção de que raramente as empreitadas não derrapam e a vontade de criar um modelo que permita calcular com maior exactidão os custos reais que levou o engenheiro António Flor a fazer incidir a sua tese de doutoramento sobre esta matéria. Para o seu trabalho, socorreu-se de auditorias do Tribunal de Contas a 73 obras públicas - desde o Metropolitano de Lisboa aos estádios do Euro/2004. Do conjunto de empreitadas estudadas, verificou-se que 69 custaram mais do que o previsto, sendo que a dimensão do desvio varia entre 7% e 243%. Ou seja, em média, as obras públicas custam mais 102% do que o previsto. A ordem de grandeza é relevante, se se tiver em conta que os contratos públicos (empreitadas e aquisições de bens e serviços) representam cerca de 14% do Produto Interno Bruto (indicador da riqueza produzida pelo país)”.

Olha a crise...

“O mal-estar e a degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento. E se essa espiral descendente continuar, emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever”.

... que há muito sentimos

“Estas classificações revelam que, em termos de qualidade de vida, os municípios do interior centro do país, têm ainda um longo caminho a percorrer, no sentido de proporcionar um maior bem-estar às populações e, dessa forma, serem também mais atractivos em termos de fixação de novos habitantes, contrariando a tendência da desertificação".- ver tabela ordenada, aqui.

domingo, fevereiro 24, 2008

Alterações na embalagem-II

"É a serra do Caramulo ou da Gralheira?"- foi a crítica maioritária ao anterior cabeçalho. Também houve quem dissesse que "os pastéis querem-se inteiros" e com isto ficou claro que a imagem não era perceptível, estava mal trabalhada, tinha uma incorrecta relação com as letras, em suma, somos uns nabos. Hoje apresentamos nova proposta porque uma coisa é certa: a maioria aprovou uma alteração ao cabeçalho mais personalizada. E como o produto mais elaborado ainda vai demorar no forno (ou, mais correctamente, na caldeira...), há que encontrar um entretanto. As críticas continuam a ser desejadas, mas lá em cima, na imagem da tesoura, ao alto na coluna da direita. Ah! Em resposta a vários pedidos também facilitámos os comentários. Avancemos.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Chamem-lhe metro de superfície

Os municípios de Viseu, S. Pedro do Sul, Vouzela, Oliveira de Frades, Sever do Vouga, Águeda e Albergaria-a-Velha, vão candidatar ao QREN a construção de uma Ecopista com uma extensão de 75 quilómetros. A obra tem um investimento previsto superior a 5 milhões de euros e terá como base a antiga linha do Vale do Vouga.

Os pormenores podem ser procurados no Notícias de Vouzela (clicar no nome), mas interessa também ler o comentário do Viseu, Senhora da Beira, a cuja opinião nos juntamos. De facto, a maior parte destas autarquias ou não percebe ou menospreza as consequências (inevitáveis, a médio-prazo) de estar completamente dependente do transporte rodoviário, sem resposta para as previsíveis dificuldades que lhe irão ser colocadas. Sobretudo parece não perceber ou menosprezar o jeito que nos dava o regresso do comboio, quer para enfrentar as limitações que se adivinham, quer como elemento de apoio a uma actividade turística capaz de satisfazer uma potencial clientela de elevado poder de compra, mas de idade cada vez mais avançada (ver aqui).

Nada temos contra as ecopistas, muito pelo contrário. Mais: se essa é a única forma de salvar um conjunto de “obras de arte” associadas ao antigo caminho de ferro, venha a Ecopista. Mas não temos quaisquer dúvidas de que esta seria a altura certa para reivindicarmos uma ligação ao litoral por via férrea. E se o comboio não soa suficientemente “modernaço” e pomposo aos senhores autarcas, chamem-lhe... “metro de superfície”.
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Já agora, se o objectivo da Ecopista também é animar um certo turismo, que sentido faz abrir bares que substituem visitas às localidades, vão estar fechados a maior parte do ano e vão representar custos adicionais?

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

“Só o homem morre de não ser quem era” (*)

Já tínhamos lido na “Gazeta da Beira”, lemos novamente no “Negrelos online”: o Cénico- Grupo de Teatro Popular de São Pedro do Sul, corre o risco de acabar. Mau sinal. Pode fechar tudo, podem encerrar tribunais e centros de saúde, pode a crise roer-nos até às entranhas, mas se desistimos de pensar, de procurar respostas, de sonhar, é a morte que se aproxima. E em Vouzela, a nova sala de espectáculos permanece fechada...
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(*)- Jorge de Sena

As coisas que se dizem

Vou ser sincero. Da última vez que recusámos a nomeação para o Nobel lembraram-se do Barroso para o “da Paz”. Nunca mais recusámos coisa nenhuma. Desta vez, foi a simpatia do Notícias d’Aldeia que se lembrou de nós. Diz-se muita coisa e ele diz “que até nem somos um mau blog”. Enfim, tem dias, mas lá está: não recusamos a distinção.

Como as regras desta cadeia blogosférica requerem que nomeemos sete referências, assim ao estilo “passa ao outro e não ao mesmo”, privilegiamos os regionais: A Ilusão da Visão, a Avenida Central, Viseu, Senhora da Beira e o recente (mas com uma colecção de imagens que nos põe roidinhos de inveja) Postal de Vouzela. Numa votação realizada entre a malta da redacção, obtiveram o título de “blogues diariamente lidos para não morrermos estúpidos” o Ladrões de Bicicletas, o Arrastão e o Blasfémias, o que prova a nossa tolerância, abertura de espírito e lugares-comuns do género.

Ficaram de fora todos os que se relacionam com objectivos comerciais (apesar de muito bons) e a votação foi rigorosamente respeitada, tendo afastado blogues fantásticos como o Zero de conduta, o Memória Inventada e alguns mais, o que me irritou profundamente- mas aqui não se aplica o princípio da Lei Eleitoral para as autarquias.

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Ainda os projectos de Sócrates: a banalização do desordenamento

"Pouca-terra, pouca-terra"... e tão maltratada

Os famosos projectos de engenharia de José Sócrates continuam a dar que falar, pondo a nu o país em que nos tornámos. Se os defensores do primeiro-ministro tentam desviar atenções e vender teorias da conspiração, também os críticos têm "jogado curto", limitando-se, na maior parte dos casos, a uma abordagem superficial da atitude do engenheiro, sem a relacionarem com as práticas que levaram ao generalizado desordenamento do nosso território. Será que por tão frequentes já todos as aceitam?

Em nossa opinião (já aqui publicada no texto “Tens mau gosto, pá”), a atitude de Sócrates merece a condenação pública, independentemente de estarmos a falar do primeiro-ministro e antigo responsável pela pasta do Ambiente- estes pormenores apenas agravam um problema que existe para além deles. Também é condenável, independentemente da atitude intimidatória que ele adoptou para com o jornalista e o jornal que fez e publicou a investigação. Neste caso, estamos perante um segundo problema, tão ou mais grave do que o primeiro.

Temos um país inteiro cheio de marcas de “engenharias” como as de José Sócrates. Elas foram possíveis, devido à indiferença generalizada perante os mais elementares princípios do ordenamento do território e, nalguns casos, ao mau funcionamento (propositado ou não) da fiscalização. Tudo isso num tempo em que o “boom” do imobiliário era a base do nosso crescimento económico, chegando a enquadrar cerca de 30% da nossa população activa, o que lhe permitiu adquirir privilégios em todos os patamares da administração local e central. Já começámos a pagar a factura.

Nos casos dos projectos do engenheiro Sócrates, estamos perante apontamentos mais ou menos isolados, quase só relacionados com habitações individuais. Mas são conhecidos casos mais mediáticos, envolvendo obras públicas, com erros monumentais, cuja solução está a ser paga com dinheiros públicos. A má definição do traçado do antigo IP5 e o metro do Terreiro do Paço são apenas exemplos, a que podemos juntar todas as obras em que, por erros de planeamento e desrespeito de normas, Portugal foi condenado em instâncias internacionais. Ora, esta socialização dos prejuízos de obras que apenas beneficiaram privados, foi o resultado final do mau funcionamento dos serviços, do tornear das imposições legais e de uma concepção de território de que os projectos de Sócrates são um exemplo.

Até agora, nunca vimos pegar o problema por este lado. Tem havido, até, uma espécie de pudor em agarrar no assunto por parte da generalidade dos partidos políticos, contribuindo para o simplismo do “eles são todos iguais”. É como se os problemas do desordenamento do território se tivessem tornado tão banais, que já ninguém liga.

A imagem que ilustra este texto refere-se a uma situação real, aqui de Vouzela. O prédio que parece ser o alvo da locomotiva está construído em cima do que foi a linha do comboio, num contraste chocante com toda a envolvente. Garantem-nos que a Câmara da altura, quando se apercebeu do erro, tentou emendá-lo, estudando a hipótese de indemnizar os proprietários do prédio. Impossível devido aos valores envolvidos. E o prédio lá está e a agressão à paisagem, também. Alguém lucrou, perdemos todos nós. O mesmo dizemos dos projectos de Sócrates.

domingo, fevereiro 17, 2008

Alterações na embalagem

Nos próximos tempos o Pastel de Vouzela vai fazer algumas alterações à embalagem, que é como quem diz, à imagem do blogue. Um ano e dois meses após termos iniciado, é tempo de conseguirmos algo feito por medida, menos pronto- a- vestir. A ver vamos se o conseguimos, a partir da "prata da casa" e da ajuda de outros que sabem comer o pastel. Vamos começar por cima, experimentando vários cabeçalhos, sempre com o genuíno Pastel de Vouzela (claro!) como tema de fundo. Depois, logo se vê se as “economias” chegam para mais. Há livro de reclamações, que é o mesmo que dizer que se agradecem críticas.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Boas notícias

Em Vouzela

De vez em quando temos surpresas destas. Gente que por aqui passa e decide deixar registo do muito que isso lhe agradou. Foi o que fez o autor desta sequência pescada no YouTube e que nos despertou uma enorme vontade de procurar o som do silêncio. Influenciados pela harmonia dos espaços, só vamos dar boas notícias. Sem perdermos de vista o Caramulo.

Lemos no Notícias de Vouzela (14/02/2008) que o actual bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, se manifestou esperançado na manutenção do Tribunal em Vouzela. Que assim seja. E que os responsáveis locais percebam, de uma vez por todas, que devem abandonar “querelas de paróquia” e assumir o conjunto da região de Lafões no planeamento dos serviços.

A Associação de Desenvolvimento Dão, Lafões e Alto Paiva e a Sociedade Portuguesa de Inovação apresentaram, em Vouzela, o Plano “Território Dão, Lafões e Alto Paiva- Perspectivas de Desenvolvimento”, a desenvolver até 2015. De acordo com o Notícias de Vouzela (07/02/2008), um dos autores do estudo, Pedro Saraiva, terá afirmado: “Este território tem que ser visto como um interface vivo, inovador e criativo, onde o rural e o urbano se complementam, tirando-se assim o melhor de dois mundos”. Está desde já convidado para integrar a equipa do Pastel de Vouzela.

A Câmara Municipal continua a tentar que lhe seja cedida a propriedade do edifício do antigo quartel da GNR de Vouzela. Se não estamos em erro, foi erigido a partir do traço do mestre local Guilherme Cosme que bem merecia que lhe preservassem a memória. Perdida a oportunidade de o fazer com a Pensão Jardim, o antigo quartel pode ser um bom pretexto.

O governo parece ter recuado na decisão de atribuir aos autarcas maior poder na definição da Reserva Ecológica Nacional. Para já, só o Dr. Ruas manifestou o seu desagrado, dizendo que bastava que o governo dissesse “o que é ecológico e o que não é”. E com isto disse tudo, nomeadamente sobre o perigo que representa dar-lhe mais poderes na matéria.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

E as mimosas floriram

Mimosa no Monte do Castelo

. A propósito da anunciada revisão das áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional e do maior peso que as autarquias vão ter nesse processo, disse o Dr. Ruas que “ ninguém está mais interessado em preservar os aspectos ecológicos (sic) dos municípios do que os autarcas”. Ora bolas. E andávamos nós convencidos de que todas as grandes tramóias com a alteração do estatuto dos terrenos, tinham sido feitas com a conivência dos autarcas- talvez seja altura de recordar o processo vivido no concelho da Moita e de que demos notícia o ano passado ( aqui e aqui), prestando homenagem a um dos que souberam resistir.

. Falando de autarcas e preocupações ambientais, lê-se no recente relatório publicado pelo INE: "Em 2006, as despesas dos municípios, por habitante, em gestão e protecção do ambiente, diminuíram 4,9%, face ao ano anterior. Os maiores decréscimos verificaram-se nas Regiões do Algarve (-17,5%) e Centro (-13,6%). A Região Autónoma da Madeira com um crescimento de 40,2% passou a ser a Região com o valor médio por habitante mais elevado (129 euros), enquanto a Região Norte registou um valor médio anual de 44 euros, por habitante". Sem comentários.

. Ouvimos um tal presidente de uma tal Confederação Nacional das Associações de Pais, elogiar a decisão da ministra da Educação de alargar a permanência na escola de todos os jovens do 2º Ciclo. Dizia o senhor que a escola actual "empurra os alunos para a rua". Desiludam-se os que pensam que o que falta aos nossos jovens é, precisamente, a possibilidade de usufruírem a rua. Ou por já não haver rua usufruível, ou por não haver pais com possibilidade, disponibilidade ou coragem para o serem... Que tal uma Associação de Filhos?

. Ah, não esquecer: as mimosas estão em flor. Parece que são da família das acácias e, como tal, espécie invasora que importa controlar. Mas veste de tons amarelos as nossas serras, permitindo um espectáculo único. Neste Fevereiro anormalmente quente, um pormenor de beleza que se regista, não ignorando a sabedoria popular: “Fevereiro quente, traz o diabo no ventre”.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

A participação de Cambra no concurso da "aldeia mais portuguesa de Portugal"

Torre de Cambra

Corria o ano de 1938. O Secretariado da Propaganda Nacional (SPN) organizava o concurso que havia de ficar conhecido por “Aldeia mais portuguesa de Portugal”. Percorrendo o país em busca de candidatos, os responsáveis pela selecção foram parar a Cambra:
“Por uma estrada cheia de sombra e beleza, em frente dum vale encantador de bucolismo e côr, um automóvel deslisa suavemente transportando três passageiros embevecidos e encantados com o que os seus olhos gulosos saboreavam. Uma curva mais apertada, um estremeção mais violento, uma paragem brusca: estava-se no coração da Frèguesia de Cambra(...)”(1)

Procurando quem os informasse sobre a localidade, perguntaram a uma mulher, capucha vestida, longos anos já vividos, que se disponibilizou a levá-los a quem sabia- “gente abastada e sabedora, que mora mais adiante”(2). Eles que a seguissem. Espantaram-se os citadinos, pois havia que percorrer cerca de dois quilómetros e eles tinham um carro. Ela que entrasse e indicasse o caminho, isso sim fazia sentido. Não fez. A mulher recusou-se a entrar no automóvel e cada um foi pelos seus próprios meios. Eles de carro, ela a pé.

"Capucha"- Boletim da Comissão de Iniciativa

O SPN, dirigido por António Ferro, foi o responsável pela a imagem do país que Salazar quis fazer passar nos anos que antecederam a segunda guerra mundial. Um país organizado, limpo, orgulhoso das suas tradições, ordeiro. Só a última correspondia à realidade mas, como o próprio Salazar tinha afirmado na tomada de posse de António Ferro, “em política o que parece, é”. E foi. De Norte a Sul multiplicaram-se os ranchos folclóricos, “decorou-se” o património(3), alindaram-se os lugares. Muito do imaginário ainda hoje dominante sobre o meio rural, teve aqui a sua origem. O concurso da “Aldeia mais portuguesa de Portugal”, fazia parte dessa estratégia.

A avaliar pelo que é relatado no “Notícias de Vouzela” da época, foi muito o que, em Cambra, interessou aos organizadores. Os cantares, o artesanato de lã e de linho, o viver:
“A casa rústica, sem rebôco ou caiação exterior, de grossas paredes ‘patinadas’ pela chuva e pelo sol de muitos anos, com seu algerós de pedra; os extensos parreirais enchendo de sombra e de frescura as tortuosas ruas, o carro rústico, com seu anteparo de verga, (...) puxado por mansas vacas de grandes olhos meigos e resignados; o vasto e semi-circular páteo ou quinteiro, rodeado das várias dependências da casa do lavrador, pejado de mato, de ancinhos, de enxadas, de carros, de alfaias domésticas (...); o extenso eirado onde moçoilas desempenadas, alegres e gentis, de ancinho em punho, enfeixavam feno ou remexiam a semente de erva estendida ao sol; os grupos gárrulos de segadores e segadoras curvados sôbre os campos cobertos de erva já madura foram espectáculos e aspectos que se fixaram indelèvelmente na memória dos que os viram.
(...)
A coroar o espectáculo magnífico, a ‘Cova do Lobishomem’ e o panorama soberbo dos pendores do Caramulo dominados pelas meio derruídas paredes do velho castelo”(4).

A restante fase de selecção foi acompanhada ao pormenor. Na sua edição de 15 de Junho de 1938, na rubrica “Notas &”, lia-se na primeira página do “Notícias de Vouzela”:
“Consta-nos que a frèguesia de Cambra, do nosso concêlho, continúa a ser a terra, entre as já visitadas para tal fim, que reune mais probabilidades de representação para a classificação da ‘aldeia mais portuguesa de Portugal’, muito concorrendo para isso as suas canções regionais”.

A 15 de Setembro era noticiada a constituição do júri, cuja visita à localidade era descrita na edição de 1 de Outubro. O final desta história é conhecido: venceu Monsanto, do concelho de Idanha-a-Nova, que ficou com o “galo de prata” que, durante meses, muitos sonharam ver nos píncaros de uma das torres da igreja de Cambra.
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(1)- Uma Frèguesia tìpicamente portuguesa, Santos Pereira, Notícias de Vouzela de 1 de Junho de 1938.
(2)- Idem.
(3)- Grande parte das intervenções então feitas nos monumentos nacionais, obedeceram a critérios que não os do rigor histórico.
(4)- in, Notícias de Vouzela, 1 de Junho de 1938.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Águas chocas

“As barragens podem ser feitas em mais sítios, mas a linha e o Vale do Tua são únicos”- Presidente da Câmara Municipal de Mirandela, Público, 7 de Fevereiro

“Um dos aspectos que os jornalistas britânicos compararam entre a realidade inglesa e a portuguesa, foi a rapidez do processo (aprovação do plano de barragens). Este tipo de empreendimentos no Reino Unido costuma merecer uma ampla e minuciosa discussão pública e a morosidade deste tipo de projectos é à partida assumida e aceite por todas as partes envolvidas”-A propósito da presença em Portugal de uma equipa da BBC2 para fazer uma reportagem sobre as metas do governo português para o uso das energias renováveis, Público 6 de Fevereiro.

“(...) o que mais intriga são os atropelos à lei e ao património natural que têm sido protagonizados pela EDP até à data, e a postura patenteada por alguns autarcas que já anunciaram estar disponíveis para, a troco de alguns benefícios económicos (...), permitir a destruição de património natural único, demonstrando que nem consciência têm do tesouro que existe nos seus concelhos”- Professor Alberto Aroso, O grito dos últimos, in Público de 7 de Fevereiro.

E mais esta, para um final (relativamente) feliz.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Tens mau gosto, pá

Luís Cipriano

Deixemo-nos de tretas: os gostos discutem-se. São histórica e culturalmente condicionados, o que pressupõe que se transporte a utensilagem científica e estética que os tempos permitem, nas escolhas que fazemos. Isto nada tem que ver com a imposição de normas, de um gosto oficial. Tem que ver com a necessidade de se disponibilizar ao cidadão as informações necessárias para o ajudar numa escolha e tem que ver com a necessidade de se separarem as águas do privado e do público, salvaguardando este último dos desvarios individuais.

Por isto mesmo aplaudo a defesa dos não fumadores, mas recuso interferências na minha escolha individual de, em local arejado e longe da criançada, me deleitar com uma cachimbada ao fim da tarde. Por isso mesmo recuso o paternalismo com que se olha para as “casas de emigrante”, apesar de me ser completamente indiferente que elas tenham duas ou vinte cozinhas. Por isso mesmo não aceito a condescendência com que se tem olhado para os projectos de engenharia do nosso primeiro-ministro, apesar de me estar nas tintas para a cor das suas meias. E é disto que vos quero falar.

Mal as primeiras fotografias dos mamarrachos começaram a circular, logo saltou uma legião de opinadores a pôr água na fervura. Passou-se, sem vergonha, a ideia de que “todos fazem” e o descanso obtuso do “que todos os nossos males fossem esses”. O próprio PSD moderou a crítica, provavelmente receoso da parte envidraçada dos seus telhados. O problema é que aqueles projectos, não sendo infelizmente únicos, ilustram muito dos piores males de que sofreu (continua a sofrer) o nosso território.

A “chico-espertice” consiste em garantir a aprovação de um projecto, dando-o a fazer a quem o vai fiscalizar. Como não pode ser assinado pelo dito, pede-se a um colega para botar o nome (e é indiferente se recebe ou não em troca do jeito). Desse modo elimina-se a eficácia da fiscalização, a função que cabe aos serviços de proteger os bens públicos (neste caso, o território e a paisagem) e de alertar o cidadão para o desrespeito de normas técnicas que, mais tarde ou mais cedo, se viram contra o próprio.

Como disse o arquitecto Cesar Portela a propósito dos estudos já aqui divulgados sobre o “feismo”, o que mais caracteriza esses projectos é serem maus. Implantação mal estudada, áreas mal trabalhadas, materiais mal escolhidos. Tudo isto se vai traduzir, a prazo, em problemas e custos para o dono da obra que dificilmente serão compensados pela “chico-espertice” inicial.

Mas o prejuízo torna-se público (colectivo), a partir do momento em que passa a estar em causa a descaracterização da paisagem e a ocupação abusiva do solo (quer no que diz respeito aos índices de ocupação, quer ao estatuto do terreno onde se constrói). Foi desse modo que se vandalizou o território e multiplicaram os lucros fáceis dos tempos áureos da construção civil (os emigrantes têm as costas muito largas...). Foi nisso que colaborou José Sócrates com as suas “inocentes” assinaturas, antes de chegar à pasta do Ambiente e de se tornar, enquanto primeiro-ministro, representante do “divino dom” com que a União Europeia nos trata da saúde e dos comportamentos.

A atitude engenheiro Sócrates não tem outra justificação possível que não seja a sua concordância com o mau estado a que isto chegou. Bem vistas as coisas, os famigerados PIN (ver também aqui), não são mais do que formas elaboradas dos projectos de Valhelhas e de mais não sei onde. Por isso, é preciso dizer-lhe: “Tens mau gosto, pá”.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

A não perder...

... a riquíssima colecção que o "Postal de Vouzela" tem divulgado. Sobretudo a documentação relacionada com o restauro da Igreja Matriz, publicada no Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais em 1949. São imagens da nossa História, a não perder.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

E dizem que o povo é quem mais ordena

Luís Cipriano, Source

A coisa vai passar-se mais ou menos assim: cada partido ou coligação apresenta uma única lista candidata à assembleia do município. Em caso de vitória, independentemente do número de votos conseguido, o cabeça de lista assume as funções de presidente da câmara e nomeia a maioria da vereação (os lugares destinados à oposição não podem ultrapassar 1/3 dos vereadores). Só uma maioria de 3/5, ou seja, 60%, pode recusar a equipa proposta para o executivo camarário. Assim reza a nova Lei Eleitoral para as autarquias, elaborada de comum acordo entre o PS e o PSD.

Pelo que lemos no Público de 2 de Fevereiro, até a Associação Nacional de Municípios considera isto excessivo. De facto, como justificar que uma maioria de 59% numa assembleia municipal não possa inviabilizar uma proposta de executivo? Como justificar que a mesma maioria, tendo em conta a nova metodologia de eleição única, não possa assumir a direcção do município?

Recorde-se que um dos argumentos avançados na defesa do novo diploma, foi o de se prever um reforço do “poder legislativo” sobre o “executivo”, ou seja, das assembleias municipais sobre a vereação. Não se percebe como. Para o conseguirem, seria necessário fornecer-lhes poderes e meios (tempo para estudarem os projectos, apoio técnico, etc.). Nem uma coisa, nem outra.

Além de tudo o resto, como diz Vital Moreira, o projecto nem prevê “a possibilidade de destituição dos executivos autárquicos por moções de censura, o que constitui uma notória violação dos mais elementares princípios da responsabilidade democrática dos órgãos executivos perante as assembleias representativas de que dependem”.

Enfim, nada de pânico. Parece estar garantido que, tal como o Natal, uma vez por ano continuaremos a ouvir que “o povo é quem mais ordena”.

sábado, fevereiro 02, 2008

"edificios que son a expresión dunha sociedade desnortada"

(Imagem retirada da edição do Público de 1 de Fevereiro)

Já tem nome e fórum (ver aqui, onde chegámos a partir daqui). É o “feísmo” , estudado na Galiza, chamando os bois pelos nomes: el ‘feísmo arquitectónico, urbanístico o paisajístico’ se entiende como todas aquellas construcciones o obras humanas que degradan de algún modo su entorno”. Por cá conhece-se o fenómeno mas modera-se o verbo. Eram as “casas dos emigrantes”, as “maisons com janelas à la fenêtre”. Entretanto, abrandava a emigração mas continuavam as casas e as costas largas dos emigrantes. Projectos sem qualidade, muitas vezes feitos por gente desqualificada, alimentaram o vale tudo da especulação imobiliária. E deixaram a imagem desleixada que atravessa o país de norte a sul.

Esmiuçando o conceito, há quem diga: "Non estou moi de acordo con ese termo. Os edificios non son feos, senón malos. Hai xente que e fea, sen faccións perfectas, non é bonita, pero en cambio e verdadeira, auténtica. Son edificios que son a expresión dunha sociedade desnortada, atrapada na especulación e o mal gusto"(1) . Podes crer.

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(1)- Cesar Portela Femández-Jardón, Arquitecto, sublinhados nossos.